Wednesday, October 08, 2008

Geográfico e universal


Pedro J. Bondaczuk


A noite, embora ocorra em momentos diferentes no mundo – pelo fato, claro, da Terra ser redonda – é usufruída praticamente da mesma forma por todos os seres viventes (homens, animais e vegetais). Ou seja, é o momento de descanso de uma longa atividade (e algumas vezes, de perpétua inatividade, pois a vagabundagem também cansa). No caso humano, presta-se, também, para o lazer dos noctívagos. Ou para o amor dos que se amam. E, principalmente, para o sono benigno e reparador da totalidade dos seres vivos.
Claro, há exceções. Há milhões de pessoas, mundo afora, que trocam a noite pelo dia, no trabalho árduo e sacrificado da enfermeira, do médico de plantão, do jornalista, do policial etc.etc.etc. Esses profissionais fazem isso para manter as coisas funcionando da melhor maneira possível. E, de certa forma, mantêm.
Pode-se, porém, afirmar que a noite é “universal”. Já o dia... Tem características próprias em cada recanto do mundo, de acordo com a realidade de cada um. É nele que, em geral, se desenrola este drama maluco, nonsense e um tanto surrealista, que caracteriza a humanidade, com seus atos de violências, injustiças, prepotência, egoísmo e estupidez de todas as formas e dimensões.
Não que isso não ocorra, também, à noite. Mas ocorre em muito menor número, convenhamos, embora seja nela que os ladrões concentrem sua “atividade”. O dia, portanto, é “geográfico”. Não acumplicia a maior parte da humanidade. Particulariza nossa visão aos estritos limites do Planeta.
Por exemplo, durante o dia, um dia qualquer, ao olharmos para o alto, o que vemos? Um céu azul, sem nuvens (se for de sol), ou nem isso, mas um horizonte nublado e cinzento, mais da cor de chumbo (se for chuvoso). Nosso olhar, portanto, não consegue devassar o infinito. Já à noite... Caso seja de tempo bom, podemos ver o brilho de uma infinidade de estrelas, além da lua, até onde nossa visão alcança.
É nesse período que podemos nos dar conta, a olho nu, da existência de outros mundos – bilhões, trilhões, “zilhões”, um número incontável e inconcebível à limitada mente humana deles – alguns (sabe-se lá quantos) com vida inteligente e, quiçá, mais inteligente do que a nossa. É quando nos damos conta (ou deveríamos nos dar) da nossa pequenez face a esse conjunto de astros e estrelas e tremendos espaços vazios e sem luz.
Se formos minimamente conscientes (já nem digo sábios), nos poremos, humildemente, em nossos devidos lugares e nos convenceremos de que não somos, como às vezes chegamos a pensar, “o centro do universo”, mas, quando muito, nos constituímos numa espécie de limites entre o micro e o macrocosmo. E olhem que não é um papel tão pífio quanto possa, à primeira vista, parecer.
Não há, portanto, nenhum exagero quando se afirma que a noite é universal. Essa classificação, destaco, não é minha (embora eu concorde com ela), mas do poeta Cassiano Ricardo. Nos versos finais do poema “Coroa mural”, ele escreve: “O dia é geográfico./A noite é universal./Mas se Deus ouvir rádio,/ouvirá o meu grito:/por que a noite nos une/e o dia nos separa”?
Claro que o Criador não precisa desse pífio recurso humano para saber o que se passa em nossos corações e mentes e atender nossos justos apelos. Trata-se de uma criativa e original metáfora do poeta, para ilustrar a maneira humana de tomar ciência do que acontece mundo afora.
Melhor do que o rádio, sem dúvida, é a prece, maneira direta, e infinitamente mais eficaz, de ser ouvido pelo Eterno. Muitos não crêem nela (e nem em Deus), o que mostra, sobretudo, sua alienação. Como não acreditar numa sabedoria absoluta, num poder criador e mantenedor de todas as coisas, face a tantas e tantas maravilhas que nos cercam? Como descrer quando o simples fato de existirmos, e de pensarmos, e até de termos a faculdade e o atrevimento de duvidar da existência de quem criou tudo isso (e a nós) é, sob qualquer aspecto que se encare, algo fantástico e miraculoso?!
Quando me refiro a prece, não estou pensando, claro, naquelas palavras decoradas, que muitas pessoas murmuram inconscientes diante de um altar ou de uma imagem qualquer, sem atentarem para seu significado. É verdade que, até estas “rezas” (como o próprio termo já insinua), o Infinito e Eterno (e não importa o nome que lhe dermos, se Deus, Alá, Brahma, Tupã, Jeová etc.) ouve, embora não seja a forma ideal e sequer respeitosa de comunicação com Ele.
A prece não precisa, nem mesmo, ser verbalizada. É até melhor que não seja, pois assim se torna mais íntima e coloquial. Não precisamos dizer absolutamente nada ao Criador para orar. Basta pensar nessa Onipotência e Onisciência e comunicar-Lhe, diretamente, sem intermediários, via pensamento, nossas súplicas e necessidades, particulares e/ou coletivas. Mas este já é um assunto da alçada e competência dos teólogos e não deste humilde escrevinhador...

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