A bondade, ou seja, a capacidade de ajudar o próximo, de maneira espontânea e desprendida, só para vê-lo seguro, alegre ou pelo menos equilibrado, sem esperar a mínima espécie de reconhecimento (nenhuma, sequer a sua gratidão) – e essa ajuda nem mesmo precisa ser de caráter material, bastando, não raro, um simples minuto de atenção, que pode fazer a diferença entre a vida e a morte de alguém –, é o que verdadeiramente distingue o homem, na verdadeira acepção do termo, dos demais animais. É através de gestos dessa espécie que ele faz luzir sua racionalidade. Essa atitude, embora os néscios, os gananciosos e os egoístas não percebam (e não admitam), é que lhe confere superioridade moral, ascendência afetiva e credibilidade.
Wednesday, September 30, 2009
Controle do homem
Pedro J. Bondaczuk
O raciocínio, embora seja indispensável, por se tratar de característica distintiva do ser humano em relação a qualquer outro vivente, torna-se inócuo e sem sentido se não vier acompanhado de alguma ação. Nem que essa seja a mais elementar de todas: a mera comunicação do que se raciocinou. Afinal, se não os comunicarmos, ninguém saberá o teor e o alcance do que raciocinamos. E sem isso... esse ato nobre não passará de mera perda de tempo. Ninguém irá tirar proveito dele e nós muito menos.
Por outro lado, é certo que tudo o que fizermos tem que ser minimamente planejado. Agir às cegas é contraproducente e, não raro, até fatal. Em contrapartida, planos que não sejam executados são, a exemplo do raciocínio, inócuos. Não geram efeitos e, por essa razão, também se constituem em perda de tempo.
Não me adianta fazer planos mirabolantes, detalhados e perfeitos, se acabarem engavetados e logo após esquecidos. Inúmeras pessoas agem assim, quer no que se refere às suas vidas, quer às atividades profissionais que exercem.
Conheço um escritor que já planejou dezenas de livros. Vi alguns desses planos e achei-os perfeitos. No entanto... escreveu, de fato, apenas um. Maior resultado ele teria, obviamente, se agisse mais e planejasse menos. Seria, provavelmente, um best-seller, fosse homem de ação.
Há, nas empresas, a mania das reuniões da sua “cúpula pensante”. Há algumas que exageram e promovem várias num só dia. Quem já participou de alguma delas sabe o quanto são dispersivas e contraproducentes.
Determinadas decisões, que poderiam (e deveriam) ser comunicadas – não apenas à equipe diretiva, mas a todos os funcionários – mediante simples memorandos, o são nesses encontros, em que há muito bla-bla-blá e pouca (ou nenhuma) objetividade. A rigor, são, via de regra, inócuas. Raramente resultam em ações efetivas.
Anos atrás, quando eu trabalhava em uma agência de publicidade de porte médio, uma poderosa multinacional, com ramificações em mais de 50 países, contratou-nos para elaborar uma campanha cuja finalidade era, justamente, desestimular as tais “reuniões”. A cúpula da empresa avaliou a relação custo-benefício e concluiu que o primeiro fator era muitíssimo maior do que o segundo.
Ou seja, tratava-se de um “ralo” por onde preciosos recursos se escoavam, com pouco e, não raro, sem nenhum retorno. Preciosas horas de trabalho, que poderiam e deveriam resultar em decisões fundamentais para a companhia (e de funcionários regiamente pagos, frise-se) eram gastas para se discutir obviedades, regadas a refrigerantes e litros e mais litros de café.
Uma das peças que criamos na oportunidade foi um enorme painel de acrílico, com um determinado slogan (que não me recordo qual foi), desestimulando as chefias de convocar reuniões, que foi colocado logo na entrada da empresa. Em vez delas, foi instituída a obrigatoriedade de cada chefe de seção elaborar, nos minutos finais do expediente, meticulosos relatórios sobre o que suas seções fizeram e com quais resultados.
Ficamos sabendo, posteriormente, que a campanha foi um sucesso. As tais reuniões, num primeiro momento, foram reduzidas à metade. E o balanço daquele ano, daquela multinacional específica, refletiu considerável salto em seu gráfico de lucros, que é o que importa e sempre irá importar aos seus atentos acionistas.
Conversas, por melhor que seja o seu nível, não são ações. Principalmente quando têm pouca (ou nenhuma) objetividade, como ocorre no caso das reuniões, autêntica praga na maioria das empresas brasileiras (e, quiçá, do resto do mundo). E, para empreendimentos industriais e/ou comerciais, óbvio, tempo é, e sempre será, dinheiro.
Não quero dizer, todavia, que raciocínio, planejamento e diálogo sejam inúteis. Longe disso. Contudo, para serem eficazes, e gerarem os efeitos que deles se espera, devem vir sempre, sem exceção, acompanhados da respectiva e indefectível ação. Caso contrário... Afinal, produzir significa agir, assim como criar, modificar, consertar, pesquisar etc.etc.etc. Enfim, todo e qualquer verbo traz essa conotação. Essa, aliás, é a característica fundamental de Deus. A Bíblia diz, em seu preâmbulo: “No princípio era o verbo”. Ou seja, era o agente que construiu todo o universo, com sua grandeza e complexidade.
Aliás, a constatação de que agir é fundamental sequer é nova, mas sumamente óbvia. Tanto que o poeta grego Píndaro, que viveu entre 518 a.C e 438 a.C., já havia chegado à mesmíssima conclusão, há 2.500 anos, nestes versos do poema “Quarta Olímpica”, em que diz: “Não banho as minhas palavras/na mentira; a ação é o controle de todo o homem”. Simples (e óbvio) assim!!!
O raciocínio, embora seja indispensável, por se tratar de característica distintiva do ser humano em relação a qualquer outro vivente, torna-se inócuo e sem sentido se não vier acompanhado de alguma ação. Nem que essa seja a mais elementar de todas: a mera comunicação do que se raciocinou. Afinal, se não os comunicarmos, ninguém saberá o teor e o alcance do que raciocinamos. E sem isso... esse ato nobre não passará de mera perda de tempo. Ninguém irá tirar proveito dele e nós muito menos.
Por outro lado, é certo que tudo o que fizermos tem que ser minimamente planejado. Agir às cegas é contraproducente e, não raro, até fatal. Em contrapartida, planos que não sejam executados são, a exemplo do raciocínio, inócuos. Não geram efeitos e, por essa razão, também se constituem em perda de tempo.
Não me adianta fazer planos mirabolantes, detalhados e perfeitos, se acabarem engavetados e logo após esquecidos. Inúmeras pessoas agem assim, quer no que se refere às suas vidas, quer às atividades profissionais que exercem.
Conheço um escritor que já planejou dezenas de livros. Vi alguns desses planos e achei-os perfeitos. No entanto... escreveu, de fato, apenas um. Maior resultado ele teria, obviamente, se agisse mais e planejasse menos. Seria, provavelmente, um best-seller, fosse homem de ação.
Há, nas empresas, a mania das reuniões da sua “cúpula pensante”. Há algumas que exageram e promovem várias num só dia. Quem já participou de alguma delas sabe o quanto são dispersivas e contraproducentes.
Determinadas decisões, que poderiam (e deveriam) ser comunicadas – não apenas à equipe diretiva, mas a todos os funcionários – mediante simples memorandos, o são nesses encontros, em que há muito bla-bla-blá e pouca (ou nenhuma) objetividade. A rigor, são, via de regra, inócuas. Raramente resultam em ações efetivas.
Anos atrás, quando eu trabalhava em uma agência de publicidade de porte médio, uma poderosa multinacional, com ramificações em mais de 50 países, contratou-nos para elaborar uma campanha cuja finalidade era, justamente, desestimular as tais “reuniões”. A cúpula da empresa avaliou a relação custo-benefício e concluiu que o primeiro fator era muitíssimo maior do que o segundo.
Ou seja, tratava-se de um “ralo” por onde preciosos recursos se escoavam, com pouco e, não raro, sem nenhum retorno. Preciosas horas de trabalho, que poderiam e deveriam resultar em decisões fundamentais para a companhia (e de funcionários regiamente pagos, frise-se) eram gastas para se discutir obviedades, regadas a refrigerantes e litros e mais litros de café.
Uma das peças que criamos na oportunidade foi um enorme painel de acrílico, com um determinado slogan (que não me recordo qual foi), desestimulando as chefias de convocar reuniões, que foi colocado logo na entrada da empresa. Em vez delas, foi instituída a obrigatoriedade de cada chefe de seção elaborar, nos minutos finais do expediente, meticulosos relatórios sobre o que suas seções fizeram e com quais resultados.
Ficamos sabendo, posteriormente, que a campanha foi um sucesso. As tais reuniões, num primeiro momento, foram reduzidas à metade. E o balanço daquele ano, daquela multinacional específica, refletiu considerável salto em seu gráfico de lucros, que é o que importa e sempre irá importar aos seus atentos acionistas.
Conversas, por melhor que seja o seu nível, não são ações. Principalmente quando têm pouca (ou nenhuma) objetividade, como ocorre no caso das reuniões, autêntica praga na maioria das empresas brasileiras (e, quiçá, do resto do mundo). E, para empreendimentos industriais e/ou comerciais, óbvio, tempo é, e sempre será, dinheiro.
Não quero dizer, todavia, que raciocínio, planejamento e diálogo sejam inúteis. Longe disso. Contudo, para serem eficazes, e gerarem os efeitos que deles se espera, devem vir sempre, sem exceção, acompanhados da respectiva e indefectível ação. Caso contrário... Afinal, produzir significa agir, assim como criar, modificar, consertar, pesquisar etc.etc.etc. Enfim, todo e qualquer verbo traz essa conotação. Essa, aliás, é a característica fundamental de Deus. A Bíblia diz, em seu preâmbulo: “No princípio era o verbo”. Ou seja, era o agente que construiu todo o universo, com sua grandeza e complexidade.
Aliás, a constatação de que agir é fundamental sequer é nova, mas sumamente óbvia. Tanto que o poeta grego Píndaro, que viveu entre 518 a.C e 438 a.C., já havia chegado à mesmíssima conclusão, há 2.500 anos, nestes versos do poema “Quarta Olímpica”, em que diz: “Não banho as minhas palavras/na mentira; a ação é o controle de todo o homem”. Simples (e óbvio) assim!!!
Tuesday, September 29, 2009
REFLEXÂO DO DIA
O desencanto que se apossa da maioria das pessoas, nestes tempos loucos de insensatez e de violência, é tão grande, que pequenos (mas de maiúsculo significado) gestos de bondade e de solidariedade, que se praticam no dia-a-dia (e que não são poucos), passam despercebidos. Ou são ignorados, quando divulgados publicamente. Ou são, na melhor das hipóteses, logo depreciados. Não podemos, porém, nos importar com esse tipo de opinião. Sejamos solidários, sempre, sem esperar retribuição ou sequer gratidão. Ter condições de servir, ao contrário de ser servido, é força, é poder e é uma bênção reservada somente a pessoas muito especiais, como você, caríssimo leitor.
Talento que rompeu barreiras
Pedro J. Bondaczuk
O poeta catarinense João Cruz e Sousa é, se não o meu preferido (aprecio, de igual maneira, todos os grandes talentos literários a cujas obras tenha acesso, sejam quais fore e de onde forem), um dos que mais marcaram a minha trajetória artística, intelectual e até mesmo moral. Seguramente, seu estonteante (de tão belo) livro “Broquéis”, foi o primeiro, de poesia, que li. Tinha, na ocasião, nove anos de idade, se tanto.
Tive que recorrer, claro, seguidamente ao dicionário para entender as mensagens que o escritor pretendia transmitir. E que mensagens! Na ocasião, eu já estava ensaiando meus primeiros (e por isso, toscos) versos. Vislumbrei ali um modelo a seguir. Tentei imitar Cruz e Sousa (em vão, claro), compondo sonetos com a mesma solenidade e riqueza vocabular. Faltavam-me, porém, maturidade e, principalmente, seu talento. Para escrever melhor, passei a ler, sôfrega e desesperadamente, tudo o que me caía em mãos.
Foi com esse poeta fantástico, cujo talento rompeu todas as barreiras possíveis e imagináveis, que aprendi, intuitivamente, a metrificar, a fazer rimas “ricas” e a dar ritmo aos meus versos. Pena que nas idas e vindas da vida, perdi o caderno em que registrei aqueles toscos e literariamente pobres sonetos, mas riquíssimos de emoção e de encantamento. Esse é o principal motivo da veneração que sinto por Cruz e Sousa (posto que muito longe de ser o único ou sequer um dos únicos).
Não somente a obra, como, principalmente, a vida desse homem foram admiráveis. Tratou-se de um poeta negro. E cito a cor da sua pele não para depreciá-lo (muitíssimo pelo contrário, até porque isso não é nenhum motivo de depreciação), mas para exaltá-lo e valorizar ainda mais sua vitoriosa trajetória (pela vida e pelas letras).
É impossível escrever sobre Cruz e Sousa em uma única e solitária crônica. Possivelmente, nem mesmo em um só livro alguém possa transmitir, com fidelidade, por maior que seja sua capacidade de síntese, o tamanho da suas façanha, como poeta e como homem.
Por isso, estejam certos, ainda escreverei muito sobre ele. Talvez me limite a mais algumas crônicas (não faço idéia de quantas). Talvez escreva um ensaio a seu respeito. Talvez, até, me atreva a me aventurar a escrever um livro todo, de caráter biográfico, sobre esse poeta que foi, justamente, apelidado pela posteridade de “Dante Negro”, em referência óbvia ao autor da “Divina Comédia”, Dante Alighieri, tamanho é o fascínio que tenho por ele.
Conhecendo nossa sociedade, como conhecemos, e sabendo de quão preconceituosa ela ainda é, imaginem como era seu comportamento na segunda metade do século XIX! A escravidão, essa vergonha nacional que jamais se apagará da nossa história, ainda não havia sido abolida. Se Machado de Assis era encarado em alguns círculos com reservas, pelo fato de ser mulato, imaginem o que faziam em relação a Cruz e Sousa!
As pessoas negras eram consideradas, e tratadas, não como seres humanos, mas pior até do que os animais domésticos: como objetos, como propriedades de quem as “comprasse”. Respeito intelectual por elas, portanto, não havia nenhum. E seu valor social, portanto, era (desgraçadamente) zero.
Naquela época, em que a instrução, mesmo a mais rudimentar, era um privilégio para pouquíssimos, e que arte e cultura eram tidos e havidos como “luxo” para poucos, escrever um livro era uma façanha considerável. Publicá-lo, então, era um feito magnífico, mesmo para pessoas oriundas das elites. Vendê-lo era equivalente ao que foi, no século XX, a viagem do homem à lua. E firmar-se no firmamento literário nacional era algo raríssimo, destinado a gênios.
Pois bem, Cruz e Sousa passou por cima de tudo isso. Escreveu não somente um livro, mas seis! Lembrem-se, nasceu escravo e, embora alforriado, era encarado como “aberração” por seus contemporâneos. E não apenas escreveu, como os publicou. E não só os publicou, como estes venderam. E não apenas seus livros venderam, como foi o precursor de um dos movimentos literários de maior expressão, pouco anterior ao Modernismo, que foi o Simbolismo (até hoje a escola da minha predileção).
E olhem que sequer toquei em nenhum dos aspectos da sua vida! Se algum escritor pode ser considerado vencedor em sua atividade, esse, sem dúvida, é Cruz e Sousa. No entanto... o reconhecimento da sua genialidade veio tardiamente, décadas após a sua morte. É sempre assim!
Tanto que, quando morreu, vítima de tuberculose, numa localidade mineira conhecida como Estação do Sítio, distrito da cidade de Antonio Carlos, para onde foi enviado pelos amigos por causa do clima supostamente favorável ao seu tratamento, seus restos mortais foram trasladados para o Rio de Janeiro em um vagão próprio para o transporte de cavalos! Como é imbecil uma sociedade contaminada pelo vírus do preconceito!
O poeta catarinense João Cruz e Sousa é, se não o meu preferido (aprecio, de igual maneira, todos os grandes talentos literários a cujas obras tenha acesso, sejam quais fore e de onde forem), um dos que mais marcaram a minha trajetória artística, intelectual e até mesmo moral. Seguramente, seu estonteante (de tão belo) livro “Broquéis”, foi o primeiro, de poesia, que li. Tinha, na ocasião, nove anos de idade, se tanto.
Tive que recorrer, claro, seguidamente ao dicionário para entender as mensagens que o escritor pretendia transmitir. E que mensagens! Na ocasião, eu já estava ensaiando meus primeiros (e por isso, toscos) versos. Vislumbrei ali um modelo a seguir. Tentei imitar Cruz e Sousa (em vão, claro), compondo sonetos com a mesma solenidade e riqueza vocabular. Faltavam-me, porém, maturidade e, principalmente, seu talento. Para escrever melhor, passei a ler, sôfrega e desesperadamente, tudo o que me caía em mãos.
Foi com esse poeta fantástico, cujo talento rompeu todas as barreiras possíveis e imagináveis, que aprendi, intuitivamente, a metrificar, a fazer rimas “ricas” e a dar ritmo aos meus versos. Pena que nas idas e vindas da vida, perdi o caderno em que registrei aqueles toscos e literariamente pobres sonetos, mas riquíssimos de emoção e de encantamento. Esse é o principal motivo da veneração que sinto por Cruz e Sousa (posto que muito longe de ser o único ou sequer um dos únicos).
Não somente a obra, como, principalmente, a vida desse homem foram admiráveis. Tratou-se de um poeta negro. E cito a cor da sua pele não para depreciá-lo (muitíssimo pelo contrário, até porque isso não é nenhum motivo de depreciação), mas para exaltá-lo e valorizar ainda mais sua vitoriosa trajetória (pela vida e pelas letras).
É impossível escrever sobre Cruz e Sousa em uma única e solitária crônica. Possivelmente, nem mesmo em um só livro alguém possa transmitir, com fidelidade, por maior que seja sua capacidade de síntese, o tamanho da suas façanha, como poeta e como homem.
Por isso, estejam certos, ainda escreverei muito sobre ele. Talvez me limite a mais algumas crônicas (não faço idéia de quantas). Talvez escreva um ensaio a seu respeito. Talvez, até, me atreva a me aventurar a escrever um livro todo, de caráter biográfico, sobre esse poeta que foi, justamente, apelidado pela posteridade de “Dante Negro”, em referência óbvia ao autor da “Divina Comédia”, Dante Alighieri, tamanho é o fascínio que tenho por ele.
Conhecendo nossa sociedade, como conhecemos, e sabendo de quão preconceituosa ela ainda é, imaginem como era seu comportamento na segunda metade do século XIX! A escravidão, essa vergonha nacional que jamais se apagará da nossa história, ainda não havia sido abolida. Se Machado de Assis era encarado em alguns círculos com reservas, pelo fato de ser mulato, imaginem o que faziam em relação a Cruz e Sousa!
