“Fabricação” de imagens
Pedro J. Bondaczuk
Você sabe o que é “imagologia”? Calma, impaciente leitor, não houve erro de digitação da minha parte, embora o corretor de textos do computador diga o contrário e assinale a palavra em vermelho. E não adianta consultar nenhum dicionário. Você não irá encontrar essa expressão. O termo não consta em nenhum dicionário. Trata-se, na verdade, de neologismo. Mas juro que não fui eu que o criei.
Embora a palavra seja nova, designa um comportamento bem antigo, antiqüíssimo, que remonta sabe Deus a que século ou milênio. Imagologia é a “fabricação” de imagens. Não me refiro às de santos. Portanto, a palavra não designa a atividade de nenhum artesão, desses hábeis e peritos, que criam maravilhosas estátuas, que se tornam objetos de culto e adoração de tanta gente.
A imagem, neste caso, é a das celebridades face à mídia e, consequentemente, diante da população. Quem aborda o assunto com grande propriedade é o escritor Milan Kundera, que dedica capítulo inteiro do livro “A Imortalidade” ao tema. É isso.
As celebridades (e não importa célebres por que), raramente mostram em público o que realmente são. Muitos (e põe muitos nisso), têm até biografias inventadas, para que o cidadão comum os admire por supostos “feitos”, que sequer fizeram.
Máscaras. Essas pessoas utilizam-se de máscaras. Parecem uma coisa e na verdade são outra. Os imagólogos utilizam-se de recursos de várias disciplinas ligadas, notadamente, à comunicação, principalmente da propaganda e da sua irmã-gêmea, a publicidade.
Valem-se, também, da maquiagem (a real e a figurada), da moda, da expressão corporal e de tantas e tantas outras coisas, para exibirem ao público a melhor imagem possível dos seus “personagens”. Aquela, claro, que eles laboriosamente criaram.
Para que o assunto fique mais claro, digo-lhes que a primeira vez que me dei conta da “imagologia”, muito antes sequer da palavra ter sido inventada por Milan Kundera, foi há quarenta anos. Foi na leitura de um conto de um escritor norte-americano (cujo nome não me recordo, pois minha memória não é tão prodigiosa como alguns acham que seja e muito menos como eu gostaria que fosse), publicado em uma revista literária de grande circulação nos Estados Unidos (mas não farei propaganda gratuita dela, já que a comprei e não a ganhei).
Na história em questão, o autor tratava de uma atriz que veio de um obscuro e perdido vilarejo do meio-oeste e que, graças ao seu talento e pertinácia, virou estrela e conquistou fama e fortuna.
Imediatamente, seu agente providenciou para que um escritor de renome “criasse-lhe” uma biografia. Atribuíram-lhe pais muito diferentes dos dela, deram-lhe vários irmãos que não tinha, em vez de citarem as obscuras escolas em que de fato estudou, “matricularam-na” nas mais renomadas instituições de ensino dos Estados Unidos, enfim, traçaram um perfil perfeito de uma “vencedora”. Tudo muito bonitinho, porém... falso. Mera ficção.
A garota não era nada disso. Mas em vez de ressaltar seus méritos, de enfatizar que viera de baixo e galgara os degraus do sucesso graças à sua capacidade pessoal, simpatia e esforço, seus imagólogos entenderam que essa imagem não satisfaria os fãs e o público em geral. Era “comum” demais. Não tinha charme, mistério, glamour.
Embora ficção, o conto retrata bem o que ocorre na política, nos esportes, no cinema, nas outras artes e no show-business. E, em alguns casos, também em literatura. Kundera enfatiza que o ditador Adolf Hitler tinha seu imagólogo, que determinava, até, os mínimos gestos que o líder nazista deveria fazer ao discursar para enlouquecidas multidões.
Inúmeros políticos, mundo e tempo afora, valeram-se e valem-se cada vez mais dessa “ciência” informal (no meu entender a ciência da mentira e do engodo), para tapear eleitores e fazerem carreira, defendendo, apenas, interesses pessoais, embora perpetuem imagens de pessoas generosas e dignas, preocupadas incessantemente com o povo.
Sinceramente, se o preço do sucesso (no meu caso, o literário que, como todo indivíduo normal, aspiro ardentemente e luto com todas as forças para obter) depender desse expediente, dane-se o sucesso! Se estiver ligado à ostentação de uma imagem pré-fabricada, mas que não é a minha, ou seja, às artimanhas da imagologia, prefiro um milhão de vezes (ou a cifra mais alta que lhe passar pela cabeça) o fracasso, com suas frustrações e mágoas, do que o êxito baseado, exclusivamente ou mesmo em parte, no engodo, na mentira e na falsidade.
