Nova estrela no céu
Pedro J. Bondaczuk
O mundo das letras, notadamente o da poesia, ficou mais pobre, desde a manhã de 13 de fevereiro de 2010, com a morte da poetisa norte-americana Lucille Clifton, aos 73 anos de idade. Ela era relativamente pouco conhecida no Brasil, mas isso não quer dizer que fosse uma estranha, uma anônima, uma ilustre desconhecida. As pessoas cultas e bem-informadas e que, sobretudo, amam a Literatura e acompanham tudo o que acontece mundo afora nessa confraria meio que fechada dos escritores, conhece, e bem, a sua obra. E claro, aprecia-a, dada sua inquestionável qualidade.
Qualquer morte me entristece e me assusta, pois me lembra que, mesmo amando a vida, sem restrições, como amo, algum dia chegará minha vez. Felizmente, não sei quando. Não gostaria mesmo de saber.
Guimarães Rosa costumava dizer que as pessoas, na verdade, não morrem: ficam encantadas. Da minha parte, digo sempre, que toda a vez que um poeta se vai, nasce uma nova estrela no firmamento. E quem pode dizer que não? Na vastidão do universo, nos mais remotos recantos que nenhum telescópio jamais pôde desvendar, mundos se constroem e se destroem a todo o momento, à nossa revelia, saibamos ou não desses fenômenos.
Clifton morreu no Hospital da Universidade John Hopkins, em Baltimore, Estado de Maryland, ode estava internada para tratar de uma infecção. A poetisa (e não sei porque, mas não gosto da expressão “poeta”, quando se refere a mulheres, provavelmente por entender que ela as despersonaliza, e deixa entrever nas entrelinhas, subjetivamente, que apenas os homens, os machos, os masculinos sabem compor versos, o que está muitíssimo longe da verdade) foi, em todo e qualquer aspecto que se olhe, uma vencedora.
Por ser negra, certamente teve que encarar muito preconceito e humilhação em sua vida, principalmente na infância e juventude, nos tempos em que ser negro, nos Estados Unidos, era como ser uma espécie de ET. A ponto, inclusive, de não poder freqüentar as mesmas salas de aula, os mesmos bares e teatros e outros tantos e tantos e tantos locais freqüentados por brancos e até os mesmos banheiros públicos e igrejas. E esse período, é bom lembrar, nem é tão distante assim. Remonta a meados dos anos 60 e início dos 70.
Sua força, certamente, estava em seu talento, em sua mágica capacidade de vislumbrar beleza até nos antros mais sórdidos e deprimentes e de descrevê-la, com a magia dos seus versos, das suas metáforas raras, fachos poderosos e irresistíveis de luz, iluminando e embelezando os mais horrendos cenários e circunstâncias. Tanto que, em 1988, concorreu ao mais cobiçado prêmio literário dos Estados Unidos e um dos mais importantes do mundo, o Pulitzer. Não ganhou, é verdade, mas foi finalista, superando centenas de medalhões literários do seu país, com mais nome, mais mídia e mais prestígio.
Doze anos depois, todavia, em 2000, veio, afinal, o reconhecimento. Lucille Clifton conquistou o cobiçadíssimo National Book Award de Poesias, com seu livro “Blessing the boute”. Esse é seu, ninguém tasca! Li pouca coisa dessa poetisa criativa, mas tudo o que dela me caiu em mãos, me impressionou e embeveceu. Como, por exemplo, este poema “Testamento”, que diz: “No princípio/era o Verbo./ O ano do Senhor,/amém, eu/ Lucille Clifton.? Por este meio atesto/que naquele quarto/havia uma luz/e nessa luz/havia uma voz/e nessa voz/havia um suspiro/e nesse suspiro/havia um mundo/um mundo um suspiro uma voz uma luz e eu/sozinha/num quarto”. Lindo, não é mesmo?.
Mas há um outro poema, até mais revelador, de Lucille Clifton, em que ela descreve tim-tim-por-tim-tim com qual realidade teve sempre que conviver (e superar) para se tornar a escritora respeitada e premiada em que se tornou. O título é: “Você não vai celebrar comigo?” e diz: “Você não vai celebrar comigo/o que moldei num/modo de viver? Não tive modelos./Nascida na Babilônia,/nascida não-branca, mulher/o que eu vi pra ser, além de mim mesma?/Eu inventei/aqui nessa ponte entre/poeira-de-estrela e barro, essa minha mão vem celebrar/comigo que todo dia/alguma coisa tentou me matar/e fracassou”.
É verdade que o verdugo assassino fracassou até o dia 13 de fevereiro de 2010, quando, finalmente, alguma coisa matou Lucille Clifton. O que? Um vírus feroz e avassalador? Uma bactéria estúpida, que com a morte do hospedeiro decretou a própria morte? Algum mau funcionamento de órgão vital que, finalmente, entrou em colapso e sem qualquer aviso?
Na verdade, nada disso matou a verdadeira poetisa. Arruinou, é certo, esse invólucro de músculos, ossos, nervos, células etc. que a revestia. Mas a verdadeira Lucille Clifton, a que conta e sempre contará na memória dos que a amaram, admiraram e sempre irão reverenciar, a sua essência, a sua capacidade de detectar beleza, a sua luz enfim, não morreu e jamais irá morrer. Olhem para o céu. Não notaram que há uma nova estrela a brilhar?