As pessoas negras eram consideradas, e tratadas, não como seres humanos, mas pior até do que os animais domésticos: como objetos, como propriedades de quem as “comprasse”. Respeito intelectual por elas, portanto, não havia nenhum. E seu valor social, portanto, era (desgraçadamente) zero.
Naquela época, em que a instrução, mesmo a mais rudimentar, era um privilégio para pouquíssimos, e que arte e cultura eram tidos e havidos como “luxo” para poucos, escrever um livro era uma façanha considerável. Publicá-lo, então, era um feito magnífico, mesmo para pessoas oriundas das elites. Vendê-lo era equivalente ao que foi, no século XX, a viagem do homem à lua. E firmar-se no firmamento literário nacional era algo raríssimo, destinado a gênios.
Pois bem, Cruz e Sousa passou por cima de tudo isso. Escreveu não somente um livro, mas seis! Lembrem-se, nasceu escravo e, embora alforriado, era encarado como “aberração” por seus contemporâneos. E não apenas escreveu, como os publicou. E não só os publicou, como estes venderam. E não apenas seus livros venderam, como foi o precursor de um dos movimentos literários de maior expressão, pouco anterior ao Modernismo, que foi o Simbolismo (até hoje a escola da minha predileção).
E olhem que sequer toquei em nenhum dos aspectos da sua vida! Se algum escritor pode ser considerado vencedor em sua atividade, esse, sem dúvida, é Cruz e Sousa. No entanto... o reconhecimento da sua genialidade veio tardiamente, décadas após a sua morte. É sempre assim!
Tanto que, quando morreu, vítima de tuberculose, numa localidade mineira conhecida como Estação do Sítio, distrito da cidade de Antonio Carlos, para onde foi enviado pelos amigos por causa do clima supostamente favorável ao seu tratamento, seus restos mortais foram trasladados para o Rio de Janeiro em um vagão próprio para o transporte de cavalos! Como é imbecil uma sociedade contaminada pelo vírus do preconceito!
Monday, September 28, 2009
REFLEXÂO DO DIA
"Tudo no mundo é vaidade", constatou Salomão nos últimos anos de vida, ele que foi abençoado com sabedoria, beleza, fortuna e poder e que, ao cabo da existência, percebeu o quanto de inutilidade havia em tudo isso. Só quem sabe gostar de si mesmo, na medida certa, sem descambar para os excessos, é capaz de amar alguém. Afinal, Cristo colocou essa auto-estima como parâmetro, ao ordenar: "ame o próximo como a si mesmo".
Bebendo doss lábios
Pedro J. Bondaczuk
A vida nas grandes cidades –, embora haja consenso que seja estressante, eterna correria e um rosário interminável de preocupações – nos prende de forma tal que raramente conseguimos nos desvincular dela. Principalmente se temos acesso aos bens e facilidades que relativamente poucos têm, como uma casa confortável, bem mobiliada e de preferência totalmente paga e em um bom bairro, um carro potente (se possível do ano), uma conta bancária razoavelmente recheada e toda essa parafernália tecnológica que, embora cara, facilita nossas tarefas e nos confere conforto e segurança. Além, claro, de amplas possibilidades de acesso ao consumo, quer do essencial, quer do supérfluo.
Raros, contudo, são os que, mesmo gozando de todas as regalias mencionadas, não sonham em jogar, um dia, tudo para o alto. Poucos são os que jamais fantasiaram em retornar ao convívio da natureza, na companhia da pessoa amada (quem a tem, óbvio) ou de alguma bela mulher que satisfaça todos os seus mais requintados caprichos e fantasias, em alguma remota e paradisíaca ilha (e nem precisa ser em alguma dos Mares do Sul, na imensidão do Pacífico. Pode ser aqui mesmo, em nosso vasto e luxuriante litoral).
Alguns acham que poderiam ter essa vida de sonhos em alguma montanha, na Chapada Diamantina, quem sabe, ou na Chapada dos Veadeiros ou, mesmo, no Pantanal. Lugares fantásticos, que nos parecem a reprodução do Éden original, isolados, longe do que se convencionou chamar de “civilização”, é que não faltam neste Brasil continente..
O que falta é coragem para largar essa vidinha, confortável, é verdade, porém medíocre e não raro rotineira. A maioria restringe-se, apenas, ao sonho, secretíssimo, por sinal, que as pessoas não revelam nem para o amigo mais íntimo. Sequer deixam-no registrado em algum eventual diário.
Coisas para chatear, convenhamos, é que não faltam. Pelo contrário, abundam. É o trânsito caótico, com seus engarrafamentos quilométricos, a testar, várias vezes ao dia, nossa paciência e nosso equilíbrio. É a escassez de estacionamentos, fazendo-nos perder um tempo enorme ou levando-nos a nos submeter à exploração dos que dispõem de vagas para nossos carros, desde que paguemos o “olho da cara”. São as reprimendas, justas e injustas, de patrões e de chefes. É a violência urbana, ameaçando permanentemente nossa integridade física e do patrimônio, que levamos anos e mais anos para amealhar. Poderíamos alinhavar uma infinidade de pequenos e maiúsculos aborrecimentos, que nos estressam, aborrecem, irritam e nos deixam à beira de um ataque de nervos, quando não da loucura.
E por que não nos livramos disso tudo? A verdade é porque a maioria de nós não sobreviveria (não, pelo menos, com decência e dignidade) sequer por um reles dia inteiro nos recantos paradisíacos que fantasiamos, mas que, na verdade, para nós, homens urbanos, que não temos a menor familiaridade com a natureza, não são tão paraísos assim.
Conheço crianças, por exemplo, que nunca viram, “ao vivo e a cores”, uma galinha, a não ser os frangos comprados nos supermercados ou os já assados, que fazem as vezes de mistura nos almoços de domingo. Vacas, cavalos, porcos e cabras? Nem pensar! E há muito marmanjo, que nunca saiu da cidade, que também jamais esteve frente a frente com algum desses bichos. Que chances essas pessoas teriam em uma ilha como a que Robinson Crusoé teria vivido por um tempão? Nenhuma!
Como passar, por exemplo, um só dia sem eletricidade? E sem nosso inseparável computador? E sem o fogão a gás, o microondas, a cama confortável e vasta? Já nem digo sem a onipresente televisão a cabo.
Como garantir as três refeições do dia, se o supermercado mais próximo dista 300 quilômetros ou mais do nosso hipotético paraíso de fantasia? Ainda assim, raros já não sonharam com uma vida despojada, livre, sem estresse e preocupações, num remoto recanto que só Deus sabe onde fica.
Não vou negar, esse é um desejo recorrente meu (também sou filho de Deus!). Eu, pelo menos, tenho a vantagem de conhecer de perto os bichos (alguns, e domésticos) já que, na tenra infância, fui criado numa fazenda remota (remotíssima) no distante Noroeste do Rio Grande do Sul. Ainda assim... Provavelmente não sobreviveria mais que 24 horas nesse paraíso dos meus sonhos.
Mas que, se aprendesse a viver sem os luxos e facilidades a que estou acostumado na cidade, seria maravilhoso privar da companhia onipresente da doce amada (se ela e eu nunca envelhecêssemos, claro, e conservássemos o tesão que sempre nos ligou), em um fantástico Éden tropical, ah, isso seria mesmo!!!
Talvez, então, tornasse reais estes versos do poeta maranhense Luís Augusto Cassas (que integram seu poema intitulado “Torpedo à moda antigona”) e diria à minha caríssima metade: “Contigo eu moraria/numa casinha de palha/à beira da praia/onde o vento faz a curva/e viveria de brisa/bebendo em teus lábios/a água que vem da chuva”. Todavia, como não tenho coragem... Contento-me em amá-la, estressado, nervoso, desesperado e enlouquecido, aqui mesmo, no conforto do que se convencionou chamar de “civilização”. Mesmo sem beber em seus lábios a água que vem da chuva...
A vida nas grandes cidades –, embora haja consenso que seja estressante, eterna correria e um rosário interminável de preocupações – nos prende de forma tal que raramente conseguimos nos desvincular dela. Principalmente se temos acesso aos bens e facilidades que relativamente poucos têm, como uma casa confortável, bem mobiliada e de preferência totalmente paga e em um bom bairro, um carro potente (se possível do ano), uma conta bancária razoavelmente recheada e toda essa parafernália tecnológica que, embora cara, facilita nossas tarefas e nos confere conforto e segurança. Além, claro, de amplas possibilidades de acesso ao consumo, quer do essencial, quer do supérfluo.
Raros, contudo, são os que, mesmo gozando de todas as regalias mencionadas, não sonham em jogar, um dia, tudo para o alto. Poucos são os que jamais fantasiaram em retornar ao convívio da natureza, na companhia da pessoa amada (quem a tem, óbvio) ou de alguma bela mulher que satisfaça todos os seus mais requintados caprichos e fantasias, em alguma remota e paradisíaca ilha (e nem precisa ser em alguma dos Mares do Sul, na imensidão do Pacífico. Pode ser aqui mesmo, em nosso vasto e luxuriante litoral).
Alguns acham que poderiam ter essa vida de sonhos em alguma montanha, na Chapada Diamantina, quem sabe, ou na Chapada dos Veadeiros ou, mesmo, no Pantanal. Lugares fantásticos, que nos parecem a reprodução do Éden original, isolados, longe do que se convencionou chamar de “civilização”, é que não faltam neste Brasil continente..
O que falta é coragem para largar essa vidinha, confortável, é verdade, porém medíocre e não raro rotineira. A maioria restringe-se, apenas, ao sonho, secretíssimo, por sinal, que as pessoas não revelam nem para o amigo mais íntimo. Sequer deixam-no registrado em algum eventual diário.
Coisas para chatear, convenhamos, é que não faltam. Pelo contrário, abundam. É o trânsito caótico, com seus engarrafamentos quilométricos, a testar, várias vezes ao dia, nossa paciência e nosso equilíbrio. É a escassez de estacionamentos, fazendo-nos perder um tempo enorme ou levando-nos a nos submeter à exploração dos que dispõem de vagas para nossos carros, desde que paguemos o “olho da cara”. São as reprimendas, justas e injustas, de patrões e de chefes. É a violência urbana, ameaçando permanentemente nossa integridade física e do patrimônio, que levamos anos e mais anos para amealhar. Poderíamos alinhavar uma infinidade de pequenos e maiúsculos aborrecimentos, que nos estressam, aborrecem, irritam e nos deixam à beira de um ataque de nervos, quando não da loucura.
E por que não nos livramos disso tudo? A verdade é porque a maioria de nós não sobreviveria (não, pelo menos, com decência e dignidade) sequer por um reles dia inteiro nos recantos paradisíacos que fantasiamos, mas que, na verdade, para nós, homens urbanos, que não temos a menor familiaridade com a natureza, não são tão paraísos assim.
Conheço crianças, por exemplo, que nunca viram, “ao vivo e a cores”, uma galinha, a não ser os frangos comprados nos supermercados ou os já assados, que fazem as vezes de mistura nos almoços de domingo. Vacas, cavalos, porcos e cabras? Nem pensar! E há muito marmanjo, que nunca saiu da cidade, que também jamais esteve frente a frente com algum desses bichos. Que chances essas pessoas teriam em uma ilha como a que Robinson Crusoé teria vivido por um tempão? Nenhuma!
Como passar, por exemplo, um só dia sem eletricidade? E sem nosso inseparável computador? E sem o fogão a gás, o microondas, a cama confortável e vasta? Já nem digo sem a onipresente televisão a cabo.
Como garantir as três refeições do dia, se o supermercado mais próximo dista 300 quilômetros ou mais do nosso hipotético paraíso de fantasia? Ainda assim, raros já não sonharam com uma vida despojada, livre, sem estresse e preocupações, num remoto recanto que só Deus sabe onde fica.
Não vou negar, esse é um desejo recorrente meu (também sou filho de Deus!). Eu, pelo menos, tenho a vantagem de conhecer de perto os bichos (alguns, e domésticos) já que, na tenra infância, fui criado numa fazenda remota (remotíssima) no distante Noroeste do Rio Grande do Sul. Ainda assim... Provavelmente não sobreviveria mais que 24 horas nesse paraíso dos meus sonhos.
Mas que, se aprendesse a viver sem os luxos e facilidades a que estou acostumado na cidade, seria maravilhoso privar da companhia onipresente da doce amada (se ela e eu nunca envelhecêssemos, claro, e conservássemos o tesão que sempre nos ligou), em um fantástico Éden tropical, ah, isso seria mesmo!!!
Talvez, então, tornasse reais estes versos do poeta maranhense Luís Augusto Cassas (que integram seu poema intitulado “Torpedo à moda antigona”) e diria à minha caríssima metade: “Contigo eu moraria/numa casinha de palha/à beira da praia/onde o vento faz a curva/e viveria de brisa/bebendo em teus lábios/a água que vem da chuva”. Todavia, como não tenho coragem... Contento-me em amá-la, estressado, nervoso, desesperado e enlouquecido, aqui mesmo, no conforto do que se convencionou chamar de “civilização”. Mesmo sem beber em seus lábios a água que vem da chuva...
Sunday, September 27, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Contra o desânimo o único remédio que funciona é persistir, persistir e persistir. Não há outro caminho para se chegar ao topo da montanha. A única estratégia cabível é a de valorizar o que a pessoa é e aquilo que já conquistou. Ou seja, é o auto-conhecimento. É a informação, sobre todos e sobre tudo. É o estímulo à criatividade. Mas é preciso ter ambição e querer sempre mais, sem medir esforços para a obtenção do que se deseja, desde que seja lícito e não fira direitos alheios. É preciso querer o máximo para se obter o mínimo. Os objetivos, todavia, têm que ser factíveis, mesmo que minimamente. É inútil correr atrás de sombras, de fantasmas, de miragens que se desfazem tão logo se chega perto. “Realismo”, é a palavra-chave.
DIRETO DO ARQUIVO
Força da oposição
Pedro J. Bondaczuk
A mais recente crise panamenha, gerada pela deposição do presidente Erick Arturo Delvalle, completa, hoje, um mês, sem que haja qualquer perspectiva de solução à vista. Juntando vários fatos, o crítico chega à conclusão de que o chanceler dessa República centro-americana, Jorge Abadia Arias, tem lá a sua dose de razão quando afirma que os informes atinentes ao que acontece ali (ou pelo menos alguns) têm sido desvirtuados, inclusive com a “invenção” de episódios que sequer aconteceram.
Questiona-se, por exemplo, se a greve geral que paralisa o Panamá é, de fato, um movimento promovido para derrubar o homem forte local, general Manuel Antônio Noriega, ou se boa parte, senão a maior dela, se deve à ausência de dinheiro.
Não havendo moeda em circulação, ninguém consegue comprar nada, a não ser mediante o clássico “pendura”, tão conhecido nosso. Isso, todavia, comerciante algum aceita passivamente, pois ele precisa de fundos para repor seus estoques.
Atacadista, geralmente, não vende fiado. Em tais circunstâncias, o mais prudente a fazer é, mesmo, aquilo que os donos de estabelecimentos comerciais estão fazendo. Ou seja, fechar as portas. Até para evitar que tumultos provocados pela oposição possam trazer prejuízos irreparáveis ao seu patrimônio e ao seu negócio.
Dias atrás falou-se em uma rebelião militar no Panamá. Depois ficou esclarecido que tudo não passou de uma irritação pessoal do chefe de polícia da capital, coronel Leônidas Macias, contra Noriega, contornada sem maiores sobressaltos.
O que pode vir a acontecer é o general conseguir capitalizar a ira atual da população contra os norte-americanos e despertar uma onda de nacionalismo como poucas vezes se viu na América Latina. No início da década de 70, o general Omar Torrijos passou por problema semelhante. Foi, até mesmo, acusado de compactuar com traficantes de drogas colombianos.
Bastou, no entanto, que ele assinasse o Tratado do Canal com o presidente norte-americano Jimmy Carter, em 1977, para que essas acusações fossem retiradas. Pergunta-se: “Afinal, ele era ou não protetor dos chefões da máfia da cocaína?”.
Este ponto permanece obscuro até hoje e assim ficará. Afinal, o ex-homem forte panamenho está morto há seis anos. E Noriega seria, mesmo, o verdugo do seu povo que os Estados Unidos dizem que é?
Qual a razão, então, das denúncias, que hoje freqüentam as manchetes do mundo todo, não terem sido levantadas antes? Por que as manifestações da oposição não conseguem reunir mais de duas mil pessoas? Como o general tem se agüentado no poder, apesar de tanta pressão? Haveria tanta gente assim contra ele ou o oficial contaria com um apoio maior do que se deseja admitir? Afinal, dois mil opositores (mesmo considerando a pequena população do Panamá), são poucos demais para mudar um governo em qualquer lugar do Planeta.
(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 29 de março de 1988)
Pedro J. Bondaczuk
A mais recente crise panamenha, gerada pela deposição do presidente Erick Arturo Delvalle, completa, hoje, um mês, sem que haja qualquer perspectiva de solução à vista. Juntando vários fatos, o crítico chega à conclusão de que o chanceler dessa República centro-americana, Jorge Abadia Arias, tem lá a sua dose de razão quando afirma que os informes atinentes ao que acontece ali (ou pelo menos alguns) têm sido desvirtuados, inclusive com a “invenção” de episódios que sequer aconteceram.
Questiona-se, por exemplo, se a greve geral que paralisa o Panamá é, de fato, um movimento promovido para derrubar o homem forte local, general Manuel Antônio Noriega, ou se boa parte, senão a maior dela, se deve à ausência de dinheiro.
Não havendo moeda em circulação, ninguém consegue comprar nada, a não ser mediante o clássico “pendura”, tão conhecido nosso. Isso, todavia, comerciante algum aceita passivamente, pois ele precisa de fundos para repor seus estoques.
Atacadista, geralmente, não vende fiado. Em tais circunstâncias, o mais prudente a fazer é, mesmo, aquilo que os donos de estabelecimentos comerciais estão fazendo. Ou seja, fechar as portas. Até para evitar que tumultos provocados pela oposição possam trazer prejuízos irreparáveis ao seu patrimônio e ao seu negócio.
Dias atrás falou-se em uma rebelião militar no Panamá. Depois ficou esclarecido que tudo não passou de uma irritação pessoal do chefe de polícia da capital, coronel Leônidas Macias, contra Noriega, contornada sem maiores sobressaltos.
O que pode vir a acontecer é o general conseguir capitalizar a ira atual da população contra os norte-americanos e despertar uma onda de nacionalismo como poucas vezes se viu na América Latina. No início da década de 70, o general Omar Torrijos passou por problema semelhante. Foi, até mesmo, acusado de compactuar com traficantes de drogas colombianos.