Pedro J. Bondaczuk
Você sabe o que é “imagologia”? Calma, impaciente leitor, não houve erro de digitação da minha parte, embora o corretor de textos do computador diga o contrário e assinale a palavra em vermelho. E não adianta consultar nenhum dicionário. Você não irá encontrar essa expressão. O termo não consta em nenhum dicionário. Trata-se, na verdade, de neologismo. Mas juro que não fui eu que o criei.
Embora a palavra seja nova, designa um comportamento bem antigo, antiqüíssimo, que remonta sabe Deus a que século ou milênio. Imagologia é a “fabricação” de imagens. Não me refiro às de santos. Portanto, a palavra não designa a atividade de nenhum artesão, desses hábeis e peritos, que criam maravilhosas estátuas, que se tornam objetos de culto e adoração de tanta gente.
A imagem, neste caso, é a das celebridades face à mídia e, consequentemente, diante da população. Quem aborda o assunto com grande propriedade é o escritor Milan Kundera, que dedica capítulo inteiro do livro “A Imortalidade” ao tema. É isso.
As celebridades (e não importa célebres por que), raramente mostram em público o que realmente são. Muitos (e põe muitos nisso), têm até biografias inventadas, para que o cidadão comum os admire por supostos “feitos”, que sequer fizeram.
Máscaras. Essas pessoas utilizam-se de máscaras. Parecem uma coisa e na verdade são outra. Os imagólogos utilizam-se de recursos de várias disciplinas ligadas, notadamente, à comunicação, principalmente da propaganda e da sua irmã-gêmea, a publicidade.
Valem-se, também, da maquiagem (a real e a figurada), da moda, da expressão corporal e de tantas e tantas outras coisas, para exibirem ao público a melhor imagem possível dos seus “personagens”. Aquela, claro, que eles laboriosamente criaram.
Para que o assunto fique mais claro, digo-lhes que a primeira vez que me dei conta da “imagologia”, muito antes sequer da palavra ter sido inventada por Milan Kundera, foi há quarenta anos. Foi na leitura de um conto de um escritor norte-americano (cujo nome não me recordo, pois minha memória não é tão prodigiosa como alguns acham que seja e muito menos como eu gostaria que fosse), publicado em uma revista literária de grande circulação nos Estados Unidos (mas não farei propaganda gratuita dela, já que a comprei e não a ganhei).
Na história em questão, o autor tratava de uma atriz que veio de um obscuro e perdido vilarejo do meio-oeste e que, graças ao seu talento e pertinácia, virou estrela e conquistou fama e fortuna.
Imediatamente, seu agente providenciou para que um escritor de renome “criasse-lhe” uma biografia. Atribuíram-lhe pais muito diferentes dos dela, deram-lhe vários irmãos que não tinha, em vez de citarem as obscuras escolas em que de fato estudou, “matricularam-na” nas mais renomadas instituições de ensino dos Estados Unidos, enfim, traçaram um perfil perfeito de uma “vencedora”. Tudo muito bonitinho, porém... falso. Mera ficção.
A garota não era nada disso. Mas em vez de ressaltar seus méritos, de enfatizar que viera de baixo e galgara os degraus do sucesso graças à sua capacidade pessoal, simpatia e esforço, seus imagólogos entenderam que essa imagem não satisfaria os fãs e o público em geral. Era “comum” demais. Não tinha charme, mistério, glamour.
Embora ficção, o conto retrata bem o que ocorre na política, nos esportes, no cinema, nas outras artes e no show-business. E, em alguns casos, também em literatura. Kundera enfatiza que o ditador Adolf Hitler tinha seu imagólogo, que determinava, até, os mínimos gestos que o líder nazista deveria fazer ao discursar para enlouquecidas multidões.
Inúmeros políticos, mundo e tempo afora, valeram-se e valem-se cada vez mais dessa “ciência” informal (no meu entender a ciência da mentira e do engodo), para tapear eleitores e fazerem carreira, defendendo, apenas, interesses pessoais, embora perpetuem imagens de pessoas generosas e dignas, preocupadas incessantemente com o povo.
Sinceramente, se o preço do sucesso (no meu caso, o literário que, como todo indivíduo normal, aspiro ardentemente e luto com todas as forças para obter) depender desse expediente, dane-se o sucesso! Se estiver ligado à ostentação de uma imagem pré-fabricada, mas que não é a minha, ou seja, às artimanhas da imagologia, prefiro um milhão de vezes (ou a cifra mais alta que lhe passar pela cabeça) o fracasso, com suas frustrações e mágoas, do que o êxito baseado, exclusivamente ou mesmo em parte, no engodo, na mentira e na falsidade.
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