Sunday, October 12, 2008

DIRETO DO ARQUIVO


O principal patrimônio


Pedro J. Bondaczuk


A principal função de um estadista, qualquer que seja a sua ideologia ou origem, é zelar pela liberdade, saúde, prosperidade e bem-estar dos cidadãos do seu país. Uma sociedade nacional não é composta apenas por um território, um governo e um objetivo. Aquilo que lhe dá consistência é o seu povo e a capacidade deste de produzir e de conviver em harmonia, dentro de um coerente e justo elenco de normas legais.

Por esta razão, causa uma revolta imensa às pessoas de bom senso a notícia, vinda da Etiópia, de que o governo daquele país vem desviando, sistematicamente, a ajuda alimentícia internacional destinada a evitar que no mínimo seis milhões de pessoas (o equivalente a mais da metade da população da cidade de São Paulo, por exemplo) venha a morrer de fome nos próximos dias, nesse pobre país africano.

Ao invés de alimentar a sua gente, o regime do tenente-coronel Mengistu Hailé Marian, de ideologia marxista, está usando esses recursos humanitários para sufocar a guerrilha em duas províncias etíopes, Eritréia e Tigre, que luta para separar essas regiões da Etiópia.

Com isso, o que consegue, na verdade, é crescente adesão aos rebeldes, por demonstrar, não apenas uma insensibilidade fabulosa, mas, sobretudo, uma incompetência administrativa raramente vista nestes tempos, muito fartos de incompetentes e de farsantes travestidos de salvadores da pátria.

Após a deposição do imperador Hailé Selassié, herói nacional da Segunda Guerra Mundial e homem responsável pela modernização do país, aquela ex-colônia italiana, do período de 1935 a 1941, conheceu uma militarização jamais vista em termos de continente africano.

Em 1975, os soviéticos estabeleceram uma ponte aérea, com vinte vôos diários, do território russo a Addis-Abeba, despejando, em duas semanas, toneladas e toneladas de armas de todos os tipos, as mais sofisticadas possíveis, para os etíopes se matarem.

Por que não alimentos, se a grande seca da Etiópia, cujas conseqüências maiores se fazem sentir agora, já matava na época centenas de pessoas de fome? Comida não garante o poder, não é mesmo? Não evita a deposição de um governo, que não tem a mínima consideração por um povo, cuja renda per capita é a terceira mais baixa do mundo, ou seja, US$ 120 anuais. Não sufoca justos descontentamentos de uma população, em que 90% das pessoas são analfabetas e onde a expectativa média de vida é de 39 anos. Não dá “status” perante os vizinhos.

Enquanto a ajuda internacional, que aliás é muito reduzida para as proporções da tragédia, é desviada para o prosseguimento de uma estúpida guerra civil, que poderia ser solucionada se houvesse um mínimo de tino político do regime, mais de mil pessoas morrem de fome por semana em apenas três províncias etíopes.

Enquanto o governo marxista recebe um carregamento de 500 mil garrafas de uísque escocês, mais de dez milhões de seres humanos não terão o que comer, na Etiópia, nos próximos seis meses. De quem é a culpa disso tudo?

Uma nação não se faz com armas e ideologia. Nem com ambições pessoais postas acima das aspirações coletivas e escravização da população, submetida por algum tirano que usa o seu potencial produtivo para satisfazer interesses mesquinhos. Fundamenta-se no homem, no cidadão, no indivíduo, seu maior patrimônio e o tesouro que todo grande estadista tem a obrigação e a missão de zelar.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 27 de outubro de 1984).

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