Bastou, no entanto, que ele assinasse o Tratado do Canal com o presidente norte-americano Jimmy Carter, em 1977, para que essas acusações fossem retiradas. Pergunta-se: “Afinal, ele era ou não protetor dos chefões da máfia da cocaína?”.
Este ponto permanece obscuro até hoje e assim ficará. Afinal, o ex-homem forte panamenho está morto há seis anos. E Noriega seria, mesmo, o verdugo do seu povo que os Estados Unidos dizem que é?
Qual a razão, então, das denúncias, que hoje freqüentam as manchetes do mundo todo, não terem sido levantadas antes? Por que as manifestações da oposição não conseguem reunir mais de duas mil pessoas? Como o general tem se agüentado no poder, apesar de tanta pressão? Haveria tanta gente assim contra ele ou o oficial contaria com um apoio maior do que se deseja admitir? Afinal, dois mil opositores (mesmo considerando a pequena população do Panamá), são poucos demais para mudar um governo em qualquer lugar do Planeta.
(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 29 de março de 1988)
Saturday, September 26, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Todos temos em nós um artista, embora muitas vezes não pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais importantes, mais "sérias" e que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência.
Soneto à doce amada - XLII
Pedro J. Bondaczuk
Você tão perto! Não poder tocá-la
quando o peito arde em fogueira imensa
e este ar embalsamado trescala
o suave aroma da sua presença...
Cabelos d'ouro, esvoaçando ao vento...
Um irônico sorriso lhe escapa
dos lábios, aumentando meu tormento
co' impacto rude de violento tapa...!
Você tão perto...Bah! Já estou tão farto
de esperanças inúteis, da ilusão
d'enfim petrificar meu coração...
Da tristeza sempre me descarto.
Procuro esquecê-la, mas tento em vão,
nesta fria solidão do meu quarto!
(Soneto composto em Campinas, em 16 de julho de 1967 e publicado na "Gazeta do Rio Pardo", em 21 de abril de 1968).
Você tão perto! Não poder tocá-la
quando o peito arde em fogueira imensa
e este ar embalsamado trescala
o suave aroma da sua presença...
Cabelos d'ouro, esvoaçando ao vento...
Um irônico sorriso lhe escapa
dos lábios, aumentando meu tormento
co' impacto rude de violento tapa...!
Você tão perto...Bah! Já estou tão farto
de esperanças inúteis, da ilusão
d'enfim petrificar meu coração...
Da tristeza sempre me descarto.
Procuro esquecê-la, mas tento em vão,
nesta fria solidão do meu quarto!
(Soneto composto em Campinas, em 16 de julho de 1967 e publicado na "Gazeta do Rio Pardo", em 21 de abril de 1968).
Friday, September 25, 2009
REFLEXÂO DO DIA
"O tempo esmorece os ardores no coração humano". A afirmação é do padre Antônio Vieira e consta de um dos seus tantos e inspirados sermões. O passar dos anos nos produz, entre outros desgastes (além do físico), o do ideal. Por mais bem-sucedida que seja uma pessoa, o acúmulo de frustrações, de mágoas e de decepções cobra, fatalmente, o seu preço. Para uns, este é menor e para outros, é absurdamente elevado. Mas todos sofremos as conseqüências das decepções e frustrações que a vida nos impõe. Convém, no entanto, que saibamos administrar esse desgaste. Quem não tem convicções firmes, sobre seu papel no mundo, e é dotado de uma personalidade tíbia, deixa esfriar depressa o entusiasmo da juventude e, muitas vezes, termina a vida amargo e vazio. Não podemos abrir mão dos nossos ideais, sob pena de nos tornarmos inúteis e supérfluos, meros pesos mortos para os que nos amam e conosco convivem.
O maior romancista
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas (e me incluo entre elas, claro) têm o péssimo hábito de avaliar o desempenho alheio, nas mais variadas atividades, de forma puramente emocional. Quem já não ouviu dizer (ou não disse), por exemplo, que Pelé é o maior jogador de futebol de todos os tempos (os argentinos dizem que foi Diego Maradona)? Eu já fiz essa afirmativa zilhões de vezes.
Ou quem não se manifestou de forma idêntica em relação a Michael Jordan, “mago” do basquete, ou ao jamaicano Usain Bolt, atualmente o homem mais rápido do mundo no atletismo? Onde o erro dessa avaliação? A falha reside no fato de não haver qualquer parâmetro exato e infalível a respeito. Eu simplificaria um pouco a afirmação e, em vez de dizer “o maior”, diria “um dos maiores”. Com isso, ficam abertas as possibilidades de superação, sem arranhar os méritos de quem já consumou suas conquistas.
Você afirma (ou já ouviu alguém afirmar) que fulano é o maior estadista da História. Muito bem. E você conhece todos os demais? Tem, ao menos, conhecimento profundo, íntimo e não somente o superficial, colhido ao acaso no noticiário da imprensa, sobre o que você elegeu como o “super dos supers”? Óbvio que não!
Então, por que se arriscar a fazer uma avaliação desse tipo? Se você disser que ele é “um dos maiores estadistas”, mesmo que estiver errado, seu erro já não será tão grande. O mesmo raciocínio vale para os maiorais das artes, da ciência, da filosofia etc.etc.etc.
Em papo com os amigos, em rodinhas de bar, costumo fazer provocações com perguntas do tipo: “qual foi melhor romancista, Leon Tolstoi, Fedor Dostoievski ou Honoré de Balzac”? Esse questionamento rende horas, dias, quando não semanas de acesas discussões, sem que se chegue a conclusão alguma. Não passam de inócuo bla-bla-blá.
Por que? Pelo simples fato de não se poder comparar pessoas, talentos ou coisas desiguais. Cada um desses escritores foi excelente em sua especialidade. Os três citados têm estilos, realidades de vida e concepções literárias muito diferentes um do outro. E qual a razão objetiva de se buscar determinar suposta superioridade de um sobre o outro? Nenhuma! E há algum parâmetro infalível, que não seja o mero gosto pessoal (e assim mesmo esse é sumamente volúvel e muda de um dia para outro), para aferir não somente capacidades, mas obras completas? Claro que não!
Faço esse tipo de questionamento de propósito. Claro que não espero obter, com isso, a mínima resposta conclusiva. Jamais a obtive, obterei ou obteria. Não faz muito, fiz a mesma provocação, mas em relação a Machado de Assis e João Guimarães Rosa. O resultado, evidentemente, foi o mesmíssimo. Afinal, esses escritores têm biografias, realidades, temáticas e estilos absolutamente diferentes. E não se pode dizer, nem precipitadamente, para se arrepender depois, que um tenha sido melhor do que o outro. Ambos sequer foram contemporâneos.
Uma coisa, porém, é levantar esse tipo de questionamento em rodinhas de bar e outra é levá-lo para o âmbito acadêmico (como muitos fazem). Aí já considero o suprassumo da injustiça e da irresponsabilidade. Por mais talentosa que uma pessoa seja em sua atividade, nada me credencia a afirmar que amanhã não apareça outra que seja considerada superior (mesmo sem o ser).
Sem deixar de reconhecer os incontestáveis méritos e nem desmerecer suas realizações, o que me credencia a dizer, com irrestrita convicção, que amanhã não irá aparecer outro atleta considerado (com todas as restrições que já fiz neste texto), mais talentoso e mais habilidoso do que Pelé, ou do que Michael Jordan ou do que Usain Bolt, em suas respectivas modalidades? E quem garante que estes, por sua vez, não venham, também, a ser superados em seus feitos por outros, e assim sucessivamente? Ninguém, obviamente!
Há, contudo, uma e uma única exceção e esta se refere (por paradoxal que pareça) a romancistas. Por que esta admiração, paciente leitor?! Não, não estou sendo contraditório. Aliás, para não dizerem que me desdisse, recorro aos préstimos de Honoré de Balzac.
O ilustre escritor apontou, sem titubear, o maior romancista do mundo. Por modéstia, talvez, não disse que era ele. Seria algum francês (Hugo, quem sabe)? Seria russo, norte-americano, inglês ou japonês? Não! E nem brasileiro.
Balzac assegurou: “O acaso é o maior romancista do mundo; para ser fecundo, basta estudá-lo”. Eureka!!! Aí, já sou obrigado a concordar. A própria experiência pessoal me indica que ele tem plena razão. E, aliás, desmente a afirmação que a todo o momento ouço por aí, de que “nada acontece por acaso”. Sou tentado a dizer que o que ocorre é exatamente o inverso. Ou seja, que “tudo” é casual..Ou você tem dúvida a respeito, meu paciente, compreensivo e fiel leitor?
As pessoas (e me incluo entre elas, claro) têm o péssimo hábito de avaliar o desempenho alheio, nas mais variadas atividades, de forma puramente emocional. Quem já não ouviu dizer (ou não disse), por exemplo, que Pelé é o maior jogador de futebol de todos os tempos (os argentinos dizem que foi Diego Maradona)? Eu já fiz essa afirmativa zilhões de vezes.
Ou quem não se manifestou de forma idêntica em relação a Michael Jordan, “mago” do basquete, ou ao jamaicano Usain Bolt, atualmente o homem mais rápido do mundo no atletismo? Onde o erro dessa avaliação? A falha reside no fato de não haver qualquer parâmetro exato e infalível a respeito. Eu simplificaria um pouco a afirmação e, em vez de dizer “o maior”, diria “um dos maiores”. Com isso, ficam abertas as possibilidades de superação, sem arranhar os méritos de quem já consumou suas conquistas.
Você afirma (ou já ouviu alguém afirmar) que fulano é o maior estadista da História. Muito bem. E você conhece todos os demais? Tem, ao menos, conhecimento profundo, íntimo e não somente o superficial, colhido ao acaso no noticiário da imprensa, sobre o que você elegeu como o “super dos supers”? Óbvio que não!
Então, por que se arriscar a fazer uma avaliação desse tipo? Se você disser que ele é “um dos maiores estadistas”, mesmo que estiver errado, seu erro já não será tão grande. O mesmo raciocínio vale para os maiorais das artes, da ciência, da filosofia etc.etc.etc.
Em papo com os amigos, em rodinhas de bar, costumo fazer provocações com perguntas do tipo: “qual foi melhor romancista, Leon Tolstoi, Fedor Dostoievski ou Honoré de Balzac”? Esse questionamento rende horas, dias, quando não semanas de acesas discussões, sem que se chegue a conclusão alguma. Não passam de inócuo bla-bla-blá.
Por que? Pelo simples fato de não se poder comparar pessoas, talentos ou coisas desiguais. Cada um desses escritores foi excelente em sua especialidade. Os três citados têm estilos, realidades de vida e concepções literárias muito diferentes um do outro. E qual a razão objetiva de se buscar determinar suposta superioridade de um sobre o outro? Nenhuma! E há algum parâmetro infalível, que não seja o mero gosto pessoal (e assim mesmo esse é sumamente volúvel e muda de um dia para outro), para aferir não somente capacidades, mas obras completas? Claro que não!
Faço esse tipo de questionamento de propósito. Claro que não espero obter, com isso, a mínima resposta conclusiva. Jamais a obtive, obterei ou obteria. Não faz muito, fiz a mesma provocação, mas em relação a Machado de Assis e João Guimarães Rosa. O resultado, evidentemente, foi o mesmíssimo. Afinal, esses escritores têm biografias, realidades, temáticas e estilos absolutamente diferentes. E não se pode dizer, nem precipitadamente, para se arrepender depois, que um tenha sido melhor do que o outro. Ambos sequer foram contemporâneos.
Uma coisa, porém, é levantar esse tipo de questionamento em rodinhas de bar e outra é levá-lo para o âmbito acadêmico (como muitos fazem). Aí já considero o suprassumo da injustiça e da irresponsabilidade. Por mais talentosa que uma pessoa seja em sua atividade, nada me credencia a afirmar que amanhã não apareça outra que seja considerada superior (mesmo sem o ser).
Sem deixar de reconhecer os incontestáveis méritos e nem desmerecer suas realizações, o que me credencia a dizer, com irrestrita convicção, que amanhã não irá aparecer outro atleta considerado (com todas as restrições que já fiz neste texto), mais talentoso e mais habilidoso do que Pelé, ou do que Michael Jordan ou do que Usain Bolt, em suas respectivas modalidades? E quem garante que estes, por sua vez, não venham, também, a ser superados em seus feitos por outros, e assim sucessivamente? Ninguém, obviamente!
Há, contudo, uma e uma única exceção e esta se refere (por paradoxal que pareça) a romancistas. Por que esta admiração, paciente leitor?! Não, não estou sendo contraditório. Aliás, para não dizerem que me desdisse, recorro aos préstimos de Honoré de Balzac.
O ilustre escritor apontou, sem titubear, o maior romancista do mundo. Por modéstia, talvez, não disse que era ele. Seria algum francês (Hugo, quem sabe)? Seria russo, norte-americano, inglês ou japonês? Não! E nem brasileiro.
Balzac assegurou: “O acaso é o maior romancista do mundo; para ser fecundo, basta estudá-lo”. Eureka!!! Aí, já sou obrigado a concordar. A própria experiência pessoal me indica que ele tem plena razão. E, aliás, desmente a afirmação que a todo o momento ouço por aí, de que “nada acontece por acaso”. Sou tentado a dizer que o que ocorre é exatamente o inverso. Ou seja, que “tudo” é casual..Ou você tem dúvida a respeito, meu paciente, compreensivo e fiel leitor?
Thursday, September 24, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Ítalo Calvino escreveu que "a memória só importa realmente – para os indivíduos, para a coletividade, para a civilização – se ligar a impressão do passado com o projeto do futuro, se nos possibilitar agir sem esquecer o que queríamos fazer, tornar-se sem deixar de ser, e ser sem deixar de tornar-se". Em outras palavras, o foco das nossas preocupações tem que ser o momento presente, enquanto tal, sem retornos inúteis (senão impossíveis) ao passado e nem projeções (hipotéticas) em um tempo que não sabemos sequer se estaremos vivos. Devemos projetar, sim, o futuro, mas sem nos limitarmos a projetos. Temos que construir, no cotidiano, os alicerces que o fundamentem e viabilizem. A sabedoria consiste em viver um dia de cada vez e da melhor maneira possível. Não é saudável e nem inteligente, convenhamos, reviver angústias e frustrações que já superamos e que não voltarão a gerar conseqüências.
O desamparo da perda
Pedro J. Bondaczuk
As perdas, sejam quais forem, causam terríveis sensações em nossa mente, cuja intensidade varia de acordo com o que foi perdido. Quando se trata de um objeto de estimação, por exemplo, nos frustramos bastante, pois não haverá nenhum similar que o substitua. E nem precisa ser algo de alto valor pecuniário. Isso é o que menos importa. Não se trata de contabilizar, no caso, o prejuízo material, mas o sentimental.
Senti isso quando perdi uma caneta que havia ganhado de uma namorada, a quem amei com intensa paixão e cuja imagem jamais se apagou da minha retina. O valor intrínseco desse objeto, a rigor, não era, sequer, considerável. Na verdade, era irrisório. Dava para comprar dúzias deles em qualquer lojinha de bairro por alguns reles cruzeiros (a moeda da época). Não era, pois, dessas canetas que são autênticas jóias e que, de tão preciosas, sequer ousamos utilizar naquilo para o que elas são fabricadas: escrever. Longe disso.
Aliás, até que era uma canetinha muito ruim, que soltava tinta em demasia e borrava o papel. Mas, para mim, era uma preciosidade, maior do que o diamante “Cruzeiro do Sul”. Não tinha preço. Por que? Pela pessoa que ma havia dado. E pela gravação que continha: dois corações entrelaçados, com nossos nomes e a palavra “Amor”. Não haveria, pois, caneta no mundo que substituísse aquela, de valor monetário tão irrisório.
Quem já perdeu algum objeto de estimação, sabe do que estou falando. Conhece essa frustração, esse desespero em procurar, procurar e procurar, sem nunca achar. A pior sensação que fica é a de desamparo.
Tempos atrás, perdi um carro, quase zero quilômetro, de preço dos mais elevados (equivalente ao custo de um bom apartamento), após um acidente besta de trânsito, em que a família (felizmente) escapou (milagrosamente) ilesa. Mas o veículo... Transformou-se em sucata. Tanto que o vendi para o ferro-velho. Não compensava mandar consertá-lo. Sairia mais barato comprar um novo, e foi o que fiz.
Claro que lamentei o prejuízo, nada pequeno (não sou desses malucos que saem por aí rasgando dinheiro). Mas a lamentação nem durou muito tempo. Passou logo, uns parcos dez a quinze dias, se tanto. Consolei-me, acima de tudo, com o fato de que ninguém se feriu.
Quanto ao prejuízo material... Pensei, comigo, “estou vivo, tenho saúde, sou competente no que faço e vou recuperar, em três tempos, a perda”. E recuperei, sem mais lamentações. Sequer me senti desamparado. A sensação de perda não foi, nem de longe, parecida com a que tive com o desaparecimento da tal canetinha, que não valia, sequer, o equivalente ao preço do acendedor de cigarros do veículo.
Se perder um objeto de estimação já nos causa tanto sofrimento e frustração, imaginem o que é ficar sem uma pessoa que amamos sem restrições! Quando a perdemos por mera separação, decorrente dessas briguinhas bestas, que poderiam ser evitadas (e que quase nunca são) e que na hora não nos damos conta das conseqüências que terão, a sensação é horrível, o desamparo é imenso, mas ainda temos um consolo. Resta-nos a esperança da reconquista (que quase nunca ocorre), a nos atenuar as mágoas.
O duro é a perda em decorrência de morte. Essa nós sabemos que é irreversível. Por mais que desejemos, por mais que façamos, por maiores que sejam o nosso empenho, a nossa esperança e a nossa fé, logo nos conscientizamos que é tudo inútil. Essa perda não tem volta. Por mais que eu tente, não consigo descrever, sequer proximamente, a sensação que nos acomete nessas circunstâncias. Só posso assegurar que é a pior que conheço! .
Sigmund Freud escreveu, se não me falha a memória em carta à filha Anna: “Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor”. E nunca mesmo. E notem que ele nem especificou a natureza da perda. Não disse se estava se referido à decorrente da morte da amada ou à da separação, pura e simples, causada por eventual briga ou, o que é muito pior, por termos sido preteridos por outra pessoa.
Neste último caso, a sensação, claro, é muitíssimo pior. Junta-se um conjunto de emoções ruins, como ciúmes, amor próprio ferido, despeito e tantos e tantos outros sentimentos amargos e negativos, além do tremendo vazio que fica, provocado pela ausência de quem amamos de paixão.