Pedro J. Bondaczuk
O mundo das letras, notadamente o da poesia, ficou mais pobre, desde a manhã de 13 de fevereiro de 2010, com a morte da poetisa norte-americana Lucille Clifton, aos 73 anos de idade. Ela era relativamente pouco conhecida no Brasil, mas isso não quer dizer que fosse uma estranha, uma anônima, uma ilustre desconhecida. As pessoas cultas e bem-informadas e que, sobretudo, amam a Literatura e acompanham tudo o que acontece mundo afora nessa confraria meio que fechada dos escritores, conhece, e bem, a sua obra. E claro, aprecia-a, dada sua inquestionável qualidade.
Qualquer morte me entristece e me assusta, pois me lembra que, mesmo amando a vida, sem restrições, como amo, algum dia chegará minha vez. Felizmente, não sei quando. Não gostaria mesmo de saber.
Guimarães Rosa costumava dizer que as pessoas, na verdade, não morrem: ficam encantadas. Da minha parte, digo sempre, que toda a vez que um poeta se vai, nasce uma nova estrela no firmamento. E quem pode dizer que não? Na vastidão do universo, nos mais remotos recantos que nenhum telescópio jamais pôde desvendar, mundos se constroem e se destroem a todo o momento, à nossa revelia, saibamos ou não desses fenômenos.
Clifton morreu no Hospital da Universidade John Hopkins, em Baltimore, Estado de Maryland, ode estava internada para tratar de uma infecção. A poetisa (e não sei porque, mas não gosto da expressão “poeta”, quando se refere a mulheres, provavelmente por entender que ela as despersonaliza, e deixa entrever nas entrelinhas, subjetivamente, que apenas os homens, os machos, os masculinos sabem compor versos, o que está muitíssimo longe da verdade) foi, em todo e qualquer aspecto que se olhe, uma vencedora.
Por ser negra, certamente teve que encarar muito preconceito e humilhação em sua vida, principalmente na infância e juventude, nos tempos em que ser negro, nos Estados Unidos, era como ser uma espécie de ET. A ponto, inclusive, de não poder freqüentar as mesmas salas de aula, os mesmos bares e teatros e outros tantos e tantos e tantos locais freqüentados por brancos e até os mesmos banheiros públicos e igrejas. E esse período, é bom lembrar, nem é tão distante assim. Remonta a meados dos anos 60 e início dos 70.
Sua força, certamente, estava em seu talento, em sua mágica capacidade de vislumbrar beleza até nos antros mais sórdidos e deprimentes e de descrevê-la, com a magia dos seus versos, das suas metáforas raras, fachos poderosos e irresistíveis de luz, iluminando e embelezando os mais horrendos cenários e circunstâncias. Tanto que, em 1988, concorreu ao mais cobiçado prêmio literário dos Estados Unidos e um dos mais importantes do mundo, o Pulitzer. Não ganhou, é verdade, mas foi finalista, superando centenas de medalhões literários do seu país, com mais nome, mais mídia e mais prestígio.
Doze anos depois, todavia, em 2000, veio, afinal, o reconhecimento. Lucille Clifton conquistou o cobiçadíssimo National Book Award de Poesias, com seu livro “Blessing the boute”. Esse é seu, ninguém tasca! Li pouca coisa dessa poetisa criativa, mas tudo o que dela me caiu em mãos, me impressionou e embeveceu. Como, por exemplo, este poema “Testamento”, que diz: “No princípio/era o Verbo./ O ano do Senhor,/amém, eu/ Lucille Clifton.? Por este meio atesto/que naquele quarto/havia uma luz/e nessa luz/havia uma voz/e nessa voz/havia um suspiro/e nesse suspiro/havia um mundo/um mundo um suspiro uma voz uma luz e eu/sozinha/num quarto”. Lindo, não é mesmo?.
Mas há um outro poema, até mais revelador, de Lucille Clifton, em que ela descreve tim-tim-por-tim-tim com qual realidade teve sempre que conviver (e superar) para se tornar a escritora respeitada e premiada em que se tornou. O título é: “Você não vai celebrar comigo?” e diz: “Você não vai celebrar comigo/o que moldei num/modo de viver? Não tive modelos./Nascida na Babilônia,/nascida não-branca, mulher/o que eu vi pra ser, além de mim mesma?/Eu inventei/aqui nessa ponte entre/poeira-de-estrela e barro, essa minha mão vem celebrar/comigo que todo dia/alguma coisa tentou me matar/e fracassou”.
É verdade que o verdugo assassino fracassou até o dia 13 de fevereiro de 2010, quando, finalmente, alguma coisa matou Lucille Clifton. O que? Um vírus feroz e avassalador? Uma bactéria estúpida, que com a morte do hospedeiro decretou a própria morte? Algum mau funcionamento de órgão vital que, finalmente, entrou em colapso e sem qualquer aviso?
Na verdade, nada disso matou a verdadeira poetisa. Arruinou, é certo, esse invólucro de músculos, ossos, nervos, células etc. que a revestia. Mas a verdadeira Lucille Clifton, a que conta e sempre contará na memória dos que a amaram, admiraram e sempre irão reverenciar, a sua essência, a sua capacidade de detectar beleza, a sua luz enfim, não morreu e jamais irá morrer. Olhem para o céu. Não notaram que há uma nova estrela a brilhar?
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