Tuesday, May 25, 2010







Sina de campeão

Pedro J. Bondaczuk

Os ingleses sempre foram “campeões” quando se trata de escrever novelas, romances e contos de suspense, envolvendo crimes e investigações, embora o criador do gênero (genial e assustador) tenha sido o norte-americano Edgar Alan Poe. Para dirimir qualquer dúvida a respeito – se é que alguém duvide ou questione – basta citar, apenas, os dois maiores expoentes nesse tipo de literatura: Arthur Conan Doyle, com sua famosa dupla de personagens Sherlock Holmes e Dr. Watson; e Agatha Christie, notadamente com o incrível e enigmático inspetor belga Hercules Poirot.
Para alguns, Robert Louis Stevenson, ao escrever esse intrigante “O médico e o monstro”, inquestionável best-seller, se insere também como autor desse gênero. É caso para se discutir. O fato é que os ingleses têm um faro apurado para criar e escrever essa espécie de história.
Essa longa introdução – que em jornalismo recebe a curiosa denominação de “nariz de cera” – destina-se a falar sobre um outro escritor de suspense, como os citados, oriundo, logicamente, das ilhas britânicas. Trata-se de Dick Francis, pseudônimo literário de Richard Stanley Francis que, de 1957 para cá, brindou os fanáticos por este tipo de literatura (entre os quais, confesso, me incluo), com 42 romances, todos campeões de vendas. Ganhou, portanto, fortuna com o gênero.
O sujeito soube, como ninguém, explorar o gosto e a fidelidade do seu público por histórias de crimes misteriosos, com as respectivas e engenhosas soluções. “Soube” é bem o termo apropriado para o seu caso, pois não sabe mais. “Por que sofreu súbita amnésia?”, perguntará o leitor, intrigando com afirmação tão peremptória. Não! Dick Francis morreu, em 13 de fevereiro passado, aos 89 anos de idade.
Se alguém lhe dissesse, antes de 1957, que viria a se tornar sucessor de Agatha Christie, nosso personagem talvez risse, com incredulidade, desse tal “profeta”. Mas... as rodas da fortuna dão muitas voltas e nunca sabemos onde possam parar. Esclareça-se que Dick era, na ocasião, um dos mais consagrados jóqueis da Grã-Bretanha, verdadeiro mito na arte de cavalgar. Tanto que não era segredo para ninguém que era o preferido, o “queridinho” da Rainha Mãe, notória apreciadora do turfe.
Nos hipódromos, venceu mais de 350 corridas, o que, convenhamos, não é para qualquer um. O sujeito tem que ser não apenas bom, mas excelente, para uma performance de tamanha envergadura. E Dick era. Mas ele não começou, de cara, escrevendo histórias policiais de suspense. Seu primeiro livro foi uma autobiografia, intitulada “The sport of Queens” (“O esporte das rainhas”).
A rigor, mesmo depois de se transformar no escritor consagrado e genial que passou a ser até a morte, ele nunca se desligou das corridas de cavalo. Até janeiro de 2010, e por 16 anos consecutivos, foi o jornalista hípico mais lido do Reino Unido, com coluna no prestigioso periódico londrino “Sunday Express”. Afinal, era o único que já estivera numa pista e, mais do que isso, vencera corridas e mais corridas. Sabia, pois, do que estava tratando.
Seu sucesso como romancista confirmou uma convicção que tenho há anos e que nada e ninguém conseguiram abalar. A de que, quem tem talento inato para as letras, aquilo que chamam, eufemisticamente de vocação, por mais que evite a literatura, por achar que se trate de atividade de baixa (e às vezes nenhuma) remuneração, por mais que se destaque em outra profissão, que lhe renda fortunas quem sabe, mais cedo ou mais tarde, até por instinto, acaba por desembocar nela. E, se for bom (como Dick Francis mostrou ser), em três tempos será alçado ao estrelato.
Os dois livros desse jóquei/redator mais conhecidos no Brasil são: “Quem não se arrisca não vive” e “Mão de chicote”. Outros dez ou doze, todavia, também tiveram vendas bastante expressivas. E, agora que morreu, com certeza venderão muito mais. É sempre assim. Para as editoras, não raro, somos mais valiosos depois de mortos do que em vida. Mas a obra inteira de Dick Francis é, não somente caudalosa (publicar 42 romances não é para qualquer um), mas coerente, sólida e original.
Em suma (como se diz no popular), esse sujeito nasceu “com o bum-bum virado para a lua”. Ou seja, com sina de campeão. E nas duas atividades que exerceu: tanto nas pistas dos principais hipódromos da Europa, quanto nas milhões de livrarias mundo afora.

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