Thursday, May 20, 2010




Tributo a um gênio

Pedro J. Bondaczuk

Os gênios sempre foram, são e serão raridade. Que bom seria se todas as pessoas, ou pelo menos a maioria delas, fossem geniais. Obviamente, não são. Até pelo contrário. A maioria é constituída de indivíduos com quocientes de inteligência que beiram à indigência mental. Alguns, por questões genéticas, outros em decorrência do ambiente, outros, ainda, por passarem fome desde a tenra infância e os motivos se estendem e variam no tempo e no espaço.
Por isso, os gênios têm que ser, sempre, reverenciados e, quando possível, imitados. Anton Chekhov foi um deles. Se estivesse vivo, o escritor russo teria completado, em 29 de janeiro passado, 150 anos. Dele, o que menos se pode dizer é que, sem receio de exagero (e se exagerarmos, será para menos) que produziu uma obra literária atemporal, profunda, valiosíssima, e por isso imortal, que vai ao âmago das emoções e do comportamento humano.
Chekhov é mais aclamado pelos tantos contos que escreveu, embora tenha sido um dos maiores dramaturgos que já surgiram em todos os tempos. Os especialistas em teatro, diretores, atores e críticos, certamente concordam comigo e vão mais além. Pudera! Trata-se, como já ressaltei, de um gênio.
Sua principal característica literária é a de combinar um estilo narrativo emocionalmente cru, sem nunca exagerar ou dourar a pílula, com descrições cuidadosas e detalhadas da condição humana de seus personagens, verossímeis, vivos, desses que podemos encontrar nas ruas das cidades a qualquer momento, nos dias que correm.
O escritor russo é amado, sobretudo, pelas mulheres, às quais entendia muito bem e valorizava demais, ao contrário de outros ficcionistas do seu tempo. Chekhov criou personagens femininos psicologicamente complexos, mas sempre fortes e vigorosos.
Muitos diretores de teatro consideram esse escritor tão importante para as artes cênicas quanto a tragédia grega e William Shakespeare. Exagero? Longe disso. Modestamente, baseado nas peças dele que li (umas quatro ou cinco), concordo e assino embaixo.
O curioso é que o aclamado homem de letras, antes de se dedicar à literatura, era cientista por formação. Inicialmente, especializou-se em Física e, posteriormente, completou o curso de Medicina. É notável como Chekhov conseguiu conciliar duas atividades tão díspares, ou seja, a arte de salvar vidas com a de descrevê-las em minúcias. Clinicava durante o dia, nunca deixando de exercer com perícia e afinco sua profissão e escrevia à noite. E era bom nas duas atividades. Coisa de gênio!
A trajetória de Chekhov foi uma saga de superação e força de vontade. Sua biografia rivaliza com os tantos enredos que criou. Para que vocês tenham uma pálida idéia dos obstáculos que teve que superar, basta citar sua modesta origem, ou seja, de que classe social que veio. Seu avô, Egor Chekhov, foi um servo, que teve que comprar, e que conseguiu fazê-lo, a própria liberdade.
Para quem não sabe, é mister informar que, na Rússia czarista, havia escravidão, e branca, posto que disfarçada sob o regime de servidão. Os senhores feudais, os grandes latifundiários, tinham direito até mesmo de vida e morte sobre seus servos e estes somente se viam livres deles se lograssem “comprar” o direito de ir e vir e de fazer o que quisessem. Raríssimos conseguiam.
O próprio escritor deixou enfático registro de quão miserável e humilhante foi sua infância e de quanto precisou fazer para subir alguns míseros degraus na elitista e excludente sociedade russa de então. Em carta endereçada ao irmão Aleksandr, escreveu o seguinte, em determinado trecho, em nítido tom de ironia: “Filho de um servo... servente de loja, cantor na igreja, estudante do liceu e da universidade, educado para a reverência de superiores e para beijos de mão, para se curvar perante os pensamentos alheios, para a gratidão por qualquer pedaço de pão, muitas vezes sovado, indo à escola sem galochas”.
Humanista até a medula, foi um dos defensores do ex-capitão Alfred Dreyfuss, condenado, injustamente, e expulso do Exército francês, a pretexto de espionagem (mas na verdade, apenas pelo fato de ser judeu) e preso na terrível e infernal prisão da Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, episódio que agitou a opinião pública internacional em fins do século XIX e início do XX.
Embora médico, portanto, “tutor” e guardião da saúde alheia, descuidou-se da sua. Morreu, em 15 de julho de 1904, com apenas 44 anos de idade, vítima de tuberculose. Mas legou à posteridade livros de contos e narrativas como “Um duelo”, “A estepe”, “A minha vida”, “A sala número seis” e “Uma história sem importância”, entre outros, além de peças como “A gaivota”, “Tio Vânia”, “As três irmãs”, “O canto do cisne”, “Um trágico à força”, “Ivanov” etc.etc.etc.
Se com a opção de Chekhov pelas letras a ciência perdeu excelente pesquisador em potencial, em contrapartida, a Literatura ganhou (para minha satisfação e a de quem, como eu, tem obsessão pelas palavras) um gênio.

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