Isso tudo me remete aos seguintes versos, do excelente poeta maranhense, Luís Augusto Cassas, que integram seu poema “Da bioquímica do amor”: “amor ó amor/quanto mais te rebaixam/à impura anilina/fabricas na bilirrubina/a própria vacina!”. Pena que não haja como nos vacinar contra a sensação do mais absoluto desamparo causado pela perda de alguém que elegemos para ser nossa parceira e cúmplice pelo resto da nossa vida.
As perdas, sejam quais forem, causam terríveis sensações em nossa mente, cuja intensidade varia de acordo com o que foi perdido. Quando se trata de um objeto de estimação, por exemplo, nos frustramos bastante, pois não haverá nenhum similar que o substitua. E nem precisa ser algo de alto valor pecuniário. Isso é o que menos importa. Não se trata de contabilizar, no caso, o prejuízo material, mas o sentimental.
Senti isso quando perdi uma caneta que havia ganhado de uma namorada, a quem amei com intensa paixão e cuja imagem jamais se apagou da minha retina. O valor intrínseco desse objeto, a rigor, não era, sequer, considerável. Na verdade, era irrisório. Dava para comprar dúzias deles em qualquer lojinha de bairro por alguns reles cruzeiros (a moeda da época). Não era, pois, dessas canetas que são autênticas jóias e que, de tão preciosas, sequer ousamos utilizar naquilo para o que elas são fabricadas: escrever. Longe disso.
Aliás, até que era uma canetinha muito ruim, que soltava tinta em demasia e borrava o papel. Mas, para mim, era uma preciosidade, maior do que o diamante “Cruzeiro do Sul”. Não tinha preço. Por que? Pela pessoa que ma havia dado. E pela gravação que continha: dois corações entrelaçados, com nossos nomes e a palavra “Amor”. Não haveria, pois, caneta no mundo que substituísse aquela, de valor monetário tão irrisório.
Quem já perdeu algum objeto de estimação, sabe do que estou falando. Conhece essa frustração, esse desespero em procurar, procurar e procurar, sem nunca achar. A pior sensação que fica é a de desamparo.
Tempos atrás, perdi um carro, quase zero quilômetro, de preço dos mais elevados (equivalente ao custo de um bom apartamento), após um acidente besta de trânsito, em que a família (felizmente) escapou (milagrosamente) ilesa. Mas o veículo... Transformou-se em sucata. Tanto que o vendi para o ferro-velho. Não compensava mandar consertá-lo. Sairia mais barato comprar um novo, e foi o que fiz.
Claro que lamentei o prejuízo, nada pequeno (não sou desses malucos que saem por aí rasgando dinheiro). Mas a lamentação nem durou muito tempo. Passou logo, uns parcos dez a quinze dias, se tanto. Consolei-me, acima de tudo, com o fato de que ninguém se feriu.
Quanto ao prejuízo material... Pensei, comigo, “estou vivo, tenho saúde, sou competente no que faço e vou recuperar, em três tempos, a perda”. E recuperei, sem mais lamentações. Sequer me senti desamparado. A sensação de perda não foi, nem de longe, parecida com a que tive com o desaparecimento da tal canetinha, que não valia, sequer, o equivalente ao preço do acendedor de cigarros do veículo.
Se perder um objeto de estimação já nos causa tanto sofrimento e frustração, imaginem o que é ficar sem uma pessoa que amamos sem restrições! Quando a perdemos por mera separação, decorrente dessas briguinhas bestas, que poderiam ser evitadas (e que quase nunca são) e que na hora não nos damos conta das conseqüências que terão, a sensação é horrível, o desamparo é imenso, mas ainda temos um consolo. Resta-nos a esperança da reconquista (que quase nunca ocorre), a nos atenuar as mágoas.
O duro é a perda em decorrência de morte. Essa nós sabemos que é irreversível. Por mais que desejemos, por mais que façamos, por maiores que sejam o nosso empenho, a nossa esperança e a nossa fé, logo nos conscientizamos que é tudo inútil. Essa perda não tem volta. Por mais que eu tente, não consigo descrever, sequer proximamente, a sensação que nos acomete nessas circunstâncias. Só posso assegurar que é a pior que conheço! .
Sigmund Freud escreveu, se não me falha a memória em carta à filha Anna: “Nós nunca somos tão desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor”. E nunca mesmo. E notem que ele nem especificou a natureza da perda. Não disse se estava se referido à decorrente da morte da amada ou à da separação, pura e simples, causada por eventual briga ou, o que é muito pior, por termos sido preteridos por outra pessoa.
Neste último caso, a sensação, claro, é muitíssimo pior. Junta-se um conjunto de emoções ruins, como ciúmes, amor próprio ferido, despeito e tantos e tantos outros sentimentos amargos e negativos, além do tremendo vazio que fica, provocado pela ausência de quem amamos de paixão.
Isso tudo me remete aos seguintes versos, do excelente poeta maranhense, Luís Augusto Cassas, que integram seu poema “Da bioquímica do amor”: “amor ó amor/quanto mais te rebaixam/à impura anilina/fabricas na bilirrubina/a própria vacina!”. Pena que não haja como nos vacinar contra a sensação do mais absoluto desamparo causado pela perda de alguém que elegemos para ser nossa parceira e cúmplice pelo resto da nossa vida.
Wednesday, September 23, 2009
REFLEXÂO DO DIA
O chamado "namoro virtual" é um dos comportamentos que se verificam com maior freqüência, em conseqüência da expansão da rede mundial de computadores, a Internet. Pessoas tímidas, inseguras, que não se sentem aptas à conquista de um parceiro/a, por se julgarem fisicamente "feias" (às vezes sequer o são), recorrem, cada vez mais, a esse meio, na tentativa de encontrar sua "cara metade". Alguns encaram a troca de mensagens eletrônicas como simples brincadeira. Mentem, por exemplo, sobre como são, idade, profissão, o que têm, o que pensam e outros detalhes, dificultando (quando não impossibilitando) a identificação. Outros, levam a coisa a sério, entram de cabeça no "relacionamento virtual", num resgate, na versão moderna, do "amor platônico" (apenas "idealizado", sem realização no plano real). Os riscos desse tipo de namoro são óbvios. O mais prudente, portanto, por envolver menos riscos (talvez nenhum), é a amizade virtual.
Pensamento e linguagem
Pedro J. Bondaczuk
A linguagem é, certamente, a maior manifestação de inteligência e engenhosidade desse animal notável, que é o homem. Sem ela, tanto o raciocínio, quanto o pensamento, seriam inúteis. Não haveria como comunicar ambos a quem quer que seja. Acho incrível essa capacidade de juntar ruídos que, isoladamente, soam desconexos e sem sentido, para formar palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a comunicação perfeita.
“Ah, mas os outros animais também se comunicam e, muitos deles, mediante sons”, dirão alguns. De fato. No entanto nem com a maior boa vontade do mundo podemos classificar seus urros, grunhidos, latidos, miados, zurros e vai por aí afora de “linguagem”. O homem, todavia, criou não apenas uma forma de expressão, mas uma multiplicidade delas (estima-se que haja em torno de 22 mil idiomas e dialetos).
Se a fala já é um milagre da inteligência e engenhosidade humanas, a escrita o é muito mais. A mente privilegiada do homem criou uma infinidade de símbolos (os alfabetos), nos mais variados idiomas falados (são raros os povos ágrafos, ou seja, sem escrita), que, juntados, formam palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a comunicação consolidada e preservada.
Raros são os que atentam para esse aspecto e valorizam essa dádiva dos remotos (e engenhosos) antepassados. O que seria do mundo sem a linguagem? Ou se essa fosse restrita a meia dúzia de gritos, de grunhidos ou sabe-se lá do quê?
E sem a escrita? Haveria, sequer, um arremedo de civilização? Claro que não! As grandes idéias, geradas pelos gigantes da espécie, morreriam, tão logo estes morressem e se perderiam com eles A cada geração, teríamos que começar tudo de novo, do zero na coleta de conhecimentos, informações, descobertas e experiências.
Não haveria a História. A Literatura, obviamente, não existiria, pois é, até por definição, o manejo das letras. Talvez houvesse alguma outra forma de arte, mas se houvesse, seria sumamente selvagem e rudimentar. E, provavelmente, até isso se perderia na sucessão de gerações. Filosofia? Nem pensar! Os pensamentos seriam gerados, mas se tornariam estéreis, inócuos, inúteis, por falta de expressão. Seria o caos!
Isso não quer dizer que a linguagem consiga, sempre, expressar com fidelidade o que se pensa. Ela esbarra em suas próprias limitações. Se falando, já não conseguimos ser absolutamente claros e fiéis ao que pensamos, escrevendo somos muito menos, pois temos que atentar, para a sua expressão, às regras de grafia, acentuação, pontuação, enfim, às gramaticais (isso em qualquer das dezenas de milhares de idiomas e dialetos existentes), e também ``as de estilo, para tornarmos minimamente compreensível o que queremos comunicar.
Essa infidelidade levou o filósofo e diplomata francês, Henri Bérgson, a constatar: “Falhamos em traduzir exatamente o que se sente na nossa alma: o pensamento continua a não poder medir-se com a linguagem”. Nessa batalha pela expressão, o primeiro é muito grande e a segunda extremamente pequena para ombrear-se a ele. Terá, ainda, que evoluir muito para se aproximar minimamente da exatidão.
O pensamento nasceu primeiro, muito, mas muito antes mesmo da linguagem e é, na verdade, seu gerador. Prescinde dela para ocorrer. Mas depende dessa manifestação tão frágil e imperfeita da inteligência e engenhosidade humanas para se expressar.
Chego a essa conclusão baseado, principalmente, em minha experiência pessoal. Tenho, por exemplo, lá um belo dia, uma idéia que em tudo me parece perfeita e até genial. Resolvo comunicá-la pelo meio de expressão que mais utilizo para esse fim: o texto. E começa, então, uma luta inglória com o léxico.
Ora é uma palavra que me parece inadequada para expressar o que pretendia e que, consultando o dicionário, descubro ser a melhor que existe para declinar aquele pensamento; ora é um termo que na hora da redação me foge da memória e que substituo por outro que não tem a mesma exatidão e assim vai. Quando termino de escrever, aquela idéia inicial, que me parecia tão perfeita (e era), está desfigurada, destroçada, totalmente comprometida, não passando de mera caricatura da original.
Não raro, parto para um segundo texto, na tentativa de esclarecer o primeiro. O resultado, todavia, não é melhor. Redijo um terceiro, um quarto... e, quando me dou conta, escrevi todo um livro (por exemplo, “Cronos & Narciso”, que estará à venda a partir do mês que vem), para comunicar um pensamento que poderia ser comunicado com meia dúzia de palavras (quem sabe, até com uma única, se esta existisse), para meu desespero e frustração. Por isso, não há como não concordar com Bérgson: a linguagem não é páreo para se ombrear com o pensamento. E, no entanto... é magnífico feito da inteligência e engenhosidade humanas...
A linguagem é, certamente, a maior manifestação de inteligência e engenhosidade desse animal notável, que é o homem. Sem ela, tanto o raciocínio, quanto o pensamento, seriam inúteis. Não haveria como comunicar ambos a quem quer que seja. Acho incrível essa capacidade de juntar ruídos que, isoladamente, soam desconexos e sem sentido, para formar palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a comunicação perfeita.
“Ah, mas os outros animais também se comunicam e, muitos deles, mediante sons”, dirão alguns. De fato. No entanto nem com a maior boa vontade do mundo podemos classificar seus urros, grunhidos, latidos, miados, zurros e vai por aí afora de “linguagem”. O homem, todavia, criou não apenas uma forma de expressão, mas uma multiplicidade delas (estima-se que haja em torno de 22 mil idiomas e dialetos).
Se a fala já é um milagre da inteligência e engenhosidade humanas, a escrita o é muito mais. A mente privilegiada do homem criou uma infinidade de símbolos (os alfabetos), nos mais variados idiomas falados (são raros os povos ágrafos, ou seja, sem escrita), que, juntados, formam palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a comunicação consolidada e preservada.
Raros são os que atentam para esse aspecto e valorizam essa dádiva dos remotos (e engenhosos) antepassados. O que seria do mundo sem a linguagem? Ou se essa fosse restrita a meia dúzia de gritos, de grunhidos ou sabe-se lá do quê?
E sem a escrita? Haveria, sequer, um arremedo de civilização? Claro que não! As grandes idéias, geradas pelos gigantes da espécie, morreriam, tão logo estes morressem e se perderiam com eles A cada geração, teríamos que começar tudo de novo, do zero na coleta de conhecimentos, informações, descobertas e experiências.
Não haveria a História. A Literatura, obviamente, não existiria, pois é, até por definição, o manejo das letras. Talvez houvesse alguma outra forma de arte, mas se houvesse, seria sumamente selvagem e rudimentar. E, provavelmente, até isso se perderia na sucessão de gerações. Filosofia? Nem pensar! Os pensamentos seriam gerados, mas se tornariam estéreis, inócuos, inúteis, por falta de expressão. Seria o caos!
Isso não quer dizer que a linguagem consiga, sempre, expressar com fidelidade o que se pensa. Ela esbarra em suas próprias limitações. Se falando, já não conseguimos ser absolutamente claros e fiéis ao que pensamos, escrevendo somos muito menos, pois temos que atentar, para a sua expressão, às regras de grafia, acentuação, pontuação, enfim, às gramaticais (isso em qualquer das dezenas de milhares de idiomas e dialetos existentes), e também ``as de estilo, para tornarmos minimamente compreensível o que queremos comunicar.
Essa infidelidade levou o filósofo e diplomata francês, Henri Bérgson, a constatar: “Falhamos em traduzir exatamente o que se sente na nossa alma: o pensamento continua a não poder medir-se com a linguagem”. Nessa batalha pela expressão, o primeiro é muito grande e a segunda extremamente pequena para ombrear-se a ele. Terá, ainda, que evoluir muito para se aproximar minimamente da exatidão.
O pensamento nasceu primeiro, muito, mas muito antes mesmo da linguagem e é, na verdade, seu gerador. Prescinde dela para ocorrer. Mas depende dessa manifestação tão frágil e imperfeita da inteligência e engenhosidade humanas para se expressar.
Chego a essa conclusão baseado, principalmente, em minha experiência pessoal. Tenho, por exemplo, lá um belo dia, uma idéia que em tudo me parece perfeita e até genial. Resolvo comunicá-la pelo meio de expressão que mais utilizo para esse fim: o texto. E começa, então, uma luta inglória com o léxico.
Ora é uma palavra que me parece inadequada para expressar o que pretendia e que, consultando o dicionário, descubro ser a melhor que existe para declinar aquele pensamento; ora é um termo que na hora da redação me foge da memória e que substituo por outro que não tem a mesma exatidão e assim vai. Quando termino de escrever, aquela idéia inicial, que me parecia tão perfeita (e era), está desfigurada, destroçada, totalmente comprometida, não passando de mera caricatura da original.
Não raro, parto para um segundo texto, na tentativa de esclarecer o primeiro. O resultado, todavia, não é melhor. Redijo um terceiro, um quarto... e, quando me dou conta, escrevi todo um livro (por exemplo, “Cronos & Narciso”, que estará à venda a partir do mês que vem), para comunicar um pensamento que poderia ser comunicado com meia dúzia de palavras (quem sabe, até com uma única, se esta existisse), para meu desespero e frustração. Por isso, não há como não concordar com Bérgson: a linguagem não é páreo para se ombrear com o pensamento. E, no entanto... é magnífico feito da inteligência e engenhosidade humanas...
Tuesday, September 22, 2009
REFLEXÂO DO DIA
O escritor Mário da Silva Brito observou: "Olha, amizade é como picles: tem que ser curtida pelo tempo para bem se impregnar dos temperos que lhe dão sabor". E não é?! Nada mais verdadeiro! É certo que as recentes também são prazerosas. Estão repletas de descobertas. Na verdade, a amizade prescinde de regras, etiquetas e salamaleques. Dispensa formalidades. Não requer explicações. Existe porque existe e pronto. É intemporal (ou atemporal?). Nem é necessário que o amigo esteja presente para que continue sendo considerado como tal. Muitas vezes o distanciamento até aumenta a amizade. Quando ocorre o reencontro, é como se nunca tivesse havido separação. Um conhece os gostos e desgostos do outro. E, sobretudo, respeita-os. Trata-se de um sentimento em geral confundido com coleguismo. Mas está muito longe de ser apenas isso.
Sem despedidas
Pedro J. Bondaczuk
As amizades (tenho escrito isso com grande freqüência) são privilégio e bênção, embora aconteçam de forma natural, não raro, até, à nossa revelia. Mas é possível sermos amigos de alguém a quem nunca vimos, com quem jamais conversamos, e ainda assim esteja sempre presente ao nosso lado, se manifestando nos momentos que mais precisemos (ou simplesmente queiramos) e a respeito de quem conheçamos as mais triviais informações biográficas? Minha resposta é: sim!
“Mas como?”, perguntará, intrigado, o leitor, não vendo como isso seja possível. Asseguro, todavia, que isso não só está no terreno das possibilidades, mas ocorre com maior freqüência do que você possa supor. É o caso da minha amizade espiritual com dezenas de milhares de escritores. A imensa maioria deles, inclusive, morreu muitos anos antes do meu nascimento, alguns até séculos, quando não milênios (como Homero, Virgílio, Píndaro e Horácio, por exemplo) e, no entanto, estão comigo constantemente.
Devo-lhes não apenas minha forma de encarar e de fazer literatura, mas de entender o mundo, as pessoas, os sofrimentos e alegrias, a felicidade e a dor, enfim, a vida. Não se trata de nenhum exercício de mediunidade, óbvio. “Converso” com eles mediante as idéias, conceitos, emoções e pensamentos que eles tiveram e, generosamente registraram e legaram à posteridade. Trata-se, na verdade, não de diálogos, mas de ilustrativos monólogos, em que somente esses meus mestres, meus gurus, meus “amigos” espirituais “falam”.
Nossos encontros cotidianos são sempre informais, sem cerimônias e nem salamaleques, como devem ser os contatos com pessoas que privem da nossa intimidade pelas vias sagradas da amizade. Não visto trajes especiais, por exemplo, para essas reuniões. Não raro elas ocorrem comigo vestindo confortável roupa caseira (um pijama, por exemplo), ou, dependendo da estação do ano, até mesmo uma bermuda ou sumária sunga. Eles nunca repararam nesse aspecto.
Ademais, esses diletos amigos jamais assumem ares pedantes e nem polarizam a palavra. “Falam”, apenas, quando quero que falem e abordam, via de regra, os temas específicos que quero que abordem. E nunca me falharam. Sempre que quero saber de alguma história instigante, convoco alguns deles, que podem ser, por exemplo, Fedor Dostoievski, ou Leon Tolstoi, ou Máximo Gorki, ou Gogol, ou Puchkin, quando não Honoré Balzac, Victor Hugo, Eça de Queiroz, Guy de Maupassant, Mário Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez, José Saramago ou Edgar Alan Poe. São tantos! E tão versáteis! E tão criativos!
