Wednesday, October 22, 2008

Sensação de já vivido


Pedro J. Bondaczuk

A nossa mente encerra mais mistérios do que possa prever “nossa vã filosofia”. Há coisas que não compreendo e, certamente, jamais irei compreender, por maior que seja a minha evolução mental e intelectual.
Você, paciente leitor, já não teve algum dia a estranhíssima sensação de já “ter vivido esse momento” que tem certeza de estar vivendo pela primeira vez? Ao ir a um determinado lugar, em que nunca esteve, não lhe parece que ele é familiar e que já pisou ali, sem se lembrar quando?
Eu já passei por essa experiência e mais de uma vez. Não raro cruzo com pessoas que tenho absoluta certeza de já as conhecer, mesmo sem nunca antes haver sequer sabido da sua existência. Algo nelas – a aparência, a voz, os gestos – desperta-me vaga lembrança de um conhecimento prévio que, no entanto, nunca existiu.
Aliás, a esse propósito, vivi uma experiência que hoje me desperta riso, mas que na ocasião me deixou muito constrangido. Ocorreu há uns 40 anos, mas lembro-me nitidamente do episódio, como se tivesse acontecido ontem.
Estava eu, certa vez, na Estação da Luz, esperando o trem subúrbio para São Caetano do Sul, onde residia, quando a uns vinte passos de onde estava, na plataforma de embarque para o ABC, vi uma pessoa com a qual não me encontrava há uns cinco anos. Fiz-lhe um sinal de cabeça, e ela nem se tocou. Deve ter pensado que não era para ela.
Aproximei-me do tal indivíduo e, sem mais delongas, sem um olá ou aperto de mão sequer, fui logo lhe dando um abraço, desses de urso, que os amigos dão uns nos outros quando se reencontram, após prolongado período sem se verem. A tal pessoa olhou-me, entre atônita e desconfiada, fez pressão para desvencilhar-se dos meus braços, e me perguntou: “quem é você?”, sem dissimular certa hostilidade.
Interpretei aquele gesto como uma espécie de gozação do amigo (ou de quem eu supunha que fosse), até notar, pela sua expressão, que ele não estava brincando. “Ora, Rodrigo, deixe de brincadeira! Claro que você sabe que sou o Pedrão!”, disse-lhe, já um tanto irritado. O sujeito olhou-me de alto abaixo, afastou-se uns três passos e respondeu, pronto para brigar: “Não conheço você!! Não sei de nenhum Pedrão!”.
Foi aí que me toquei que poderia estar falando com a pessoa errada. Desculpei-me, ainda não totalmente convencido do engano e tentei me explicar, para que a pessoa não me interpretasse mal. Suspeito que não tive sucesso. Não culpo o sujeito por sua intempestiva reação. Afinal, já naquele tempo, São Paulo convivia com assaltos de toda a sorte, especialmente com a ação de batedores de carteira, embora muitíssimo menos do que nos dias de hoje, convenhamos. E, nessas circunstâncias... todo cuidado é pouco.
“Não me chamo Rodrigo e nunca lhe vi mais gordo”, completou o irritadíssimo cidadão, que certamente interpretou a minha abordagem como um gesto de malandrangem ou algo pior para a minha reputação. Eu não sabia onde enfiar a cara. Disfarcei e me afastei de fininho, uns vinte metros do tal cidadão, para sequer viajarmos no mesmo vagão.
No caminho para casa, fui refletindo sobre o episódio, ainda não convencido do meu engano. “Não é possível!”, pensei. A pessoa que eu havia abordado era, sem tirar e nem pôr, meu amigo Rodrigo. Tinha o mesmo jeito de pentear o cabelo, a mesmíssima aparência, o mesmo olhar, o mesmo timbre de voz, tudo. Até hoje tenho dúvidas a respeito. Não deveria ter, pois dias depois, encontrei o “verdadeiro” Rodrigo, agora com um pé atrás em relação a essa pessoa. Foi ele que tomou a iniciativa de vir ao meu encontro e me dar um forte abraço.
Narrei-lhe o acontecido na Estação da Luz e ele jurou-me que não era ele quem eu havia encontrado e feito tão desastrada abordagem. Garantiu-me que, na ocasião, sequer estava em São Paulo, pois se encontrava em casa de parentes, no Norte do Paraná. Até hoje, confesso, não me convenci do suposto “engano”.
Com lugares, essa sensação de “já visto” é ainda mais aguda e mais freqüente. Quando estive pela primeira vez em Pernambuco, por exemplo, senti isso em Caruaru, onde jamais estivera antes, ao visitar determinado bosque.
Alguma coisa insistia em me dizer: “você já esteve aqui”. E mais, tive a sensação de que, atrás de uma cortina de árvores cerradas, havia um riacho de águas cristalinas. Resolvi conferir e, para o meu pasmo... havia mesmo.
Como eu poderia saber, se nunca havia estado naquele lugar?! Até hoje não entendo este e outros tantos episódios semelhantes (ou, pelo menos, parecidos) pelos quais passei. Jorge Luiz Borges escreveu o seguinte sobre esse tipo de situação, no livro “História da Eternidade”: “A sensação ‘de já ter vivido esse momento’ por vezes nos deixa pensativos. Os partidários do eterno regresso nos juram que é assim e buscam uma corroboração de sua fé nesses estados de perplexidade. Esquecem que a lembrança implicaria uma novidade que é a negação da tese e que o tempo a iria aperfeiçoando – o ciclo distante em que o indivíduo já prevê seu destino, e prefere agir de outro modo”.
Por que temos esse tipo de sensação? É mera coincidência? Algum ancestral meu já se encontrou com pessoas parecidas ou esteve nesses lugares e me transmitiu, na herança genética que me legou, essas informações? Existe esse tipo de registro e, se existe, ele é transmitido de geração a geração? Há, de fato, o eterno regresso? Claro que, racional e cartesiano como sou, não creio nessa hipótese. Então, como explicar esse fenômeno? Há ou não há, pois, “mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia?!”

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