Pedro J. Bondaczuk
O escritor Stuart Cloete, em seu ótimo romance “Balada Africana” (tradução de Raul de Polillo, Boa Leitura Editora), afirma, em determinado trecho: “É o fogo que faz o homem”. Exagero? De forma alguma!
Trata-se de um dos elementos mais abundantes no universo. O que é o sol se não uma descomunal “fornalha”, uma explosão nuclear quase que interminável? O que são as estrelas, se não isso também? O fogo, pois, dependendo da intensidade e do uso que dele se faz, é o salvador e o destruidor por excelência de todos os seres vivos. E do homem, naturalmente.
Não por acaso, quase todas as mitologias dedicam-lhe reverência e respeito. Na grega, por exemplo, temos o mito de Prometheus, filho de Iapetus e irmão de Atlas e de Epimetheus. Esse titã roubou o fogo sagrado de Zeus e deu-o à humanidade. Pagou, claro, um preço monstruoso pelo delito, cometido não em proveito próprio (diga-se a seu favor), mas num ato de suprema generosidade com o homem.
O senhor do Olimpo, todavia, não quis nem saber. Prometheus foi atado aos Montes Urais e os abutres passaram a bicar-lhe o fígado, sem cessar, num tormento sem fim. Se bobear, continuam bicando-o até hoje. E continuarão fazendo isso até um suposto fim dos tempos. E por que o titã fez o que fez, tendo que pagar um preço tão alto por isso? Por que sem o fogo, os homens estariam desprotegidos e a mercê, puramente, do acaso e dos elementos.
Cloete afirma a propósito: “Em primeiro lugar, houve a arma – um grosso bastão, que até ao que se sabe, os grandes símios de outrora usaram. Depois, houve o fogo, que todas as feras temem. Há alguma coisa de Deus no fogo”. E há mesmo. Mas não foram apenas os gregos que reverenciaram esse elemento.
Na mitologia hindu, Shiva está, intimamente, associada ao fogo, pois ele representa a transformação. Nada que tenha passado por ele permanece da mesma forma de antes. O alimento transforma-se (fica cozido), a água se evapora e os corpos, cremados, viram cinzas. Isso é que é poder.
Cloete resume da seguinte forma o processo de civilização humana: “... Houve os receptáculos, para que a água pudesse ser transportada. E houve cães, domesticados para caçar. Por fim, surgiu a semente, plantada ao invés de ser catada em estado selvagem; e os bandos e os rebanhos de animais domesticados. Mas o rei disto tudo é o fogo. O salvador e o destruidor”. E não é?!
Querem mais exemplos da reverência humana ao fogo? Na mitologia germânica, três gigantes se destacam, ora beneficiando, ora destruindo pessoas. Um deles é o do gelo. Seria de se esperar isso, levando em conta que se trata de um povo nórdico, sujeito às inclemências do clima que, no inverno, não raro, chega a temperaturas muito abaixo de zero. O segundo é o do vento, igualmente indomável e perigoso. Mas o gigante mais forte e ativo é o do fogo que, quando benigno, livra o homem do intenso frio, coze seus alimentos e o protege das feras. E, quando irado... consome tudo, absolutamente tudo o que encontra pela frente.
Na mitologia dos índios brasileiros, temos a boitatá. E o que vem a ser essa entidade? É uma cobra de fogo, que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir (e matar) os que desrespeitam a natureza. Essa crença é muito comum no meu Estado natal, o Rio Grande do Sul, e está incorporada ao folclore local. E o que vem a ser a tal da boitatá? Trata-se do fogo fátuo, ou seja, da queima espontânea de gás metano, proveniente da decomposição de algum animal (normalmente algum rês desgarrada) que tenha morrido de fome ou de sede.
Mas não foram apenas os meus conterrâneos que cultivaram esse mito. Aliás, cresci ouvindo histórias a esse respeito, contadas pelos peões que trabalhavam na fazenda do meu avô. Para eles, a boitatá não é superstição coisa nenhuma. Existe, de fato, e alguns contam histórias de fulano, sicrano e beltrano, que teriam sido mortos por ela e, de quebra, tiveram os olhos devorados pela cobra vingadora.
Esse mito, todavia, embora persista ainda no Rio Grande do Sul, não é exclusivo desse Estado. Indígenas de outras localidades também acreditam (ou pelo menos acreditavam) na existência da boitatá. Tanto que foram encontrados relatos da cobra de fogo em cartas do padre José de Anchieta, datadas de 1560. Em São Paulo, porém, jamais ouvi referências a esse respeito. No folclore paulista não há nenhuma manifestação popular envolvendo esse mito.
O mesmo já não acontece no Nordeste, onde a boitatá é conhecida como “fogo que corre”. Demos voltas e mais voltas, apenas para destacar o poder e a importância desse poderoso e abundante elemento da natureza. Sem ele, o homem não se civilizaria e é bem possível que, sequer, existiria. Mas será pelo fogo, quando o sol, um dia, se expandir, que este planetazinho azul será reduzido a cinzas. Não se preocupem, contudo. Isso, provavelmente, só irá ocorrer daqui a 4 bilhões de anos. Mas... essa já é outra história, que fica para uma outra vez...
