Há pessoas com mania de proselitismo, que tentam “fazer a cabeça” dos outros, sem que tenham a própria cabeça feita. Apregoam crenças em que não crêem, religiões que não professam e receitam fórmulas mágicas de amor e felicidade, embora não amem e sejam infelizes. Todos, alguma vez, certamente já cruzamos com alguém assim. Antes de saírem por aí, fazendo pregações, deveriam cuidar dos próprios pensamentos e sentimentos. Jorge de Lima escreve sobre esse tipo no soneto “O acendedor de lampiões”, que encerra com estes magníficos tercetos: “Triste ironia que o senso humano irrita./Ele (o acendedor de lampiões de rua), que doura a noite e ilumina a cidade,/talvez não tenha luz na choupana que habita.//Tanta gente também nos outros insinua/crenças, religiões, amor, felicidade/como este acendedor de lampiões de rua!”. A observação entre parêntesis não é do autor, mas minha.
Friday, October 31, 2008
Fera saciada
Pedro J. Bondaczuk
A humanidade, possivelmente, está à beira de uma catástrofe de proporções imprevisíveis e parece que ninguém vem se dando conta de tamanho perigo. E a ameaça não vem do espaço. Está aqui mesmo, na Terra, se desenhando sinistramente no horizonte, sem que se tomem as mínimas providências para se evitar o pior.
Não me refiro, como destaquei, a nenhuma colisão de cometa, ou de meteorito, com o Planeta, o que também é possível, mas não tão provável. Também não se trata, por exemplo, de súbita e simultânea atividade vulcânica, de todos os milhares de vulcões espalhados mundo afora, o que, se ocorresse, mataria milhões e milhões de pessoas sufocadas por gases e incineradas pelo calor e provocaria nova era glacial, já que as cinzas dessas magníficas fornalhas naturais impediriam que a luz do sol chegasse ao solo por anos e mais anos.
Todos esses riscos são possíveis, mas pelo menos não são iminentes. A catástrofe potencial que pressinto e temo (aliás, essa idéia me apavora) refere-se à produção de alimentos, cada vez menor, em virtude dos caprichos climáticos (secas devastadoras em algumas regiões produtoras e enchentes anormais em outras). Isso mesmo! O perigo que está no ar, e nos ameaça a todos, é o de uma fome mundial como nunca antes se viu.
Não se trata de ressuscitar as previsões, feitas no século XIX, pelo britânico Thomas Robert Malthus, ridicularizadas pela maioria dos economistas, políticos e administradores, mas sempre lógicas. Para os que não se lembram do que se trata, refresco a memória dos esquecidos. Esse sacerdote anglicano lembrou, em memorável e citadíssimo ensaio, que, enquanto a produção de alimentos no mundo cresce em progressão aritmética, a população do Planeta aumenta em progressão geométrica.
Não é necessário ser nenhum gênio para concluir que, em dado momento dessa trajetória, faltará comida para todos. Seus críticos interpretaram que Malthus previa essa catástrofe para o seu tempo ou para os anos vindouros. Todavia, ele não estipulou prazo para que isso ocorresse. Tanto poderia acontecer em anos, quanto em séculos ou até milênios. Mas a lógica inflexível e matemática é uma só. E é facílimo de concluir qual é.
Tenho, agora, em mãos, a revista “IstoÉ”, de nº 2014, de 11 de junho de 2008 e o editorial dessa publicação, redigido por seu Diretor Editorial, Carlos José Marques, começa assim: “A fome no mundo chegou a níveis críticos”. Pois é, não se trata mais de concordar ou discordar de Malthus, mas de constatar um fato. E o ilustre jornalista não é nenhum catastrofista ou alguém ávido por sensacionalismo. Baseou seu texto em números, em dados concretos, no caso, as conclusões do Fundo para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) na conferência que promoveu em Roma na primeira semana de junho de 2008.
O alerta foi feito a quem de direito. Ou seja, a autoridades de 180 países, presentes ao encontro. Estas, no entanto, em vez de apontarem soluções práticas e emergenciais, por mínimas que fossem, perderam precioso tempo discutindo, apenas, aspectos políticos da questão da escassez: o uso de alimentos como arma para constranger governos não-afinados com os interesses das potências; o embargo a Cuba; o protecionismo comercial dos países ricos e outras tantas picuinhas.
O documento final da reunião adverte que “se algo não for feito urgentemente o aumento de preços e a escassez de produtos vão se alastrar de uma forma descontrolada”. Já estão se alastrando. É verdade que o Brasil (bendito Brasil!) acaba de emplacar uma safra agrícola recorde. Mas vários e vários países produtores colheram metade ou menos do que colhem usualmente. Vai daí...
Vejam em que enrascada a humanidade está metida (e a maioria nem se dá conta disso). Um relatório da mesma FAO, divulgado em 2004, dava conta que 75% das espécies vegetais utilizadas na alimentação humana já se perderam, irremediavelmente. Ou seja, estão extintas. Ressalta que apenas três tipos de sementes (arroz, trigo e milho) respondem por dois terços da energia dietética consumida pelo mundo.
E tem mais. A FAO constatou que nos últimos vinte anos, o setor agrícola e de pesca despencou de 22% para 12%, ou seja, quase à metade. E a população, enquanto isso... Nos países pobres, eufemisticamente chamados de “em desenvolvimento”, essa queda foi ainda mais abrupta. Precipitou-se dos 30% para 15%!
