Casa Branca usa cautela e bom senso
Pedro J. Bondaczuk
A visita que o recém eleito presidente russo, Bóris Yeltsin, está fazendo aos Estados Unidos está sendo considerada, cautelosamente, pelo governo do presidente George Bush, como de "caráter particular". E nem poderia ser diferente. Se os governadores do Texas, ou da Califórnia – o equivalente norte-americano da Rússia em termos de riqueza – fossem a Moscou, não seriam recebidos no Cremlin como chefes de Estado, embora viessem, certamente, a ter uma recepção de acordo com sua importância política.
Antes do reformista radical embarcar para esse giro de quatro dias, circularam várias especulações, algumas até delirantes e revestidas de um certo linguajar característico da guerra fria, que se apregoa que tenha terminado.
Vários analistas interpretaram a viagem como um desafio ao presidente Mikhail Gorbachev, uma clara contestação ao seu poder. Se Yeltsin teve essa intenção, cometeu uma imperdoável gafe. Bush, porém, não caiu nessa armadilha.
Anteontem, a Casa Branca, através de funcionários de alto escalão, expressou que reconhece no líder do Cremlin a única e maior autoridade da União Soviética. E nem poderia ser diferente. O presidente norte-americano jamais recepcionaria, por exemplo, o governador de São Paulo, Luís Antonio Fleury, da mesma forma com que recebeu o presidente Fernando Collor. Nem o governador da Baviera como acolheria o chanceler alemão Helmut Kohl. Ou o governador do Punjab com o mesmo cerimonial que seria dispensado a Narasimha Rao, caso este de fato venha a se tornar o novo primeiro-ministro indiano, como tudo parece indicar. Com Yeltsin, evidentemente, não poderia ser diferente.
Ninguém nega seu prestígio político e o fato dele ser o segundo dirigente soviético de alto escalão – o primeiro foi o georgiano Zviad Gamsakhurdia – a ser eleito pelo voto direto. É verdade que a Geórgia não possui, de maneira alguma, a importância política, econômica e estratégica da Rússia, mas coube a ela essa primazia.
As Repúblicas, na URSS, em sua conformação atual, correspondem a Estados, como são São Paulo, no Brasil; a Califórnia, nos Estados Unidos ou o Punjab, na Índia. Seus dirigentes, na verdade, possuem até menos poderes do que os governadores das unidades mencionadas. Ademais, Bóris Yeltsin e Mikhail Gorbachev são faces diferentes de uma mesma moeda.
O primeiro somente obteve o êxito político que teve por causa do segundo. Deve muito do seu prestígio à coragem do presidente soviético em mudar a vida política do seu país e à sua lucidez em entender que o comunismo, da forma que estava, fatalmente levaria a superpotência oriental à catástrofe.
Uma eventual queda do líder do Cremlin implicaria, sem sombra de dúvida, num fechamento do regime, numa ditadura nos moldes da que existiu com a subida de Joseph Stalin ao poder, após a morte de Lenin, em 1924 e que perdurou até o falecimento do ditador em 1953.
As chamadas "forças democráticas" na URSS estão muito divididas, bastante confusas, sem um projeto claro e definido para manter coesa essa sociedade integrada por mais de 100 etnias.
Gorbachev, por qualquer aspecto que se encare, é a salvaguarda, o escudo, a proteção de Yeltsin. E sobretudo é o adversário que lhe rende votos e prestígio, por poder ser atacado e reagir aos ataques democraticamente, sem o recurso que caracterizou esse país até 1985, das prisões arbitrárias, campos de trabalhos forçados e manicômios utilizados para se livrar de opositores incômodos.
(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 20 de junho de 1991).
Pedro J. Bondaczuk
A visita que o recém eleito presidente russo, Bóris Yeltsin, está fazendo aos Estados Unidos está sendo considerada, cautelosamente, pelo governo do presidente George Bush, como de "caráter particular". E nem poderia ser diferente. Se os governadores do Texas, ou da Califórnia – o equivalente norte-americano da Rússia em termos de riqueza – fossem a Moscou, não seriam recebidos no Cremlin como chefes de Estado, embora viessem, certamente, a ter uma recepção de acordo com sua importância política.
Antes do reformista radical embarcar para esse giro de quatro dias, circularam várias especulações, algumas até delirantes e revestidas de um certo linguajar característico da guerra fria, que se apregoa que tenha terminado.
Vários analistas interpretaram a viagem como um desafio ao presidente Mikhail Gorbachev, uma clara contestação ao seu poder. Se Yeltsin teve essa intenção, cometeu uma imperdoável gafe. Bush, porém, não caiu nessa armadilha.
Anteontem, a Casa Branca, através de funcionários de alto escalão, expressou que reconhece no líder do Cremlin a única e maior autoridade da União Soviética. E nem poderia ser diferente. O presidente norte-americano jamais recepcionaria, por exemplo, o governador de São Paulo, Luís Antonio Fleury, da mesma forma com que recebeu o presidente Fernando Collor. Nem o governador da Baviera como acolheria o chanceler alemão Helmut Kohl. Ou o governador do Punjab com o mesmo cerimonial que seria dispensado a Narasimha Rao, caso este de fato venha a se tornar o novo primeiro-ministro indiano, como tudo parece indicar. Com Yeltsin, evidentemente, não poderia ser diferente.
Ninguém nega seu prestígio político e o fato dele ser o segundo dirigente soviético de alto escalão – o primeiro foi o georgiano Zviad Gamsakhurdia – a ser eleito pelo voto direto. É verdade que a Geórgia não possui, de maneira alguma, a importância política, econômica e estratégica da Rússia, mas coube a ela essa primazia.
As Repúblicas, na URSS, em sua conformação atual, correspondem a Estados, como são São Paulo, no Brasil; a Califórnia, nos Estados Unidos ou o Punjab, na Índia. Seus dirigentes, na verdade, possuem até menos poderes do que os governadores das unidades mencionadas. Ademais, Bóris Yeltsin e Mikhail Gorbachev são faces diferentes de uma mesma moeda.
O primeiro somente obteve o êxito político que teve por causa do segundo. Deve muito do seu prestígio à coragem do presidente soviético em mudar a vida política do seu país e à sua lucidez em entender que o comunismo, da forma que estava, fatalmente levaria a superpotência oriental à catástrofe.
Uma eventual queda do líder do Cremlin implicaria, sem sombra de dúvida, num fechamento do regime, numa ditadura nos moldes da que existiu com a subida de Joseph Stalin ao poder, após a morte de Lenin, em 1924 e que perdurou até o falecimento do ditador em 1953.
As chamadas "forças democráticas" na URSS estão muito divididas, bastante confusas, sem um projeto claro e definido para manter coesa essa sociedade integrada por mais de 100 etnias.
Gorbachev, por qualquer aspecto que se encare, é a salvaguarda, o escudo, a proteção de Yeltsin. E sobretudo é o adversário que lhe rende votos e prestígio, por poder ser atacado e reagir aos ataques democraticamente, sem o recurso que caracterizou esse país até 1985, das prisões arbitrárias, campos de trabalhos forçados e manicômios utilizados para se livrar de opositores incômodos.
(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 20 de junho de 1991).
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