O amigo ao qual mais recorro nessas ocasiões, todavia, é o “Bruxo do Cosme Velho”, Machado de Assis, que sempre tem um personagem marcante a me apresentar, como Capitu, Bentinho, Escobar, Dom Casmurro, Brás Cubas, Helena e tantos e tantos outros, que me marcam com seus dramas, aventuras e atitudes. Isso sem falar dos que ele manipula à perfeição, como perito títere de marionetes, na centena de contos seus que leio, releio, treleio, esmiúço e analiso, já que este é o gênero da minha predileção e, portanto, minha especialidade literária.
Recorro, também, com freqüência, a filósofos e ensaístas, como Henry David Thoreau, Montaigne, Ralph Waldo Emerson, Francis Bacon, Blaisé Pascal, Octávio Paz (do qual me delicio, de lambuja, com seus mágicos poemas), Bertrand Russell e tantos e tantos e tantos outros, que não menciono nominalmente para não maçar você, paciente e fiel leitor.
Todavia, meus contatos mais freqüentes são com poetas. São, por exemplo, com Fernando Pessoa, meu heteronímico e notável guru. São com Mário de Sá Carneiro, com Florbela Espanca, com Johann Wolfgang Goethe, com Lamartine, com Shelley, com Rilke, com T. S. Elliot, com Walt Whitman, com Gabriela Mistral, com Pablo Neruda.
Mas que os brasileiros não fiquem com ciúmes (nunca ficam). Estou, sempre, me encontrando (com devoção e deleite) com Cecília Meirelles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Vinícius de Moraes, Ledo Ivo, Guilherme de Almeida, João Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Alphonsus de Guimaraens, Castro Alves, Olavo Bilac, Adélia Prado, Talis Andrade, Luís Augusto Cassas, Fabiana Bórgia, Suzana Vargas, Paulo Mendes Campos, Lindolfo Bell, Paulo Bonfim, Corrêa Junior, Patativa do Assaré e tantos, e tantos, e tantos outros. Esses encontros são orgias de emoção e sensibilidade.
Jorge Luís Borges escreveu, se não me falha a memória em sua “História da eternidade”: “Homero e eu separamo-nos nas portas de Tanger. Creio que não nos despedimos”. Posso dizer que me separo, diariamente, desses diletos amigos espirituais nos mais diversos locais: no meu quarto, no meu gabinete de trabalho, na redação do jornal em que sou editor, na minha biblioteca, na sala de espera do dentista, etc. Nunca, todavia, me despeço. E não é por falta de educação da minha parte. É porque lhes digo mero e trivial “até breve”, na certeza de nos vermos no próximo dia.
A propósito, deixei Jorge Luís Borges para o fim, mas não por tê-lo em menor conta, mas exatamente por motivo oposto. Todos que me conhecem, pessoalmente ou por leitura dos meus textos, sabem da veneração que tenho por esse fantástico escritor argentino. Separo-me dele, todos os dias, não nas portas de Tanger (é possível que a separação ocorra, um dia, até nesse local), mas na soleira do meu quarto, da minha biblioteca, da minha sala... Contudo, como ele afirma ter feito em relação a Homero, “creio que nunca nos despedimos...” Jamais vamos nos despedir!
As amizades (tenho escrito isso com grande freqüência) são privilégio e bênção, embora aconteçam de forma natural, não raro, até, à nossa revelia. Mas é possível sermos amigos de alguém a quem nunca vimos, com quem jamais conversamos, e ainda assim esteja sempre presente ao nosso lado, se manifestando nos momentos que mais precisemos (ou simplesmente queiramos) e a respeito de quem conheçamos as mais triviais informações biográficas? Minha resposta é: sim!
“Mas como?”, perguntará, intrigado, o leitor, não vendo como isso seja possível. Asseguro, todavia, que isso não só está no terreno das possibilidades, mas ocorre com maior freqüência do que você possa supor. É o caso da minha amizade espiritual com dezenas de milhares de escritores. A imensa maioria deles, inclusive, morreu muitos anos antes do meu nascimento, alguns até séculos, quando não milênios (como Homero, Virgílio, Píndaro e Horácio, por exemplo) e, no entanto, estão comigo constantemente.
Devo-lhes não apenas minha forma de encarar e de fazer literatura, mas de entender o mundo, as pessoas, os sofrimentos e alegrias, a felicidade e a dor, enfim, a vida. Não se trata de nenhum exercício de mediunidade, óbvio. “Converso” com eles mediante as idéias, conceitos, emoções e pensamentos que eles tiveram e, generosamente registraram e legaram à posteridade. Trata-se, na verdade, não de diálogos, mas de ilustrativos monólogos, em que somente esses meus mestres, meus gurus, meus “amigos” espirituais “falam”.
Nossos encontros cotidianos são sempre informais, sem cerimônias e nem salamaleques, como devem ser os contatos com pessoas que privem da nossa intimidade pelas vias sagradas da amizade. Não visto trajes especiais, por exemplo, para essas reuniões. Não raro elas ocorrem comigo vestindo confortável roupa caseira (um pijama, por exemplo), ou, dependendo da estação do ano, até mesmo uma bermuda ou sumária sunga. Eles nunca repararam nesse aspecto.
Ademais, esses diletos amigos jamais assumem ares pedantes e nem polarizam a palavra. “Falam”, apenas, quando quero que falem e abordam, via de regra, os temas específicos que quero que abordem. E nunca me falharam. Sempre que quero saber de alguma história instigante, convoco alguns deles, que podem ser, por exemplo, Fedor Dostoievski, ou Leon Tolstoi, ou Máximo Gorki, ou Gogol, ou Puchkin, quando não Honoré Balzac, Victor Hugo, Eça de Queiroz, Guy de Maupassant, Mário Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez, José Saramago ou Edgar Alan Poe. São tantos! E tão versáteis! E tão criativos!
O amigo ao qual mais recorro nessas ocasiões, todavia, é o “Bruxo do Cosme Velho”, Machado de Assis, que sempre tem um personagem marcante a me apresentar, como Capitu, Bentinho, Escobar, Dom Casmurro, Brás Cubas, Helena e tantos e tantos outros, que me marcam com seus dramas, aventuras e atitudes. Isso sem falar dos que ele manipula à perfeição, como perito títere de marionetes, na centena de contos seus que leio, releio, treleio, esmiúço e analiso, já que este é o gênero da minha predileção e, portanto, minha especialidade literária.
Recorro, também, com freqüência, a filósofos e ensaístas, como Henry David Thoreau, Montaigne, Ralph Waldo Emerson, Francis Bacon, Blaisé Pascal, Octávio Paz (do qual me delicio, de lambuja, com seus mágicos poemas), Bertrand Russell e tantos e tantos e tantos outros, que não menciono nominalmente para não maçar você, paciente e fiel leitor.
Todavia, meus contatos mais freqüentes são com poetas. São, por exemplo, com Fernando Pessoa, meu heteronímico e notável guru. São com Mário de Sá Carneiro, com Florbela Espanca, com Johann Wolfgang Goethe, com Lamartine, com Shelley, com Rilke, com T. S. Elliot, com Walt Whitman, com Gabriela Mistral, com Pablo Neruda.
Mas que os brasileiros não fiquem com ciúmes (nunca ficam). Estou, sempre, me encontrando (com devoção e deleite) com Cecília Meirelles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Vinícius de Moraes, Ledo Ivo, Guilherme de Almeida, João Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Alphonsus de Guimaraens, Castro Alves, Olavo Bilac, Adélia Prado, Talis Andrade, Luís Augusto Cassas, Fabiana Bórgia, Suzana Vargas, Paulo Mendes Campos, Lindolfo Bell, Paulo Bonfim, Corrêa Junior, Patativa do Assaré e tantos, e tantos, e tantos outros. Esses encontros são orgias de emoção e sensibilidade.
Jorge Luís Borges escreveu, se não me falha a memória em sua “História da eternidade”: “Homero e eu separamo-nos nas portas de Tanger. Creio que não nos despedimos”. Posso dizer que me separo, diariamente, desses diletos amigos espirituais nos mais diversos locais: no meu quarto, no meu gabinete de trabalho, na redação do jornal em que sou editor, na minha biblioteca, na sala de espera do dentista, etc. Nunca, todavia, me despeço. E não é por falta de educação da minha parte. É porque lhes digo mero e trivial “até breve”, na certeza de nos vermos no próximo dia.
A propósito, deixei Jorge Luís Borges para o fim, mas não por tê-lo em menor conta, mas exatamente por motivo oposto. Todos que me conhecem, pessoalmente ou por leitura dos meus textos, sabem da veneração que tenho por esse fantástico escritor argentino. Separo-me dele, todos os dias, não nas portas de Tanger (é possível que a separação ocorra, um dia, até nesse local), mas na soleira do meu quarto, da minha biblioteca, da minha sala... Contudo, como ele afirma ter feito em relação a Homero, “creio que nunca nos despedimos...” Jamais vamos nos despedir!
Monday, September 21, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Estamos expostos, a cada segundo, a riscos concretos, de toda espécie, que sequer imaginamos. Por milhões de razões, podemos morrer a qualquer instante e, no entanto, nunca paramos para pensar nessa possibilidade permanente e aterradora. Julgamo-nos poderoso e invulneráveis, embora não sejamos. Essa, aliás, é a marca registrada humana: a contradição. A possibilidade de obrar maravilhas e praticar atrocidades. A convivência cotidiana entre o anjo e o demônio. A submissão a Eros e a Tanatos, ao instinto de auto-preservação e ao de destruição.Daí ser relevante esse sentimento nobilíssimo, e cada vez mais raro, da amizade, mediante o qual uma pessoa se dedica a outra, espontânea e desinteressadamente e por uma razão que ninguém ainda conseguiu explicar objetivamente.
Amigos e ocasiões
Pedro J. Bondaczuk
A amizade é um fenômeno mal-compreendido e, por isso, gera inúmeros equívocos e decepções. Muitos, por exemplo, que acham que têm “um milhão de amigos”, não raro não têm nenhum. Outros tantos, que julgam não contar com nenhum, os têm em profusão.
Esse sentimento benigno é, e deve ser sempre, absolutamente espontâneo. Não se prende a qualquer compromisso, regra ou obrigação. Nasce à nossa revelia, como o sol num dia de céu azul de primavera, como as chuvas de verão, como as quatro estações do ano e assim por diante. E quando acaba, o faz da mesma forma. Ou seja, espontaneamente, de mansinho, sem nenhum alarde ou drama e sem deixar ressentimentos no seu rastro.
Não somos amigos de alguém porque o escolhemos ou porque desejemos isso. E a recíproca, claro, é verdadeira. Não se trata de ato de vontade, de escolha, de apuração, em outra pessoa, de virtudes que julguemos que ela possua (e que raramente, de fato, tem).
Há quem confunda, amiúde, amizade com admiração. Não são, todavia, coisas iguais. Ao contrário, são muito distintas e com características bem definidas. Posso, por exemplo, admirar profundamente determinada pessoa e, no entanto... não ter a menor afinidade com ela e não desejar nenhum tipo de relacionamento com a mesma. Ou posso ser admirado por ela, mas “nossos santos” não se cruzarem.
Acho, por isso, uma bobagem sem tamanho a tentativa de alguns de “testarem” amizades. Se elas precisarem de algum teste para serem comprovadas é porque não existem, nunca existiram e jamais existirão. Por que? Porque estará rompida sua característica fundamental: a irrestrita confiança mútua. Quem testa é porque não confia. E quem não confia em mim (mereça eu confiança ou não), não é e jamais pode ser meu amigo. E ponto final.
O site de relacionamentos Orkut ensinou-me muitas coisas a esse propósito. Ajudou-me, por exemplo, a distinguir quem me dedica, de fato, genuína amizade e quem apenas deseja um “correspondente” assíduo, sofisticado, que escreva maravilhosas (e hipócritas) mensagens laudatórias, que lhe massageiem o ego.
Felizmente, pelo menos no meu círculo de amigos, essas pessoas são poucas. Ou, na verdade, eram, pois, em virtude de compromissos particulares que me consomem o tempo, me vi forçado a me afastar, por longo período, desse espaço. Os que queriam um “admirador”, e não um amigo, romperam imediatamente esse vínculo informal que tinham comigo (foram em torno de cem os que agiram assim, ou seja, um oitavo do total). Classificaram-me de “fantasma” (Deus do céu, será que morri e esqueceram de me avisar?!) e (usando um termo típico de informática) “me deletaram”.
Azar deles! Não entenderam que, para se “ter” amigos, é preciso, antes de tudo, “ser” amigo. Claro que nunca foram e que jamais serão. Devo ficar aflito por isso? De forma alguma! Essas pessoas infringiram uma das únicas e mais importantes regras informais da amizade: a da não exigência. Não se pode, em circunstância alguma, exigir o que quer que seja de alguém que achamos que seja nosso amigo. E vice-versa. Tudo tem que ser sempre natural, espontâneo, sem interesses e nem testes e muito menos obrigações prévias.
Li, recentemente, pitoresco texto de Mário de Andrade a esse propósito, que partilho com você, paciente leitor. O autor de “Macunaíma” afirma, em determinado trecho: “Que bobagem falar que é nas grandes ocasiões que se conhecem os amigos! Nas grandes ocasiões é que não faltam amigos. Principalmente neste Brasil de coração mole e escorrendo. E a compaixão, a piedade, a pena se confundem com amizade. Por isso tenho horror das grandes ocasiões. Prefiro as quartas-feiras”.
Só não concordo com Mário de Andrade quanto ao dia da semana de sua preferência. No mais... Da minha parte, desde os tempos de namoro (e isso já faz muuuuito tempo), prefiro as quintas-feiras. Era nelas que passava momentos inolvidáveis com minha eterna amada (hoje minha esposa), de olho nos sábados e domingos. Eram esses os três dias que, na época, os pais consideravam “adequados” para se namorar. E sempre sob sua diligente supervisão.
Eram outros tempos, claro. Não havia o tal do “ficar”, tão do gosto da mocidade de hoje. Eram, isso sim, namoros “comportados”, vigiados zelosamente por alguém da família, via de regra algum irmão mais novo da namorada (que subornávamos desavergonhadamente, para que nos desse trégua e nos deixasse a sós por alguns preciosos minutinhos que fossem).
Hoje, logo no primeiro encontro, após trocar não mais do que meia dúzia de palavras, lá vai o casal para algum motel, gozar das delícias do sexo. Ou seja, “a entrada” da refeição passou a ser substituída: é, agora, o próprio banquete (e vice-versa).
Os namorados romperam o que havia de melhor no namoro, que era o mistério, a imaginação, a mútua conquista, tarefa que exigia paciência que se rivalizasse com a do patriarca bíblico Jó. Mas quando se chegava aos finalmente... Era um delírio! Era o transporte do céu para a terra!
Naquele tempo, tocar, mesmo que de leve, como que sem querer, os seios da garota, era uma façanha heróica! E o beijo... Nem é bom falar! A garotada, hoje, ri, com ar de superioridade, quando isso vem à baila. Mal sabe o que está perdendo com sua afoiteza! Por isso, por causa daquele exercício de controle e de paciência que mantínhamos (ou também por isso), os casamentos que resultavam desses namoros eram para a vida toda. Hoje...
Bem, o assunto tratado não era bem este. Mas como todo conto exige novo ponto... E essa história de que é nas grandes ocasiões que se conhecem os amigos é coisa de quem, de fato, não tem a mínima noção do que são amizades. Como Mário de Andrade, portanto, também tenho horror às grandes ocasiões. Mas continuo preferindo as quintas-feiras...
A amizade é um fenômeno mal-compreendido e, por isso, gera inúmeros equívocos e decepções. Muitos, por exemplo, que acham que têm “um milhão de amigos”, não raro não têm nenhum. Outros tantos, que julgam não contar com nenhum, os têm em profusão.
Esse sentimento benigno é, e deve ser sempre, absolutamente espontâneo. Não se prende a qualquer compromisso, regra ou obrigação. Nasce à nossa revelia, como o sol num dia de céu azul de primavera, como as chuvas de verão, como as quatro estações do ano e assim por diante. E quando acaba, o faz da mesma forma. Ou seja, espontaneamente, de mansinho, sem nenhum alarde ou drama e sem deixar ressentimentos no seu rastro.
Não somos amigos de alguém porque o escolhemos ou porque desejemos isso. E a recíproca, claro, é verdadeira. Não se trata de ato de vontade, de escolha, de apuração, em outra pessoa, de virtudes que julguemos que ela possua (e que raramente, de fato, tem).
Há quem confunda, amiúde, amizade com admiração. Não são, todavia, coisas iguais. Ao contrário, são muito distintas e com características bem definidas. Posso, por exemplo, admirar profundamente determinada pessoa e, no entanto... não ter a menor afinidade com ela e não desejar nenhum tipo de relacionamento com a mesma. Ou posso ser admirado por ela, mas “nossos santos” não se cruzarem.
Acho, por isso, uma bobagem sem tamanho a tentativa de alguns de “testarem” amizades. Se elas precisarem de algum teste para serem comprovadas é porque não existem, nunca existiram e jamais existirão. Por que? Porque estará rompida sua característica fundamental: a irrestrita confiança mútua. Quem testa é porque não confia. E quem não confia em mim (mereça eu confiança ou não), não é e jamais pode ser meu amigo. E ponto final.
O site de relacionamentos Orkut ensinou-me muitas coisas a esse propósito. Ajudou-me, por exemplo, a distinguir quem me dedica, de fato, genuína amizade e quem apenas deseja um “correspondente” assíduo, sofisticado, que escreva maravilhosas (e hipócritas) mensagens laudatórias, que lhe massageiem o ego.
Felizmente, pelo menos no meu círculo de amigos, essas pessoas são poucas. Ou, na verdade, eram, pois, em virtude de compromissos particulares que me consomem o tempo, me vi forçado a me afastar, por longo período, desse espaço. Os que queriam um “admirador”, e não um amigo, romperam imediatamente esse vínculo informal que tinham comigo (foram em torno de cem os que agiram assim, ou seja, um oitavo do total). Classificaram-me de “fantasma” (Deus do céu, será que morri e esqueceram de me avisar?!) e (usando um termo típico de informática) “me deletaram”.
Azar deles! Não entenderam que, para se “ter” amigos, é preciso, antes de tudo, “ser” amigo. Claro que nunca foram e que jamais serão. Devo ficar aflito por isso? De forma alguma! Essas pessoas infringiram uma das únicas e mais importantes regras informais da amizade: a da não exigência. Não se pode, em circunstância alguma, exigir o que quer que seja de alguém que achamos que seja nosso amigo. E vice-versa. Tudo tem que ser sempre natural, espontâneo, sem interesses e nem testes e muito menos obrigações prévias.
