Sunday, May 16, 2010




Três Américas vão às urnas

Pedro J. Bondaczuk

O mês de novembro próximo vai marcar, em três países de Américas diferentes, pleitos presidenciais de características totalmente diversas. Na América do Norte, cerca de 150 milhões de norte-americanos irão cumprir uma saudabilíssima rotina, que se repete com exatidão quase matemática a cada quatro anos, e vão escolher o homem que deverá comandar os destinos nacionais no próximo quadriênio.

Trata-se da mais sólida democracia jamais vista no Planeta e dessa espantosa estabilidade institucional só poderia emergir, como emergiu, uma superpotência, que naturalmente se tornou a mais poderosa, próspera e influente em todo o mundo.

Na conflagrada América Central vai ocorrer, no próximo Domingo, um outro pleito para o qual os olhos da opinião pública mundial estarão voltados. E não apenas por se tratar de um país pobre, de um continente miserável. Mas por ser realizado num Estado virtualmente dominado por duas famílias, em toda a sua história (os Somozas e os Chamorros) e isso nos hiatos entre duas intervenções, com prolongadas ocupações, de fuzileiros norte-americanos, que controlaram a sua vida por vinte anos. Nos referimos à Nicarágua.

A terceira eleição, esta na América do Sul, que passa a Ter, doravante, apenas duas ilhas de exceção em meio a um continente de legalidade (Chile e Paraguai), vai ocorrer numa comunidade nacional que já foi autêntico modelo de estabilidade política e justiça social no mundo, e que por um lamentável erro de enfoque de sua população, convive agora com onze anos de regime fechado, onde a única instituição com voz ativa é a militar. Trata-se do Uruguai.

Três pleitos, três continentes, três trajetórias, três realidades totalmente diversas. Um, de um país que jamais conheceu outro caminho senão o da democracia plena, brotada da “voz” das urnas, expressão legítima da vontade popular. Outro, de uma sociedade que conheceu as vantagens do sistema democrático, para depois perdê-las. Ou seja, esteve no Paraíso e acabou se auto-exilando para o Inferno da arbitrariedade e do caudilhismo. E um terceiro, que nunca experimentou a democracia plena em 159 anos de vida independente e cujas eleições estão sob suspeita internacional, com o país experimentando os dissabores de se ver envolvido no duelo estratégico das superpotências, que virtualmente impedem que seu povo trace, por si só, seus próprios rumos e destinos.

Sobre os Estados Unidos há muito pouco a dizer que já não tenha sido dito por alguém. A única coisa que causa certa estranheza ao observador é a impressão que os norte-americanos dão de que não querem que outros países tenham aquilo que deu certo no seu.

De uma maneira ou de outra, “Tio Sam” influi nos processos institucionais das três Américas, visando, exclusivamente, à manutenção de um status quo deteriorado, sumamente injusto, onde determinadas famílias transformam instabilíssimas sociedades nacionais em autênticos feudos pessoais, e isso é feito por razões estratégicas.

A Nicarágua passou vinte anos ocupada por tropas norte-americanas, somadas as duas intervenções quase seguidas feitas pelos EUA, sob o pretexto de restabelecimento da ordem interna nicaragüense. A primeira ocorreu em 1912 e prolongou-se até 1925. Mas o povo da Nicarágua ficou livre da presença estrangeira, na oportunidade, por pouco mais de seis meses.

Em 1926, novamente os fuzileiros de “Tio Sam” entraram naquela República, lá permanecendo até 1933, quando colocaram como preposto um comerciante de automóveis de Miami, Anastasio Somoza (o pai). Essa família praticamente partilhou a Nicarágua entre si, transformando-a em um feudo particular.

O velho “Tacho” ficou no poder até 1956, quando foi assassinado. Após sua morte, seu filho mais velho, Luís, completou o “mandato”. De 1963 a 1967, o poder foi partilhado por elementos ligados por laços econômicos e de lealdade pessoal à família Somoza, até que “Tachito”, ou seja, Anastasio Somoza Debayle, “herdasse” a Nicarágua, dirigindo-a com mão de ferro até a deposição, em 1978.

Os revolucionários sandinistas, assim que lograram sucesso em sua ação libertadora, prometeram eleições gerais, livres, limpas e soberanas em cinco anos. Mas, por vários motivos, inclusive em virtude da divisão interna que se instalou no novo regime, o processo eleitoral foi sendo adiado, até um ponto em que não havia mais como fugir dele.

Os partidos de oposição acusam que a atual convocação às urnas, para 4 de novembro próximo, é uma farsa. Os sandinistas rebatem, garantindo que o objetivo desses grupos é a mera desestabilização do país. Asseguram que seus opositores, na verdade, jamais quiseram a realização dessas eleições.

O Uruguai, por seu turno, está muito próximo de retornar à trilha que jamais deveria ter abandonado. E embora um dos maiores líderes nacionais, Wilson Ferreira Aldunate, permaneça encarcerado por motivos políticos, as eleições devem ser saudadas como uma grande vitória da população uruguaia. Devem ser encaradas, sobretudo, como uma prova de que o regime democrático pode estar eivado de falhas e imperfeições, pode não ser o ideal, pode dar margens à corrupção e à demagogia, mas que até hoje não se inventou nenhum sistema mais justo e funcional para a condução e a administração de qualquer sociedade nacional.

Três continentes, três países, três retrospectos, três histórias. São, na verdade, três grandes esperanças de uma sonhada e talvez próxima estabilidade continental. Amém!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de outubro de 1984).

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