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O escritor Stuart Cloete, em seu ótimo romance “Balada Africana” (tradução de Raul de Polillo, Boa Leitura Editora), afirma, em determinado trecho: “É o fogo que faz o homem”. Exagero? De forma alguma!
Trata-se de um dos elementos mais abundantes no universo. O que é o sol se não uma descomunal “fornalha”, uma explosão nuclear quase que interminável? O que são as estrelas, se não isso também? O fogo, pois, dependendo da intensidade e do uso que dele se faz, é o salvador e o destruidor por excelência de todos os seres vivos. E do homem, naturalmente.
Não por acaso, quase todas as mitologias dedicam-lhe reverência e respeito. Na grega, por exemplo, temos o mito de Prometheus, filho de Iapetus e irmão de Atlas e de Epimetheus. Esse titã roubou o fogo sagrado de Zeus e deu-o à humanidade. Pagou, claro, um preço monstruoso pelo delito, cometido não em proveito próprio (diga-se a seu favor), mas num ato de suprema generosidade com o homem.
O senhor do Olimpo, todavia, não quis nem saber. Prometheus foi atado aos Montes Urais e os abutres passaram a bicar-lhe o fígado, sem cessar, num tormento sem fim. Se bobear, continuam bicando-o até hoje. E continuarão fazendo isso até um suposto fim dos tempos. E por que o titã fez o que fez, tendo que pagar um preço tão alto por isso? Por que sem o fogo, os homens estariam desprotegidos e a mercê, puramente, do acaso e dos elementos.
Cloete afirma a propósito: “Em primeiro lugar, houve a arma – um grosso bastão, que até ao que se sabe, os grandes símios de outrora usaram. Depois, houve o fogo, que todas as feras temem. Há alguma coisa de Deus no fogo”. E há mesmo. Mas não foram apenas os gregos que reverenciaram esse elemento.
Na mitologia hindu, Shiva está, intimamente, associada ao fogo, pois ele representa a transformação. Nada que tenha passado por ele permanece da mesma forma de antes. O alimento transforma-se (fica cozido), a água se evapora e os corpos, cremados, viram cinzas. Isso é que é poder.
Cloete resume da seguinte forma o processo de civilização humana: “... Houve os receptáculos, para que a água pudesse ser transportada. E houve cães, domesticados para caçar. Por fim, surgiu a semente, plantada ao invés de ser catada em estado selvagem; e os bandos e os rebanhos de animais domesticados. Mas o rei disto tudo é o fogo. O salvador e o destruidor”. E não é?!
Querem mais exemplos da reverência humana ao fogo? Na mitologia germânica, três gigantes se destacam, ora beneficiando, ora destruindo pessoas. Um deles é o do gelo. Seria de se esperar isso, levando em conta que se trata de um povo nórdico, sujeito às inclemências do clima que, no inverno, não raro, chega a temperaturas muito abaixo de zero. O segundo é o do vento, igualmente indomável e perigoso. Mas o gigante mais forte e ativo é o do fogo que, quando benigno, livra o homem do intenso frio, coze seus alimentos e o protege das feras. E, quando irado... consome tudo, absolutamente tudo o que encontra pela frente.
Na mitologia dos índios brasileiros, temos a boitatá. E o que vem a ser essa entidade? É uma cobra de fogo, que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir (e matar) os que desrespeitam a natureza. Essa crença é muito comum no meu Estado natal, o Rio Grande do Sul, e está incorporada ao folclore local. E o que vem a ser a tal da boitatá? Trata-se do fogo fátuo, ou seja, da queima espontânea de gás metano, proveniente da decomposição de algum animal (normalmente algum rês desgarrada) que tenha morrido de fome ou de sede.
Mas não foram apenas os meus conterrâneos que cultivaram esse mito. Aliás, cresci ouvindo histórias a esse respeito, contadas pelos peões que trabalhavam na fazenda do meu avô. Para eles, a boitatá não é superstição coisa nenhuma. Existe, de fato, e alguns contam histórias de fulano, sicrano e beltrano, que teriam sido mortos por ela e, de quebra, tiveram os olhos devorados pela cobra vingadora.
Esse mito, todavia, embora persista ainda no Rio Grande do Sul, não é exclusivo desse Estado. Indígenas de outras localidades também acreditam (ou pelo menos acreditavam) na existência da boitatá. Tanto que foram encontrados relatos da cobra de fogo em cartas do padre José de Anchieta, datadas de 1560. Em São Paulo, porém, jamais ouvi referências a esse respeito. No folclore paulista não há nenhuma manifestação popular envolvendo esse mito.
O mesmo já não acontece no Nordeste, onde a boitatá é conhecida como “fogo que corre”. Demos voltas e mais voltas, apenas para destacar o poder e a importância desse poderoso e abundante elemento da natureza. Sem ele, o homem não se civilizaria e é bem possível que, sequer, existiria. Mas será pelo fogo, quando o sol, um dia, se expandir, que este planetazinho azul será reduzido a cinzas. Não se preocupem, contudo. Isso, provavelmente, só irá ocorrer daqui a 4 bilhões de anos. Mas... essa já é outra história, que fica para uma outra vez...
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