Sunday, May 30, 2010




Caindo na realidade

Pedro J. Bondaczuk

O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, começou a desenrolar, ontem, o enorme novelo de problemas que tem, alguns, à primeira vista, considerados até insolúveis, num dia de intensa atividade diplomática. Pela manhã, compareceu perante o Soviete Supremo, sorridente e bem-humorado, para fazer um relato de sua recente reunião de cúpula com George Bush, em Washington.
A novidade desse compromisso, porém, foi a proposta que fez acerca da permanência de uma Alemanha reunificada na Organização do Tratado do Atlântico Norte, Otan, como membro associado. O presidente George Bush, indagado a respeito, afirmou não ter ficado muito claro o significado dessa expressão. Mas, certamente, ele entendeu.
Em 25 de maio passado, antes de ir para os Estados Unidos, Gorbachev deixou isso esclarecido. Disse que o Estado germânico reunificado deveria ter um status como o da França na aliança atlântica. Ou seja, participar da sua estrutura política, mas não da militar.
Todavia, a posição mais sensata a este propósito é a defendida pela primeira-ministra britânica, Margareth Thatcher. Para ela, esta questão de filiação é algo de competência exclusivamente alemã. O novo Estado deve decidir, livre e soberanamente, se deseja integra-se à Otan, ao Pacto de Varsóvia ou a nenhuma das organizações.
Trata-se, aí, de um tema puramente interno, embora possa ter implicações continentais. Mas, para isso, existem tratados e toda uma estrutura restritiva, capaz de impedir alguma aventura maluca, como a de Adolf Hitler, caso, por uma dessas guinadas políticas imprevisíveis, os nazistas voltem a conquistar o poder.
Tal hipótese, todavia, é tão improvável, que raia o absurdo. As condições mundiais de hoje são muito, mas muito mesmo diferentes das da década de 30. Quanto à questão das Repúblicas bálticas, Gorbachev, com sua capacidade de negociação, deu, ontem, o primeiro passo conciliador, ao se reunir com os presidentes da Lituânia, Letônia e Estônia depois de ter presidido o encontro dos 15 líderes dos Estados Federados.
É verdade que recebeu um duro golpe, com a declaração de soberania da República da Rússia. Estamos certos, no entanto, que não tardará para Boris Yeltsin cair na realidade e perceber que há uma distância enorme entre os seus sonhos de reformas radicais e a realidade.
Se nem a perestroika, que é bastante conservadora se comparada com as medidas que o presidente russo deseja implantar, está conseguindo progressos, imagine o leitor o projeto do dissidente reformista! Onde ele arranjará dinheiro para fazer tudo o que vem prometendo?
É preciso que se leve em conta uma série de fatores. Se o plano de Gorbachev, que tramita no Soviete Supremo, gerou pânico na população, sendo gradual, o que não ocorreria com um pacote severo como o polonês e apresentado na forma de um choque? Seria o caos.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 13 de junho de 1990).

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