Li, recentemente, pitoresco texto de Mário de Andrade a esse propósito, que partilho com você, paciente leitor. O autor de “Macunaíma” afirma, em determinado trecho: “Que bobagem falar que é nas grandes ocasiões que se conhecem os amigos! Nas grandes ocasiões é que não faltam amigos. Principalmente neste Brasil de coração mole e escorrendo. E a compaixão, a piedade, a pena se confundem com amizade. Por isso tenho horror das grandes ocasiões. Prefiro as quartas-feiras”.
Só não concordo com Mário de Andrade quanto ao dia da semana de sua preferência. No mais... Da minha parte, desde os tempos de namoro (e isso já faz muuuuito tempo), prefiro as quintas-feiras. Era nelas que passava momentos inolvidáveis com minha eterna amada (hoje minha esposa), de olho nos sábados e domingos. Eram esses os três dias que, na época, os pais consideravam “adequados” para se namorar. E sempre sob sua diligente supervisão.
Eram outros tempos, claro. Não havia o tal do “ficar”, tão do gosto da mocidade de hoje. Eram, isso sim, namoros “comportados”, vigiados zelosamente por alguém da família, via de regra algum irmão mais novo da namorada (que subornávamos desavergonhadamente, para que nos desse trégua e nos deixasse a sós por alguns preciosos minutinhos que fossem).
Hoje, logo no primeiro encontro, após trocar não mais do que meia dúzia de palavras, lá vai o casal para algum motel, gozar das delícias do sexo. Ou seja, “a entrada” da refeição passou a ser substituída: é, agora, o próprio banquete (e vice-versa).
Os namorados romperam o que havia de melhor no namoro, que era o mistério, a imaginação, a mútua conquista, tarefa que exigia paciência que se rivalizasse com a do patriarca bíblico Jó. Mas quando se chegava aos finalmente... Era um delírio! Era o transporte do céu para a terra!
Naquele tempo, tocar, mesmo que de leve, como que sem querer, os seios da garota, era uma façanha heróica! E o beijo... Nem é bom falar! A garotada, hoje, ri, com ar de superioridade, quando isso vem à baila. Mal sabe o que está perdendo com sua afoiteza! Por isso, por causa daquele exercício de controle e de paciência que mantínhamos (ou também por isso), os casamentos que resultavam desses namoros eram para a vida toda. Hoje...
Bem, o assunto tratado não era bem este. Mas como todo conto exige novo ponto... E essa história de que é nas grandes ocasiões que se conhecem os amigos é coisa de quem, de fato, não tem a mínima noção do que são amizades. Como Mário de Andrade, portanto, também tenho horror às grandes ocasiões. Mas continuo preferindo as quintas-feiras...
Sunday, September 20, 2009
REFLEXÂO DO DIA
A vida é bela, e fascinante, e misteriosa, por se tratar de um permanente processo de renovação, embora paradoxalmente envelheçamos a cada dia que passa. É como um rio, cujas águas são sempre diferentes. Jorge Luís Borges, em uma das tantas entrevistas que deu no final da vida, observou: "Quando São Paulo disse 'morro a cada dia', não era esta uma expressão patética. A verdade é que morremos a cada dia e nascemos a cada dia. Estamos permanentemente nascendo e morrendo. Por isso, o problema do tempo nos afeta mais do que os outros problemas metafísicos. Porque os outros são abstratos. O do tempo é o nosso problema”. Que a alegria, a solidariedade e o amor renasçam a cada dia ao longo de toda a sua vida. E que a cada um desses renascimentos, você ressurja melhor, mais experiente, sábia, segura e observadora. Todo novo dia é um presente que a vida nos concede. Saibamos aproveitá-lo, com alegria e com amor.
DIRETO DO ARQUIVO
Processo de paz é afetado
Pedro J. Bondaczuk
Os acontecimentos, muitas vezes, seguem um rumo caprichoso, tendo em sua origem pequenas questões, que acendem o estopim das maiúsculas explosões. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 28 de junho de 1914, quando o sérvio Gavrilo Princip provocou a Primeira Guerra Mundial ao assassinar o arquiduque austríaco, Francisco Ferdinando, em Sarajevo, na atual Iugoslávia.
Certamente não era este o resultado que o nacionalista pretendia com o seu ato. Mas o cenário dessa conflagração estava todo montado e o atentado constituiu-se no pretexto que as partes buscavam para pegar em armas.
Guardadas as devidas proporções, a ação do ex-soldado israelense, Ami Popper, de 21 anos, anteontem, pode ter tido idêntica conotação. Esse jovem, que foi expulso com desonra, tempos atrás, do Exército de Israel, por causa de um assunto pessoal, ao que se informa, pôs fogo no Oriente Médio.
Atirou contra um grupo de trabalhadores palestinos desarmados, numa localidade próxima de Tel Aviv, matando sete deles e ferindo mais alguns. Fosse a região qualquer outra, que não essa, e o caso já seria revestido de gravidade. Afinal, sete vidas foram suprimidas estupidamente, num gesto tresloucado e bárbaro, como as autoridades o classificaram. Imagine o leitor o que isso significa numa área em que tantos esforços diplomáticos têm sido feitos, nos últimos anos, para pacificar árabes e judeus!
A reação não tardou a acontecer. Ontem, os territórios ocupados voltaram a ficar em polvorosa, pelo segundo dia consecutivo. Em 48 horas de tumultos, pelo menos outras dez vidas foram ceifadas e 700 pessoas sofreram ferimentos. Tudo por causa de uma explosão de raiva de um lunático!
Xiitas no Líbano, por exemplo, já manifestaram intenções de retaliar. Prevendo barulho por esse lado, O Exército israelense foi posto em estado de alerta máximo em sua fronteira Norte. Atentados foram registrados em Amã, na Jordânia; em Nicósia, na Ilha de Chipre e em Istambul, na Turquia, provavelmente em represália ao incidente de anteontem.
Como das outras vezes em que ocorreram fatos desse tipo, em questão de dias os ânimos certamente ficarão acalmados. Mas o processo de pacificação sofreu um recuo enorme, lançando por terra ingentes esforços diplomáticos de muitos meses.
Até quando o Oriente Médio seguirá sendo fator de desestabilização da política internacional? É irônico que uma região de dimensões tão pequenas, cujas terras são difíceis de cultivar e virtualmente sem nenhuma riqueza, ganhe tamanho peso em relação ao Planeta inteiro.
Apesar de vivermos num período de comunicação quase total, o fanatismo ainda campeia por aqueles lados. E nada é mais perigoso do que homens que não sabem raciocinar com isenção.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 22 de maio de 1990).
Pedro J. Bondaczuk
Os acontecimentos, muitas vezes, seguem um rumo caprichoso, tendo em sua origem pequenas questões, que acendem o estopim das maiúsculas explosões. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 28 de junho de 1914, quando o sérvio Gavrilo Princip provocou a Primeira Guerra Mundial ao assassinar o arquiduque austríaco, Francisco Ferdinando, em Sarajevo, na atual Iugoslávia.
Certamente não era este o resultado que o nacionalista pretendia com o seu ato. Mas o cenário dessa conflagração estava todo montado e o atentado constituiu-se no pretexto que as partes buscavam para pegar em armas.
Guardadas as devidas proporções, a ação do ex-soldado israelense, Ami Popper, de 21 anos, anteontem, pode ter tido idêntica conotação. Esse jovem, que foi expulso com desonra, tempos atrás, do Exército de Israel, por causa de um assunto pessoal, ao que se informa, pôs fogo no Oriente Médio.
Atirou contra um grupo de trabalhadores palestinos desarmados, numa localidade próxima de Tel Aviv, matando sete deles e ferindo mais alguns. Fosse a região qualquer outra, que não essa, e o caso já seria revestido de gravidade. Afinal, sete vidas foram suprimidas estupidamente, num gesto tresloucado e bárbaro, como as autoridades o classificaram. Imagine o leitor o que isso significa numa área em que tantos esforços diplomáticos têm sido feitos, nos últimos anos, para pacificar árabes e judeus!
A reação não tardou a acontecer. Ontem, os territórios ocupados voltaram a ficar em polvorosa, pelo segundo dia consecutivo. Em 48 horas de tumultos, pelo menos outras dez vidas foram ceifadas e 700 pessoas sofreram ferimentos. Tudo por causa de uma explosão de raiva de um lunático!
Xiitas no Líbano, por exemplo, já manifestaram intenções de retaliar. Prevendo barulho por esse lado, O Exército israelense foi posto em estado de alerta máximo em sua fronteira Norte. Atentados foram registrados em Amã, na Jordânia; em Nicósia, na Ilha de Chipre e em Istambul, na Turquia, provavelmente em represália ao incidente de anteontem.
Como das outras vezes em que ocorreram fatos desse tipo, em questão de dias os ânimos certamente ficarão acalmados. Mas o processo de pacificação sofreu um recuo enorme, lançando por terra ingentes esforços diplomáticos de muitos meses.
Até quando o Oriente Médio seguirá sendo fator de desestabilização da política internacional? É irônico que uma região de dimensões tão pequenas, cujas terras são difíceis de cultivar e virtualmente sem nenhuma riqueza, ganhe tamanho peso em relação ao Planeta inteiro.
Apesar de vivermos num período de comunicação quase total, o fanatismo ainda campeia por aqueles lados. E nada é mais perigoso do que homens que não sabem raciocinar com isenção.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 22 de maio de 1990).
Saturday, September 19, 2009
REFLEXÂO DO DIA
A arte precisa ser instintiva, natural, selvagem. Trata-se da única forma de sermos autênticos. É a nossa carta de alforria, a absoluta e irrestrita liberdade. Ninguém é forçado a ser artista: músico, escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal e intransferível, questão de vocação ou de talento. Ou se é ou não se é artista, não existe meio-termo. Fazer arte é o modo de que cada pessoa dispõe para ser livre, para impor a personalidade, para deixar a marca no mundo. A aceitação ou não do que o artista produzir vai depender de critérios subjetivos de apreciação e avaliação dos destinatários. Mas a arte não comporta interferências e nem censuras. A liberdade de escolha do artista tem que ser respeitada e irrestrita. Só a ele cabe decidir sobre o que, quando, como e onde criar. Pois a arte é a nossa carta de alforria. É o nosso "DNA". É o nosso ser. É a nossa vez. É a nossa voz...e única...
Soneto à doce amada - XLI
Pedro J. Bondaczuk
Não, eu não temo mais o amanhã
envolto na ignorância e mistério.
Não temo o Tempo, carrancudo e sério,
mesmo sabendo que a Vida é vã.
Não! Não temo nada! Tristeza ou lida,
ou acertos, ou mesmo erros crassos,
pois quando caio, inteiro, em seus braços,
chego a esquecer-me, até mesmo, da Vida.
Embora eu saiba da sinistra ronda
do Tempo, que pressuroso se escoa,
e embora intensamente me doa
lançar questões, sem ter quem me responda,
ainda que às vezes negue, ou esconda,
eu só temo perder sua pessoa!!!
(Soneto composto em Campinas em 11 de fevereiro de 1967 e publicado no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, em 28 de julho de 1971 e no "Jornal de Paulínia", em 20 de agosto de 1977).
Não, eu não temo mais o amanhã
envolto na ignorância e mistério.
Não temo o Tempo, carrancudo e sério,
mesmo sabendo que a Vida é vã.
Não! Não temo nada! Tristeza ou lida,
ou acertos, ou mesmo erros crassos,
pois quando caio, inteiro, em seus braços,
chego a esquecer-me, até mesmo, da Vida.
Embora eu saiba da sinistra ronda
do Tempo, que pressuroso se escoa,
e embora intensamente me doa
lançar questões, sem ter quem me responda,
ainda que às vezes negue, ou esconda,
eu só temo perder sua pessoa!!!
(Soneto composto em Campinas em 11 de fevereiro de 1967 e publicado no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, em 28 de julho de 1971 e no "Jornal de Paulínia", em 20 de agosto de 1977).
Friday, September 18, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Influenciado pela magia da literatura de Jorge Luís Borges, sou, desde criança, fascinado por labirintos. Aliás, esse é um tema recorrente nos meus textos literários. Escrevi, por exemplo, há quase quatro décadas, um poema a respeito, que é, das minhas obras, a que mais me orgulha (em geral, detesto o que escrevo, sempre achando que poderia escrever melhor). E por que esse fascínio por labirintos? Somente por influência de Borges? Diria que “também”, mas “não só” por isso. É que eles simbolizam a caráter nossa vida. Quando vimos ao mundo, somos absolutamente indefesos. Não conseguimos nos locomover, nos sentar e sequer erguer a cabeça. Temos que aprender, até, a nos alimentar. Tudo nos é estranho, hostil e misterioso. Ao longo da vida, percorremos inúmeras passagens desse labirinto que adentramos ao nascer, buscando encontrar a saída. Em vão! Temos a intuição de que uma feroz assassina nos persegue, passagem após passagem, visando a nos eliminar. Escapamos dela por um certo tempo, mas nunca por “todo o tempo”. Um dia ela nos alcança e... zás! Adeus aos sonhos e às ilusões. Refiro-me, claro, à morte. E qual a solução? Creio que é gozar a vida, que é nos “presentearmos” com o máximo de satisfações que pudermos conseguir, para que, quando o “epílogo” da nossa aventura se desenhar, não venhamos a nos arrepender de termos sido excessivamente espartanos e rigorosos conosco mesmo. A propósito, o poeta maranhense, Luís Augusto Cassas, tem um poema exatamente com esse título e que, de forma muito bem-humorada, chega a idêntica conclusão que eu. Diz: “um dia lambendo as nuvens/erguida em irmãs paisagens/a sabedoria e a loucura/trocando posters-figuras/verão que o gozo é viagem/ritos de humana passagem/e erguendo aos céus nova taça/concluirão tudo passa/saboreando com arte/sorvete de chocolate”.
Era da superpopulação
Pedro J. Bondaczuk
A humanidade está em uma encrenca monumental e sequer se dá conta (aliás, são tantas que se torna até difícil de nomear qual é a pior). Não me refiro ao chamado efeito estufa, gravíssimo, posto que ignorado solenemente pela opinião pública mundial. Refiro-me a uma de suas causas, se não a principal. Não se trata, também, da crescente e dramática escassez de água potável, que já afeta a, no mínimo, um bilhão de pessoas e que tende a se agravar de ano para ano. Nem das ameaças de uma impensável era de fome generalizada em decorrência dos caprichos do clima. E nem do surgimento de novas doenças, com ameaças de pandemias potencialmente incontroláveis, como é o caso específico da chamada “gripe suína”.
Tudo isso, sem dúvida, é grave e ameaça a espécie humana (quiçá todas as formas de vida do Planeta). Mas para se buscar uma solução que, se não detenha, pelo menos retarde o processo que, certamente, levará a uma catástrofe de dimensões imprevisíveis, é preciso atacar as causas, não as conseqüências. Por mais óbvio que isso pareça, e de fato seja, não é o que vem ocorrendo.
Detesto escrever sobre assuntos desse tipo, já que, até por temperamento, sou um sujeito otimista e bem-humorado, que sempre espera o melhor do futuro. Contudo, não sou alienado. Não posso deixar de pôr a boca no trombone face àquilo que não apenas me ameace como indivíduo, mas o faça, também, em relação aos meus descendentes. É, pois, meu instinto de preservação da espécie que me leva a gritar, gritar e gritar, embora me pareça que todos estejam surdos e se recusem a ouvir, não apenas os meus brados, mas os alertas de especialistas sobre o que vem acontecendo.
E qual é essa enorme encrenca em que a humanidade está metida, maior do que o efeito-estufa, a escassez de água potável e de alimentos, as pandemias etc.? É a “bomba populacional”! A população mundial vem se multiplicando de forma assustadora, e justo nos países que não têm a menor estrutura, a mínima condição de alimentar, vestir, educar e dar condições de vida minimamente decente aos enormes contingentes que anualmente se incorporam aos seus já problemáticos e numerosos habitantes. E esse acelerado incremento de pessoas, que parecia preocupar, há algum tempo, planejadores, economistas, líderes políticos e os meios de comunicação, vem sendo deixado de lado, notadamente pelos formadores de opinião. Alguns agem assim por mera alienação. Outros, por comodismo. Outros ainda por pura ignorância. E boa parte se o,ite e lava as mãos pelo fato do assunto não ser “politicamente correto”.
Não se vêem, mais, editoriais na imprensa, alertando para o exagero da cegonha em trazer novos passageiros à espaçonave Terra, já superlotada, emporcalhada, com a despensa se esgotando, repleta de lixo e com o ar viciado e difícil de respirar. Não se lêem, mais, declarações de especialistas a respeito. É como se o problema não existisse e se vivêssemos num Éden de eternas delícias. Obviamente, não vivemos.
Atentemos, por exemplo, para o caso do Brasil. Ainda em 1970, éramos em torno de 70 milhões de habitantes. Todos se lembram, certamente, da musiquinha que estimulava a Seleção Brasileira à vitória na Copa do Mundo do México. Ela já começava por declinar a nossa população de então. A letra dizia: “setenta milhões em ação....”
Pois é, e quantos somos hoje? Recentes estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que já somos em torno de 191 milhões de habitantes! E isso, porque a taxa de natalidade brasileira despencou pela metade e se aproxima do índice dos países desenvolvidos. Ou seja, em menos de quatro décadas, praticamente triplicamos o número de pessoas no País. E os recursos, aumentaram nas mesmas proporções? Longe disso! Como se pode, pois, aspirar a um futuro minimamente tranqüilo e civilizado, face a essa realidade? E olhem que sequer somos os piores.
O escritor Aldous Huxley, em meados da década de 50 do século XX, fez uma previsão que soava a profética e que, na verdade, não era mais do que mera extrapolação lógica. Na ocasião, não foi ouvido. Pelo contrário, foi classificado de “neo-malthusiano”, de catastrofista e de outras coisas piores. Houvesse, então, sido tomada alguma providência (não me perguntem qual, pois eu não sei), hoje o panorama seria pelo menos não tão sombrio e desolador. Não se tomou nenhuma.
Aldous Huxley escreveu, em 1957, no romance “Volta ao admirável mundo novo”: “O problema dos números, que rapidamente se multiplicam em relação aos recursos naturais, à estabilidade social e ao bem-estar dos indivíduos, é a questão fundamental da humanidade; e permanecerá sendo o problema crucial por outro século e talvez por muitos outros séculos no futuro. Supõe-se que uma nova era se iniciou a 4 de outubro de 1957. Porém, no contexto presente, toda a nossa exuberante conversa pós-Sputnik é irrelevante. Se tomarmos como ponto de referência as massas de humanidade, a era vindoura não será a Era do Espaço e sim a Era da Superpopulação”..
