Monday, October 13, 2008

Baile de máscaras


Pedro J. Bondaczuk

A vida em sociedade – seja esta de que natureza for, a família, a escola, a igreja, o clube, a comunidade, o bairro, a cidade, o Estado ou a Nação – pode ser comparada a um grande baile de máscaras, em que procuramos dissimular o que de fato somos, numa espécie de autodefesa. Queiramos ou não, estejamos ou não dispostos a admitir, na maior parte do tempo não nos mostramos em nossa plenitude a ninguém e representamos um determinado papel.
Amiúde, fala-se em “personalidade”, que seria, grosso modo, a nossa essência, o que nos caracteriza de fato. Na verdade, contudo, esta é exatamente a máscara que usamos para esconder nosso rosto. Ninguém é, no íntimo, o que aparenta ser e que busca convencer os outros que seja.
E por que agimos dessa maneira? Por que nos empenhamos tanto em iludir o próximo sobre o que somos, queremos, pensamos, sonhamos etc.? Apenas pelo prazer da contradição? Por sermos, no âmago, rematados patifes? Não creio! Agimos dessa maneira para defender nosso mundo secreto dos olhares indiscretos dos que nos cercam.
Essa dissimulação é uma autodefesa, um escudo, uma couraça cuja eficácia, todavia, é contestável. Desconfio que nunca funciona a contento. Deixamos escapar, aqui e ali, por gestos e palavras, o que de fato somos e buscamos esconder com tamanho afinco. A tentativa, sobretudo, é a de preservar a originalidade dos nossos sonhos e de impedir, assim, que estes venham a ser maculados, e destarte comprometidos, pela intrusão alheia.
Esse teatro, em que se tornou (sabe Deus desde quando) a chamada vida social, ora se constitui em tragédia (na maior parte do tempo), ora em comédia, em que nosso lado patético (e o dos demais “atores”, evidentemente) ressalta, sem que seja, sequer, percebido.
Falta autenticidade na maioria dos relacionamentos, sejam de que natureza forem. Faltam clareza, transparência e verdade. Quem levantou, com muita sensibilidade, este tema, foi Luísa Levinson, parceira de Jorge Luiz Borges na coletânea de contos “La Hermana de Heloísa” (que, creio, não foi traduzida para o português e nem publicada no Brasil), que, em determinado trecho escreveu: “Sabe-se que, para viver em sociedade, homens e mulheres procuram máscaras, ou se escondem no que chamamos personalidade, para defender seu mundo secreto e preservar a infância dos sonhos”.
Quanto mais racionais nos tornamos (ou julgamos nos tornar), mais temos que aprender, e nos acostumar, a conviver com a solidão. E essa convivência, quase sempre, nos é intolerável. Optamos, via de regra, por dissimular o que somos, pensamos ou queremos, apenas para não ficarmos sós. Ou seja, aceitamos as regras, vestimos nossa máscara, para, dessa maneira, participar desse grande baile, dessa imensa farsa.
Ademais, nossa evolução (quando ocorre) não é acompanhada, necessariamente, pela dos que nos rodeiam. Estes, muitas vezes, até regridem, o que é mais comum do que se pensa. Entregam-se a superstições, escondem-se no álcool, nas drogas, ou em diversões baratas e banais, que não passam de perda de tempo, evitando o incômodo encontro consigo próprias, numa tentativa desesperada (e inútil) de preencher esse vazio na alma que sentem, mas não sabem definir. Não suportam encarar suas fraquezas, patifarias e defeitos. Por isso, dissimulam o que são, querem e pensam. Vestem, por seu turno, as suas máscaras.
Quantas são as vezes em que, face a grandes sucessos ou a enormes fracassos não ficamos atônitos a nos perguntar: quem, de fato, somos? Na verdade, conhecemos muito pouco a nosso próprio respeito. Certamente, somos muito mais fortes do que pensamos e muito mais frágeis do que gostaríamos de ser.
De tanto nos mascararmos, em determinado momento chegamos a perder de vista a verdadeira identidade. De todo o conhecimento a que temos acesso, o mais complexo é o que se refere a nós. É o de sabermos realmente quem somos, como reagiremos diante de determinado fato e até onde vai nossa capacidade de amar e de nos doar ao próximo.
Esse tema é recorrente em meus textos. Em 23 de setembro de 1974, por exemplo, compus um poema, intitulado “Dissimulação”, com o qual venci um concurso de poesias. Escrevi, na oportunidade: “Figuram-me triste,/com um ar "blasée",/revestido de tédio,/envolto na saudade,/a viver do passado.//E eu revisto o rosto em sombras,/torno os olhos opacos,/os sentimentos "gris",/crispo e selo os lábios.//E desta melancólica armadura/faço um perfeito disfarce,/útil arma de defesa,/escudo protetor,/refúgio indevassável.//Mas a alma, escondida,/secretamente,/estua de alegria.//O coração, à socapa,/mal esconde o seu júbilo./A máscara falsa do rosto/nem sempre pode dissimular/que amo a vida,/que creio em Deus,/que sou feliz!!!”
Que tal se eu não somente assumisse, publicamente, essa felicidade, como a compartilhasse com todos ao meu redor? Que tal se eu vencesse o medo de me expor e inovasse, nesse imenso “baile de máscaras” social, aparecendo exatamente como sou, o que para os outros participantes, certamente, pareceria que eu estivesse mascarado, mesmo sem estar?! É caso para se pensar... Ou, pelo menos, para se tentar, para ver no que dá.

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