Tuesday, October 28, 2008

Vasto renascer


Pedro J. Bondaczuk

“... A superfície civilizada da terra é um vasto renascer de coisas e idéias”. Bela frase! Bela e verdadeira! Todavia, não é (infelizmente) da minha lavra. Bem que eu gostaria que fosse minha. O que fazer? Meu talento não chega a tanto. Quem fez essa constatação foi ninguém mais e ninguém menos do que o escritor que tomei como modelo, como parâmetro, como referencial nessa minha caminhada pelo fascinante mundo da Literatura. Quem pensou em Machado de Assis, acertou.
O “Bruxo do Cosme Velho”, que morreu em 29 de setembro de 1908 (portanto, há um século) escreveu essas marcantes palavras na sua coluna de 1º de julho de 1876, intitulada “História de quinze dias”, que publicava duas vezes por mês no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro.
Não gosto de conceituar escritores e dizer “este é o maior”, “aquele é o menor”, “este é o rei da poesia brasileira”, “aquele é o príncipe” (e eu, então, sou o plebeu dos plebeus!) ou coisa parecida. Para mim, todos os que li são grandes. Devo-lhes infinita gratidão, pois foram meus generosos mestres (sem nada cobrar e sequer me conhecer). Concordo, pois, com Mário Quintana, a esse propósito (e a tantos e tantos outros, para não dizer a todos).
Certa feita, perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem titubear, meu ilustre (e sublime) conterrâneo respondeu, na bucha, com a singeleza e a sinceridade que o caracterizavam: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Diria, no caso, que “nenhum escritor é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Abro, apenas, uma, uma única e exclusivíssima exceção: Machado de Assis.
Considero-o incomparável (e que me perdoem os demais). Digam o que quiserem os meus críticos, chamem-me dos nomes mais feios que quiserem, escrevam furiosos comentários me contestando, entupam minha caixa de correspondência virtual de e-mails malcriados e ofensivos, mas afirmo, e sustento: o Bruxo do Cosme Velho foi, é e continuará sendo, provavelmente, enquanto existir o mundo, o “top”, o máximo, o número um da Literatura Brasileira (e, se bobearem, disputará a liderança mundial). Exagero? Talvez! Parodiando Cazuza, “sou mesmo exagerado”.
Afirmo isso não de ouvir dizer. Li tudo o que tive notícia que Machado de Assis escreveu, inclusive textos nunca publicados em livros. Deliciei-me com seus romances, emocionei-me com sua poesia, aprendi demais com seus contos (gênero em que tento me especializar), “devorei” suas crônicas e conheci (como se tivesse vivido nesses tempos que nos parecem tão remotos, mas que na verdade são tão próximos) como era nosso segundo império através dos seus agudos, inteligentes, oportunos, mas sempre divertidos e bem-humorados comentários políticos.
Quem esperava que eu homenageasse Machadão (forma carinhosa com que sempre me refiro ao meu ídolo) escrevendo alguma resenha de qualquer de seus livros, algum ensaio sobre suas fontes ou, talvez, apresentando dados biográficos supostamente desconhecidos a seu respeito, certamente irá se frustrar. Se o fizesse, convenhamos, não estaria sendo nada original. Por estes dias, certamente, muitos e muitos estão fazendo ou farão tudo isso e divulgarão em jornais, revistas e na TV.
Quem escreve, agora, estas linhas sem nexo, não é o escritor Pedro e muito menos o jornalista ou o crítico literário. É o leitor, apaixonado e agradecido, sem a mínima necessidade de ser objetivo ou sequer coerente. Às favas com a coerência! Ademais, não pretendo, depois de velho, entrar no requisitadíssimo time dos “idiotas da objetividade” (expressão que empresto, com muito gosto, de outro dos meus favoritos, Nelson Rodrigues).
Machado de Assis escreveu, nesse mesmo comentário que citei: “Passam-se os séculos, as repúblicas, as paixões; a história faz-se dia por dia, folha a folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se, modificam-se, transformam-se”. Só faltou posar com uma caveira nas mãos, com esta legenda: “sic transit gloriam mundi”. Pois é assim que tudo termina: em alterações, corrupção, mudanças e transformações. Em poeira e esquecimento.
Mas, o consolo é que, como Machado frisou, “toda a superfície civilizada da terra é um vasto renascer de coisas e idéias”. Minha esperança é que, quando se completar o segundo século do “encantamento” do nosso escritor número um (afinal, como garantiu Guimarães Rosa, os grandes homens nunca morrem, “ficam encantados”), em 2108, esta destrambelhada crônica seja encontrada por alguém, alhures. E que, apesar da sua falta de coerência e de objetividade, seja a semente do renascer das idéias que Machado de Assis nos legou. Tenho a maluca pretensão de que, de fato, seja.

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