Pois é, e agora, o que vem sendo feito? Nada, nada e nada, absolutamente nada! Há campanhas mundiais, por exemplo, propugnando pela paternidade responsável (o mínimo que se pode fazer a respeito)? Onde? Encabeçada por quem? Apontem-me uma peça publicitária, uma reles e única, com esse teor. E as coisas só não estão piores porque, parodiando Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho havia uma Aids”. A eclosão da pandemia dessa doença levou muitas pessoas a se preocuparem com o sexo seguro. Não fora isso... Nem é bom pensar!
A humanidade está em uma encrenca monumental e sequer se dá conta (aliás, são tantas que se torna até difícil de nomear qual é a pior). Não me refiro ao chamado efeito estufa, gravíssimo, posto que ignorado solenemente pela opinião pública mundial. Refiro-me a uma de suas causas, se não a principal. Não se trata, também, da crescente e dramática escassez de água potável, que já afeta a, no mínimo, um bilhão de pessoas e que tende a se agravar de ano para ano. Nem das ameaças de uma impensável era de fome generalizada em decorrência dos caprichos do clima. E nem do surgimento de novas doenças, com ameaças de pandemias potencialmente incontroláveis, como é o caso específico da chamada “gripe suína”.
Tudo isso, sem dúvida, é grave e ameaça a espécie humana (quiçá todas as formas de vida do Planeta). Mas para se buscar uma solução que, se não detenha, pelo menos retarde o processo que, certamente, levará a uma catástrofe de dimensões imprevisíveis, é preciso atacar as causas, não as conseqüências. Por mais óbvio que isso pareça, e de fato seja, não é o que vem ocorrendo.
Detesto escrever sobre assuntos desse tipo, já que, até por temperamento, sou um sujeito otimista e bem-humorado, que sempre espera o melhor do futuro. Contudo, não sou alienado. Não posso deixar de pôr a boca no trombone face àquilo que não apenas me ameace como indivíduo, mas o faça, também, em relação aos meus descendentes. É, pois, meu instinto de preservação da espécie que me leva a gritar, gritar e gritar, embora me pareça que todos estejam surdos e se recusem a ouvir, não apenas os meus brados, mas os alertas de especialistas sobre o que vem acontecendo.
E qual é essa enorme encrenca em que a humanidade está metida, maior do que o efeito-estufa, a escassez de água potável e de alimentos, as pandemias etc.? É a “bomba populacional”! A população mundial vem se multiplicando de forma assustadora, e justo nos países que não têm a menor estrutura, a mínima condição de alimentar, vestir, educar e dar condições de vida minimamente decente aos enormes contingentes que anualmente se incorporam aos seus já problemáticos e numerosos habitantes. E esse acelerado incremento de pessoas, que parecia preocupar, há algum tempo, planejadores, economistas, líderes políticos e os meios de comunicação, vem sendo deixado de lado, notadamente pelos formadores de opinião. Alguns agem assim por mera alienação. Outros, por comodismo. Outros ainda por pura ignorância. E boa parte se o,ite e lava as mãos pelo fato do assunto não ser “politicamente correto”.
Não se vêem, mais, editoriais na imprensa, alertando para o exagero da cegonha em trazer novos passageiros à espaçonave Terra, já superlotada, emporcalhada, com a despensa se esgotando, repleta de lixo e com o ar viciado e difícil de respirar. Não se lêem, mais, declarações de especialistas a respeito. É como se o problema não existisse e se vivêssemos num Éden de eternas delícias. Obviamente, não vivemos.
Atentemos, por exemplo, para o caso do Brasil. Ainda em 1970, éramos em torno de 70 milhões de habitantes. Todos se lembram, certamente, da musiquinha que estimulava a Seleção Brasileira à vitória na Copa do Mundo do México. Ela já começava por declinar a nossa população de então. A letra dizia: “setenta milhões em ação....”
Pois é, e quantos somos hoje? Recentes estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que já somos em torno de 191 milhões de habitantes! E isso, porque a taxa de natalidade brasileira despencou pela metade e se aproxima do índice dos países desenvolvidos. Ou seja, em menos de quatro décadas, praticamente triplicamos o número de pessoas no País. E os recursos, aumentaram nas mesmas proporções? Longe disso! Como se pode, pois, aspirar a um futuro minimamente tranqüilo e civilizado, face a essa realidade? E olhem que sequer somos os piores.
O escritor Aldous Huxley, em meados da década de 50 do século XX, fez uma previsão que soava a profética e que, na verdade, não era mais do que mera extrapolação lógica. Na ocasião, não foi ouvido. Pelo contrário, foi classificado de “neo-malthusiano”, de catastrofista e de outras coisas piores. Houvesse, então, sido tomada alguma providência (não me perguntem qual, pois eu não sei), hoje o panorama seria pelo menos não tão sombrio e desolador. Não se tomou nenhuma.
Aldous Huxley escreveu, em 1957, no romance “Volta ao admirável mundo novo”: “O problema dos números, que rapidamente se multiplicam em relação aos recursos naturais, à estabilidade social e ao bem-estar dos indivíduos, é a questão fundamental da humanidade; e permanecerá sendo o problema crucial por outro século e talvez por muitos outros séculos no futuro. Supõe-se que uma nova era se iniciou a 4 de outubro de 1957. Porém, no contexto presente, toda a nossa exuberante conversa pós-Sputnik é irrelevante. Se tomarmos como ponto de referência as massas de humanidade, a era vindoura não será a Era do Espaço e sim a Era da Superpopulação”..
Pois é, e agora, o que vem sendo feito? Nada, nada e nada, absolutamente nada! Há campanhas mundiais, por exemplo, propugnando pela paternidade responsável (o mínimo que se pode fazer a respeito)? Onde? Encabeçada por quem? Apontem-me uma peça publicitária, uma reles e única, com esse teor. E as coisas só não estão piores porque, parodiando Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho havia uma Aids”. A eclosão da pandemia dessa doença levou muitas pessoas a se preocuparem com o sexo seguro. Não fora isso... Nem é bom pensar!
Thursday, September 17, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Os poetas têm visão mais lúcida e objetiva da vida do que as demais pessoas, mesmo que sua postura pareça insólita, incoerente ou utópica. São estereotipados, via de regra, como sonhadores, como aqueles que mantêm a cabeça permanentemente nas nuvens e, por conseqüência, os pés fora do sólido solo da realidade. Enganam-se os que os vêem dessa maneira. Os poetas são, na verdade, homens de ação. Às vezes, agem até demais, impulsivamente, movidos exclusivamente pela emoção, em detrimento da reflexão. Há, em contrapartida, pessoas que refletem muito, são especialistas em dar palpites, mas na hora de agir... É aquela tragédia! Omitem-se, acovardam-se, transferem tarefas que lhes competem fazer para outros. Não cometem erros, é verdade (ou os têm em menor quantidade do que outros), mas, pudera: nada fazem! Os poetas (salvo exceções), por sua vez, não são assim. Não por acaso, em grego, “fazer poesia” tinha o significado de agir, de atuar, de realizar, de construir. Portanto, até semanticamente, não há nenhum exagero na reflexão de André Maurois, quando afirma que “o homem de ação é, antes de tudo, um poeta”.
Fogo sagrado
Pedro J. Bondaczuk
O escritor Stuart Cloete, em seu ótimo romance “Balada Africana” (tradução de Raul de Polillo, Boa Leitura Editora), afirma, em determinado trecho: “É o fogo que faz o homem”. Exagero? De forma alguma!
Trata-se de um dos elementos mais abundantes no universo. O que é o sol se não uma descomunal “fornalha”, uma explosão nuclear quase que interminável? O que são as estrelas, se não isso também? O fogo, pois, dependendo da intensidade e do uso que dele se faz, é o salvador e o destruidor por excelência de todos os seres vivos. E do homem, naturalmente.
Não por acaso, quase todas as mitologias dedicam-lhe reverência e respeito. Na grega, por exemplo, temos o mito de Prometheus, filho de Iapetus e irmão de Atlas e de Epimetheus. Esse titã roubou o fogo sagrado de Zeus e deu-o à humanidade. Pagou, claro, um preço monstruoso pelo delito, cometido não em proveito próprio (diga-se a seu favor), mas num ato de suprema generosidade com o homem.
O senhor do Olimpo, todavia, não quis nem saber. Prometheus foi atado aos Montes Urais e os abutres passaram a bicar-lhe o fígado, sem cessar, num tormento sem fim. Se bobear, continuam bicando-o até hoje. E continuarão fazendo isso até um suposto fim dos tempos. E por que o titã fez o que fez, tendo que pagar um preço tão alto por isso? Por que sem o fogo, os homens estariam desprotegidos e a mercê, puramente, do acaso e dos elementos.
Cloete afirma a propósito: “Em primeiro lugar, houve a arma – um grosso bastão, que até ao que se sabe, os grandes símios de outrora usaram. Depois, houve o fogo, que todas as feras temem. Há alguma coisa de Deus no fogo”. E há mesmo. Mas não foram apenas os gregos que reverenciaram esse elemento.
Na mitologia hindu, Shiva está, intimamente, associada ao fogo, pois ele representa a transformação. Nada que tenha passado por ele permanece da mesma forma de antes. O alimento transforma-se (fica cozido), a água se evapora e os corpos, cremados, viram cinzas. Isso é que é poder.
Cloete resume da seguinte forma o processo de civilização humana: “... Houve os receptáculos, para que a água pudesse ser transportada. E houve cães, domesticados para caçar. Por fim, surgiu a semente, plantada ao invés de ser catada em estado selvagem; e os bandos e os rebanhos de animais domesticados. Mas o rei disto tudo é o fogo. O salvador e o destruidor”. E não é?!
Querem mais exemplos da reverência humana ao fogo? Na mitologia germânica, três gigantes se destacam, ora beneficiando, ora destruindo pessoas. Um deles é o do gelo. Seria de se esperar isso, levando em conta que se trata de um povo nórdico, sujeito às inclemências do clima que, no inverno, não raro, chega a temperaturas muito abaixo de zero. O segundo é o do vento, igualmente indomável e perigoso. Mas o gigante mais forte e ativo é o do fogo que, quando benigno, livra o homem do intenso frio, coze seus alimentos e o protege das feras. E, quando irado... consome tudo, absolutamente tudo o que encontra pela frente.
Na mitologia dos índios brasileiros, temos a boitatá. E o que vem a ser essa entidade? É uma cobra de fogo, que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir (e matar) os que desrespeitam a natureza. Essa crença é muito comum no meu Estado natal, o Rio Grande do Sul, e está incorporada ao folclore local. E o que vem a ser a tal da boitatá? Trata-se do fogo fátuo, ou seja, da queima espontânea de gás metano, proveniente da decomposição de algum animal (normalmente algum rês desgarrada) que tenha morrido de fome ou de sede.
Mas não foram apenas os meus conterrâneos que cultivaram esse mito. Aliás, cresci ouvindo histórias a esse respeito, contadas pelos peões que trabalhavam na fazenda do meu avô. Para eles, a boitatá não é superstição coisa nenhuma. Existe, de fato, e alguns contam histórias de fulano, sicrano e beltrano, que teriam sido mortos por ela e, de quebra, tiveram os olhos devorados pela cobra vingadora.
Esse mito, todavia, embora persista ainda no Rio Grande do Sul, não é exclusivo desse Estado. Indígenas de outras localidades também acreditam (ou pelo menos acreditavam) na existência da boitatá. Tanto que foram encontrados relatos da cobra de fogo em cartas do padre José de Anchieta, datadas de 1560. Em São Paulo, porém, jamais ouvi referências a esse respeito. No folclore paulista não há nenhuma manifestação popular envolvendo esse mito.
O mesmo já não acontece no Nordeste, onde a boitatá é conhecida como “fogo que corre”. Demos voltas e mais voltas, apenas para destacar o poder e a importância desse poderoso e abundante elemento da natureza. Sem ele, o homem não se civilizaria e é bem possível que, sequer, existiria. Mas será pelo fogo, quando o sol, um dia, se expandir, que este planetazinho azul será reduzido a cinzas. Não se preocupem, contudo. Isso, provavelmente, só irá ocorrer daqui a 4 bilhões de anos. Mas... essa já é outra história, que fica para uma outra vez...
...
O escritor Stuart Cloete, em seu ótimo romance “Balada Africana” (tradução de Raul de Polillo, Boa Leitura Editora), afirma, em determinado trecho: “É o fogo que faz o homem”. Exagero? De forma alguma!
Trata-se de um dos elementos mais abundantes no universo. O que é o sol se não uma descomunal “fornalha”, uma explosão nuclear quase que interminável? O que são as estrelas, se não isso também? O fogo, pois, dependendo da intensidade e do uso que dele se faz, é o salvador e o destruidor por excelência de todos os seres vivos. E do homem, naturalmente.
Não por acaso, quase todas as mitologias dedicam-lhe reverência e respeito. Na grega, por exemplo, temos o mito de Prometheus, filho de Iapetus e irmão de Atlas e de Epimetheus. Esse titã roubou o fogo sagrado de Zeus e deu-o à humanidade. Pagou, claro, um preço monstruoso pelo delito, cometido não em proveito próprio (diga-se a seu favor), mas num ato de suprema generosidade com o homem.
O senhor do Olimpo, todavia, não quis nem saber. Prometheus foi atado aos Montes Urais e os abutres passaram a bicar-lhe o fígado, sem cessar, num tormento sem fim. Se bobear, continuam bicando-o até hoje. E continuarão fazendo isso até um suposto fim dos tempos. E por que o titã fez o que fez, tendo que pagar um preço tão alto por isso? Por que sem o fogo, os homens estariam desprotegidos e a mercê, puramente, do acaso e dos elementos.
Cloete afirma a propósito: “Em primeiro lugar, houve a arma – um grosso bastão, que até ao que se sabe, os grandes símios de outrora usaram. Depois, houve o fogo, que todas as feras temem. Há alguma coisa de Deus no fogo”. E há mesmo. Mas não foram apenas os gregos que reverenciaram esse elemento.
Na mitologia hindu, Shiva está, intimamente, associada ao fogo, pois ele representa a transformação. Nada que tenha passado por ele permanece da mesma forma de antes. O alimento transforma-se (fica cozido), a água se evapora e os corpos, cremados, viram cinzas. Isso é que é poder.
Cloete resume da seguinte forma o processo de civilização humana: “... Houve os receptáculos, para que a água pudesse ser transportada. E houve cães, domesticados para caçar. Por fim, surgiu a semente, plantada ao invés de ser catada em estado selvagem; e os bandos e os rebanhos de animais domesticados. Mas o rei disto tudo é o fogo. O salvador e o destruidor”. E não é?!
Querem mais exemplos da reverência humana ao fogo? Na mitologia germânica, três gigantes se destacam, ora beneficiando, ora destruindo pessoas. Um deles é o do gelo. Seria de se esperar isso, levando em conta que se trata de um povo nórdico, sujeito às inclemências do clima que, no inverno, não raro, chega a temperaturas muito abaixo de zero. O segundo é o do vento, igualmente indomável e perigoso. Mas o gigante mais forte e ativo é o do fogo que, quando benigno, livra o homem do intenso frio, coze seus alimentos e o protege das feras. E, quando irado... consome tudo, absolutamente tudo o que encontra pela frente.
Na mitologia dos índios brasileiros, temos a boitatá. E o que vem a ser essa entidade? É uma cobra de fogo, que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir (e matar) os que desrespeitam a natureza. Essa crença é muito comum no meu Estado natal, o Rio Grande do Sul, e está incorporada ao folclore local. E o que vem a ser a tal da boitatá? Trata-se do fogo fátuo, ou seja, da queima espontânea de gás metano, proveniente da decomposição de algum animal (normalmente algum rês desgarrada) que tenha morrido de fome ou de sede.
Mas não foram apenas os meus conterrâneos que cultivaram esse mito. Aliás, cresci ouvindo histórias a esse respeito, contadas pelos peões que trabalhavam na fazenda do meu avô. Para eles, a boitatá não é superstição coisa nenhuma. Existe, de fato, e alguns contam histórias de fulano, sicrano e beltrano, que teriam sido mortos por ela e, de quebra, tiveram os olhos devorados pela cobra vingadora.
Esse mito, todavia, embora persista ainda no Rio Grande do Sul, não é exclusivo desse Estado. Indígenas de outras localidades também acreditam (ou pelo menos acreditavam) na existência da boitatá. Tanto que foram encontrados relatos da cobra de fogo em cartas do padre José de Anchieta, datadas de 1560. Em São Paulo, porém, jamais ouvi referências a esse respeito. No folclore paulista não há nenhuma manifestação popular envolvendo esse mito.
O mesmo já não acontece no Nordeste, onde a boitatá é conhecida como “fogo que corre”. Demos voltas e mais voltas, apenas para destacar o poder e a importância desse poderoso e abundante elemento da natureza. Sem ele, o homem não se civilizaria e é bem possível que, sequer, existiria. Mas será pelo fogo, quando o sol, um dia, se expandir, que este planetazinho azul será reduzido a cinzas. Não se preocupem, contudo. Isso, provavelmente, só irá ocorrer daqui a 4 bilhões de anos. Mas... essa já é outra história, que fica para uma outra vez...
...
Wednesday, September 16, 2009
REFLEXÂO DO DIA
A ação é sempre um ato de fé. É fruto da crença em nossas forças, nossa capacidade e nossa criatividade. Não se age, convenhamos, quando não se acredita nos efeitos a ação, ou seja, nos resultados positivos dela. A menos, é verdade, que se esteja sob irresistível pressão, premido pelas circunstâncias, com risco iminente à integridade física, quando não à vida e, por isso, em sérios apuros. Essa situação, porém, é diferente. Não se trata, propriamente, de uma ação, mas de “reação” a determinado perigo ou circunstância. Agir é sempre contar com a iniciativa. É atuar espontaneamente, sem que nada e ninguém nos induzam a essa atuação. É fazer o que tem quer ser feito à nossa maneira e no tempo que julgarmos apropriado para tal. E essa iniciativa só temos quando acreditamos nos resultados que irão decorrer da nossa ação. Ninguém se esforça para perder propositalmente. A derrota pode acontecer, mas se ocorrer, será à nossa revelia. É como afirmou, com toda a pertinência, o escritor Romain Rolland: “Agir é acreditar!”.
Lições da arte
Pedro J. Bondaczuk
A arte, essa manifestação de criatividade, capacidade de observação, perícia e habilidade do espírito humano se esgota por si só ou tem alguma finalidade maior, mais relevante, nobre e profunda do que em geral lhe atribuímos? Serve, apenas, para satisfazer os sentidos ou atua como catalisadora de reflexões e emoções? Tem limites precisos e definidos, ou seu campo potencial de atuação é o infinito e o eterno? Vocês já imaginaram o mundo sem artes? Seria, certamente, muito mais feio, prosaico e sem sentido do que já é.
Por mais trivial que a música, por exemplo, possa ser, fico sempre pasmo face à capacidade dos compositores de reunir sons dispersos e que, isoladamente, são até desagradáveis, em sinfonias e canções melodiosas, com harmonia e beleza, que me despertam reflexões e incontida admiração. Espanta-me a capacidade dos intérpretes de reproduzirem, exatamente como os autores conceberam, e quantas vezes lhes der na veneta, essas composições. Penso, sempre que ouço alguma canção bem-feita e magistralmente interpretada por terceiros: “como eles (os autores e intérpretes dessas façanhas) conseguem?”.
Minha admiração não é menor diante de um quadro bem-pintado. Ou ao apreciar uma escultura harmoniosa, como a do David, de Michelangelo – que só falta andar e falar, de tanto que se aproxima da perfeição. Ou de um poema de Rilke, de Shelley, de Lamartine e de tantos e tantos e tantos outros bons poetas, que “pintam” telas que se aproximam da perfeição, tendo por instrumento essa coisa tão frágil e de tão difícil manejo: a palavra.
Tudo isso, todo esse esbanjamento de perícia e criatividade teria um fim tão prosaico e trivial, qual seja, o de apenas despertar admiração em quem aprecie essas obras e nada mais? Entendo que não. Considero a arte um alimento essencial ao espírito, assim como outras tantas iguarias o são para o corpo. Sem ela, definharíamos, espiritualmente, nos embruteceríamos e ficaríamos por conta, exclusiva, dos instintos da fera, que de fato somos. A arte (refiro-me ao conceito e não a alguma aptidão artística específica) é, sobretudo, a grande testemunha, o distintivo, a comprovação inequívoca da nossa racionalidade.
Você conhece, porventura, outro animal que a pratique? Já viu algum cão compositor, algum gato cantor ou algum burro instrumentista? Já soube de algum papagaio que compusesse algum poema? Talvez você me responda que já houve gorilas “pintores”. Mas eles tinham, de fato, noção do que faziam? Apresentavam o mínimo senso de harmonia de cores, de jogo de luz e sombras, de simetria de figuras e vai por aí afora? “Pintavam”, pelo menos, algo sequer parecido com o que existe? Claro que não. Limitavam-se a “sujar” de tinta as telas que lhes eram apresentadas, sem a menor noção do que faziam.
Para que fosse possível a mais rudimentar noção artística, os outros animais teriam que contar com um mínimo de racionalidade. E, claro, com o máximo de habilidade que, evidentemente, não têm. William Somerset Maugham, um dos meus romancistas preferidos, que a cada livro seu que leio mais e mais me ensina sobre as pessoas, notadamente sobre o comportamento humano, escreveu, em um de seus romances (não me recordo em qual): “A arte, um dos grandes valores da vida, deve ensinar aos homens: humildade, tolerância, sabedoria e magnanimidade”..
E por que nos compete aprender esse elenco específico de lições? O artista descobre, por si só, no curso da elaboração da sua obra que, na verdade, não cria coisa alguma. Limita-se, tão somente, a reproduzir o que já existe, com a matéria-prima ao seu dispor.
Quem cria, de fato, é a natureza, da qual ele é filho e com a qual jamais haverá de rivalizar. Aprende, com a arte, a ser tolerante com as fraquezas alheias, espelhando-se nas suas próprias, comprovadas sempre que atinge seu limite e se vê impotente para ultrapassá-lo.
Com a humildade e a tolerância, adquire condições de se aproximar da sabedoria. Aprende a ser observador, a fazer analogias, a entender o funcionamento da natureza e tentar imitá-la, no que lhe for possível, fazendo projeções (de sons, imagens, formas, cores etc.), da melhor maneira que conhece.
E, finalmente, absorve a lição maior, a da magnanimidade. Ou seja, da mesma forma que a natureza lhe provê do essencial para sobreviver, e de graça, sem cobrar coisa alguma por isso, partilha o fruto da sua criatividade e talento com aqueles que o cercam. Ou, pelo menos, é o que deveria fazer.
A arte, essa manifestação de criatividade, capacidade de observação, perícia e habilidade do espírito humano se esgota por si só ou tem alguma finalidade maior, mais relevante, nobre e profunda do que em geral lhe atribuímos? Serve, apenas, para satisfazer os sentidos ou atua como catalisadora de reflexões e emoções? Tem limites precisos e definidos, ou seu campo potencial de atuação é o infinito e o eterno? Vocês já imaginaram o mundo sem artes? Seria, certamente, muito mais feio, prosaico e sem sentido do que já é.
Por mais trivial que a música, por exemplo, possa ser, fico sempre pasmo face à capacidade dos compositores de reunir sons dispersos e que, isoladamente, são até desagradáveis, em sinfonias e canções melodiosas, com harmonia e beleza, que me despertam reflexões e incontida admiração. Espanta-me a capacidade dos intérpretes de reproduzirem, exatamente como os autores conceberam, e quantas vezes lhes der na veneta, essas composições. Penso, sempre que ouço alguma canção bem-feita e magistralmente interpretada por terceiros: “como eles (os autores e intérpretes dessas façanhas) conseguem?”.
Minha admiração não é menor diante de um quadro bem-pintado. Ou ao apreciar uma escultura harmoniosa, como a do David, de Michelangelo – que só falta andar e falar, de tanto que se aproxima da perfeição. Ou de um poema de Rilke, de Shelley, de Lamartine e de tantos e tantos e tantos outros bons poetas, que “pintam” telas que se aproximam da perfeição, tendo por instrumento essa coisa tão frágil e de tão difícil manejo: a palavra.
Tudo isso, todo esse esbanjamento de perícia e criatividade teria um fim tão prosaico e trivial, qual seja, o de apenas despertar admiração em quem aprecie essas obras e nada mais? Entendo que não. Considero a arte um alimento essencial ao espírito, assim como outras tantas iguarias o são para o corpo. Sem ela, definharíamos, espiritualmente, nos embruteceríamos e ficaríamos por conta, exclusiva, dos instintos da fera, que de fato somos. A arte (refiro-me ao conceito e não a alguma aptidão artística específica) é, sobretudo, a grande testemunha, o distintivo, a comprovação inequívoca da nossa racionalidade.
Você conhece, porventura, outro animal que a pratique? Já viu algum cão compositor, algum gato cantor ou algum burro instrumentista? Já soube de algum papagaio que compusesse algum poema? Talvez você me responda que já houve gorilas “pintores”. Mas eles tinham, de fato, noção do que faziam? Apresentavam o mínimo senso de harmonia de cores, de jogo de luz e sombras, de simetria de figuras e vai por aí afora? “Pintavam”, pelo menos, algo sequer parecido com o que existe? Claro que não. Limitavam-se a “sujar” de tinta as telas que lhes eram apresentadas, sem a menor noção do que faziam.
Para que fosse possível a mais rudimentar noção artística, os outros animais teriam que contar com um mínimo de racionalidade. E, claro, com o máximo de habilidade que, evidentemente, não têm. William Somerset Maugham, um dos meus romancistas preferidos, que a cada livro seu que leio mais e mais me ensina sobre as pessoas, notadamente sobre o comportamento humano, escreveu, em um de seus romances (não me recordo em qual): “A arte, um dos grandes valores da vida, deve ensinar aos homens: humildade, tolerância, sabedoria e magnanimidade”..
E por que nos compete aprender esse elenco específico de lições? O artista descobre, por si só, no curso da elaboração da sua obra que, na verdade, não cria coisa alguma. Limita-se, tão somente, a reproduzir o que já existe, com a matéria-prima ao seu dispor.
Quem cria, de fato, é a natureza, da qual ele é filho e com a qual jamais haverá de rivalizar. Aprende, com a arte, a ser tolerante com as fraquezas alheias, espelhando-se nas suas próprias, comprovadas sempre que atinge seu limite e se vê impotente para ultrapassá-lo.
Com a humildade e a tolerância, adquire condições de se aproximar da sabedoria. Aprende a ser observador, a fazer analogias, a entender o funcionamento da natureza e tentar imitá-la, no que lhe for possível, fazendo projeções (de sons, imagens, formas, cores etc.), da melhor maneira que conhece.
E, finalmente, absorve a lição maior, a da magnanimidade. Ou seja, da mesma forma que a natureza lhe provê do essencial para sobreviver, e de graça, sem cobrar coisa alguma por isso, partilha o fruto da sua criatividade e talento com aqueles que o cercam. Ou, pelo menos, é o que deveria fazer.
Tuesday, September 15, 2009
REFLEXÂO DO DIA
Não podemos nos fiar, apenas, na inteligência para tentarmos concretizar nossos sonhos e projetos. Esta ajuda, não há dúvidas, mas sozinha é inerme e não nos leva a lugar algum. Precisa do auxílio de uma série de sentimentos que a impulsionem e a faça efetiva. Por exemplo, precisamos de fé em nossas possibilidades. Se iniciarmos algum empreendimento, sem acreditarmos no seu sucesso, é melhor que sequer venhamos a despender energias. Ele estará, liminarmente, fadado ao fracasso. Outra emoção valiosa é a esperança, desde que respaldada por ações. Se nada esperarmos da vida, senão seu complemento, a morte, já estaremos espiritualmente mortos, mesmo que isso não nos seja aparente. O escritor francês, Roger Gard, escreveu o seguinte a esse respeito: “A inteligência só conduz à inação. É a fé que dá ao homem o ímpeto indispensável para agir e o entendimento para perseverar”. Notem que o ilustre pensador não defendeu a burrice como forma de obter o sucesso em nossos empreendimentos. Longe disso! Apenas ressaltou que a inteligência, sem o respaldo de outras virtudes, é impotente para promover, sozinha, o êxito que tanto almejamos.
Ambiente claustrofóbico
Pedro J. Bondaczuk
A atividade de escritor é sumamente fascinante, mas, ao mesmo tempo, perigosa e não raro frustrante. Ademais, implica em uma responsabilidade que quem não é do ramo sequer desconfia. Não posso sair por aí escrevendo, a torto e a direito, tudo o que me vem à cabeça, sem atentar para o que, como e para quem escrevo. Quem age dessa maneira não chega a lugar algum e, não raro, se mete em imensas encrencas. Na melhor das hipóteses, dependendo do que escreveu, cai em ridículo. Portanto, todo o cuidado é pouco.
Apesar do advento do computador, ainda assim é válida a afirmação popular de que o papel aceita qualquer coisa. Todavia, o leitor raramente é tão flexível. E não sabemos de antemão em que mãos nosso texto irá cair, nem como e nem quando. Tanto pode passar batido e se perder no tempo, sem que mereça uma única e reles leitura, como pode nos meter em terríveis encrencas, dependendo do teor do que escrevemos.
Escrever é uma atividade terrivelmente solitária. Quando você estiver diante da tela em branco do computador (ou de uma folha de papel, caso use o meio antigo de produção de textos), passa a contar somente com você mesmo: com sua memória, com seus conhecimentos, com seu domínio do vocabulário e da gramática e com o seu estilo característico de narrar.
Caso tenha um súbito “apagão mental”, se esqueça de algum detalhe pertinente ao texto que estiver produzindo, esqueça de pedir socorro. Não terá ninguém a quem recorrer e com o qual possa contar. Se isso ocorrer, manda a prudência, não escreva. Adie para outro dia, em que estiver mais concentrado e disposto, o que pretendia escrever. Se já tiver iniciado o texto, aborte-o de imediato.
Esse exercício de criação é caprichoso. Às vezes você passa dias com um assunto na cabeça. Mentalmente, já está com o esqueleto do texto perfeitamente formado, bastando, apenas, revesti-lo de palavras. Mas na hora de descarregá-lo na telinha do computador (supondo que você seja um redator prático e moderno), sai tudo diferente do que projetou. Às vezes, é verdade, a coisa sai melhor do que a encomenda. O produto final se revela com muito mais qualidade do que você achava antes de iniciar a redação.
No curso da narrativa, por exemplo, vêm-lhe à mente, como num lampejo, idéias sobre as quais você sequer cogitava a princípio. E você finda por produzir, para sua satisfação e surpresa, sua obra-prima. Alguns chamam isso de “inspiração”. Prefiro classificá-lo de “indução”. Ou seja, um raciocínio induz outro, que por sua vez remete a um terceiro e, assim, sucessivamente. E, quando percebemos, a narrativa mudou completamente de rumo e é bem diversa daquela originalmente planejada. Quando isso ocorre para melhor, é uma bênção, um achado.
Mas nem sempre é o que se verifica. Em boa parte das vezes, essa alteração de rumo nos conduz a impasses, a beiras de abismos e, quando isso ocorre, o mais prudente é abortar a narrativa e partir para outra. Se teimarmos, poderemos nos dar mal (e, via de regra, nos damos mesmo).
A maioria dos escritores sente compulsão para escrever. Às vezes nem está disposta, o corpo pede repouso ou distrações, mas uma determinada idéia permanece sufocada, com falta de ar, querendo vir a lume para poder “respirar”. O romancista inglês Ian McEwan (ganhador do Book Prize de 1998), explicou assim a razão desse “incômodo”: “A mente do narrador está sempre envolvida em um ambiente claustrofóbico”.
Idéias existem para serem transmitidas. Sufocadas, elas morrem no fundo da nossa mente e nos envenenam o espírito com seus restos mortais. Precisam de luz para sobreviver. Requerem ar, muito ar para respirar. São astutas, capciosas, ardilosas e ditatoriais e nos escravizam aos seus propósitos.
Há escritores que consideram sua atividade (ou, pelo menos, a comparam dessa maneira) um ato de exorcismo. É quando eles exorcizam seus demônios interiores e sentem-se relaxados, até que haja novo surto de imposições de idéias. Os que conseguem conviver com esse estado de perpétua tensão, produzem obras marcantes, imortais e notáveis e até sentem prazer em escrever. Seria masoquismo? Talvez.
Nem todos, no entanto, são assim. Muitos, por despreparo técnico, ou psicológico ou por falta de autodisciplina, sucumbem. São envenenados pelos restos mortais de idéias que não sobreviveram por falta de luz e de ar. Tornam-se amargos, arredios e não raro recorrem ao álcool ou às drogas, para aplacar os demônios interiores. São esmagados pelo talento, que se recusam a utilizar com responsabilidade e sabedoria.
A atividade de escritor é sumamente fascinante, mas, ao mesmo tempo, perigosa e não raro frustrante. Ademais, implica em uma responsabilidade que quem não é do ramo sequer desconfia. Não posso sair por aí escrevendo, a torto e a direito, tudo o que me vem à cabeça, sem atentar para o que, como e para quem escrevo. Quem age dessa maneira não chega a lugar algum e, não raro, se mete em imensas encrencas. Na melhor das hipóteses, dependendo do que escreveu, cai em ridículo. Portanto, todo o cuidado é pouco.
Apesar do advento do computador, ainda assim é válida a afirmação popular de que o papel aceita qualquer coisa. Todavia, o leitor raramente é tão flexível. E não sabemos de antemão em que mãos nosso texto irá cair, nem como e nem quando. Tanto pode passar batido e se perder no tempo, sem que mereça uma única e reles leitura, como pode nos meter em terríveis encrencas, dependendo do teor do que escrevemos.
Escrever é uma atividade terrivelmente solitária. Quando você estiver diante da tela em branco do computador (ou de uma folha de papel, caso use o meio antigo de produção de textos), passa a contar somente com você mesmo: com sua memória, com seus conhecimentos, com seu domínio do vocabulário e da gramática e com o seu estilo característico de narrar.
Caso tenha um súbito “apagão mental”, se esqueça de algum detalhe pertinente ao texto que estiver produzindo, esqueça de pedir socorro. Não terá ninguém a quem recorrer e com o qual possa contar. Se isso ocorrer, manda a prudência, não escreva. Adie para outro dia, em que estiver mais concentrado e disposto, o que pretendia escrever. Se já tiver iniciado o texto, aborte-o de imediato.
Esse exercício de criação é caprichoso. Às vezes você passa dias com um assunto na cabeça. Mentalmente, já está com o esqueleto do texto perfeitamente formado, bastando, apenas, revesti-lo de palavras. Mas na hora de descarregá-lo na telinha do computador (supondo que você seja um redator prático e moderno), sai tudo diferente do que projetou. Às vezes, é verdade, a coisa sai melhor do que a encomenda. O produto final se revela com muito mais qualidade do que você achava antes de iniciar a redação.
No curso da narrativa, por exemplo, vêm-lhe à mente, como num lampejo, idéias sobre as quais você sequer cogitava a princípio. E você finda por produzir, para sua satisfação e surpresa, sua obra-prima. Alguns chamam isso de “inspiração”. Prefiro classificá-lo de “indução”. Ou seja, um raciocínio induz outro, que por sua vez remete a um terceiro e, assim, sucessivamente. E, quando percebemos, a narrativa mudou completamente de rumo e é bem diversa daquela originalmente planejada. Quando isso ocorre para melhor, é uma bênção, um achado.
Mas nem sempre é o que se verifica. Em boa parte das vezes, essa alteração de rumo nos conduz a impasses, a beiras de abismos e, quando isso ocorre, o mais prudente é abortar a narrativa e partir para outra. Se teimarmos, poderemos nos dar mal (e, via de regra, nos damos mesmo).
A maioria dos escritores sente compulsão para escrever. Às vezes nem está disposta, o corpo pede repouso ou distrações, mas uma determinada idéia permanece sufocada, com falta de ar, querendo vir a lume para poder “respirar”. O romancista inglês Ian McEwan (ganhador do Book Prize de 1998), explicou assim a razão desse “incômodo”: “A mente do narrador está sempre envolvida em um ambiente claustrofóbico”.
Idéias existem para serem transmitidas. Sufocadas, elas morrem no fundo da nossa mente e nos envenenam o espírito com seus restos mortais. Precisam de luz para sobreviver. Requerem ar, muito ar para respirar. São astutas, capciosas, ardilosas e ditatoriais e nos escravizam aos seus propósitos.
Há escritores que consideram sua atividade (ou, pelo menos, a comparam dessa maneira) um ato de exorcismo. É quando eles exorcizam seus demônios interiores e sentem-se relaxados, até que haja novo surto de imposições de idéias. Os que conseguem conviver com esse estado de perpétua tensão, produzem obras marcantes, imortais e notáveis e até sentem prazer em escrever. Seria masoquismo? Talvez.
Nem todos, no entanto, são assim. Muitos, por despreparo técnico, ou psicológico ou por falta de autodisciplina, sucumbem. São envenenados pelos restos mortais de idéias que não sobreviveram por falta de luz e de ar. Tornam-se amargos, arredios e não raro recorrem ao álcool ou às drogas, para aplacar os demônios interiores. São esmagados pelo talento, que se recusam a utilizar com responsabilidade e sabedoria.
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