Sabem o que mais a FAO informou? Que na atualidade, 41% das terras do Planeta já são desertos ou estão em acelerado processo de desertificação. A cada ano, desaparecem 40 mil quilômetros de florestas tropicais, que se transformam em cinza e carvão. Nesse ritmo (e na verdade a devastação está aumentando e não diminuindo), até 2028, pelo menos 15% da biodiversidade do Planeta terá desaparecido.
Enquanto isso, a ganância, o egoísmo, a ambição desmedida e a burrice campeiam. Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, também de 2004, informava, naquela oportunidade, que o patrimônio de apenas 358 pessoas era maior que a renda anual de 45% da população da Terra (de 6,7 bilhões de habitantes).
Em quatro anos, essa absurda concentração de recursos, não tenham dúvidas, aumentou de forma ainda mais escandalosa. As 200 maiores corporações, que representavam, então, um terço das atividades econômicas mundiais, empregavam, na oportunidade, somente 0,75% (menos de 1%, portanto) da mão de obra disponível no Planeta. Hoje, esse número de empregos é muito menor.
Uma das coisas que nunca consegui entender, desde criança, é o fato de haver tantas pessoas famintas, sem sequer um pedaço de pão duro e amanhecido para tapear a fome, em um mundo que não faz muito ostentava tanta abundância. E num período de escassez mundial, quem o leitor acha que será penalizado e condenado a morrer de inanição? O rico e poderoso? Quem pensar assim é o ingênuo dos ingênuos.
Enquanto houver esse tipo de contradição, jamais poderemos considerar o homem como “civilizado”, a despeito dos seus avanços nos mais diversos campos do conhecimento, como os da ciência, tecnologia, artes, filosofia etc. O escritor russo Máximo Gorki, no conto “O avô e o netinho”, dá a sua explicação para esse comportamento egoísta e maldoso que ainda impera mundo afora. Colocou, na boca de um personagem, esta dura constatação: “O homem de barriga cheia é uma fera e nunca tem pena do que está faminto. O farto e o apenas saciado são inimigos – sempre um é uma felpa no olho do outro, por isso nem um, nem o outro pode sentir piedade pelo que é seu inimigo”.
Infelizmente, o que ainda se vê no mundo (e que se teme que venha a piorar muitíssimo), é o homem como inimigo do homem, em vez de seu aliado para o bem comum. Ainda assim, conservo, contra todas as evidências, uma pontinha de otimismo (sempre fui incorrigível otimista). Mas esta torna-se crescentemente menor em vista do que constato, leio, vejo e ouço a respeito dessa iminente catástrofe, sem que ninguém mova uma palha sequer para evitar. Afinal, otimismo não é e nem deve ser sinônimo de alienação.
A humanidade, possivelmente, está à beira de uma catástrofe de proporções imprevisíveis e parece que ninguém vem se dando conta de tamanho perigo. E a ameaça não vem do espaço. Está aqui mesmo, na Terra, se desenhando sinistramente no horizonte, sem que se tomem as mínimas providências para se evitar o pior.
Não me refiro, como destaquei, a nenhuma colisão de cometa, ou de meteorito, com o Planeta, o que também é possível, mas não tão provável. Também não se trata, por exemplo, de súbita e simultânea atividade vulcânica, de todos os milhares de vulcões espalhados mundo afora, o que, se ocorresse, mataria milhões e milhões de pessoas sufocadas por gases e incineradas pelo calor e provocaria nova era glacial, já que as cinzas dessas magníficas fornalhas naturais impediriam que a luz do sol chegasse ao solo por anos e mais anos.
Todos esses riscos são possíveis, mas pelo menos não são iminentes. A catástrofe potencial que pressinto e temo (aliás, essa idéia me apavora) refere-se à produção de alimentos, cada vez menor, em virtude dos caprichos climáticos (secas devastadoras em algumas regiões produtoras e enchentes anormais em outras). Isso mesmo! O perigo que está no ar, e nos ameaça a todos, é o de uma fome mundial como nunca antes se viu.
Não se trata de ressuscitar as previsões, feitas no século XIX, pelo britânico Thomas Robert Malthus, ridicularizadas pela maioria dos economistas, políticos e administradores, mas sempre lógicas. Para os que não se lembram do que se trata, refresco a memória dos esquecidos. Esse sacerdote anglicano lembrou, em memorável e citadíssimo ensaio, que, enquanto a produção de alimentos no mundo cresce em progressão aritmética, a população do Planeta aumenta em progressão geométrica.
Não é necessário ser nenhum gênio para concluir que, em dado momento dessa trajetória, faltará comida para todos. Seus críticos interpretaram que Malthus previa essa catástrofe para o seu tempo ou para os anos vindouros. Todavia, ele não estipulou prazo para que isso ocorresse. Tanto poderia acontecer em anos, quanto em séculos ou até milênios. Mas a lógica inflexível e matemática é uma só. E é facílimo de concluir qual é.
Tenho, agora, em mãos, a revista “IstoÉ”, de nº 2014, de 11 de junho de 2008 e o editorial dessa publicação, redigido por seu Diretor Editorial, Carlos José Marques, começa assim: “A fome no mundo chegou a níveis críticos”. Pois é, não se trata mais de concordar ou discordar de Malthus, mas de constatar um fato. E o ilustre jornalista não é nenhum catastrofista ou alguém ávido por sensacionalismo. Baseou seu texto em números, em dados concretos, no caso, as conclusões do Fundo para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) na conferência que promoveu em Roma na primeira semana de junho de 2008.
O alerta foi feito a quem de direito. Ou seja, a autoridades de 180 países, presentes ao encontro. Estas, no entanto, em vez de apontarem soluções práticas e emergenciais, por mínimas que fossem, perderam precioso tempo discutindo, apenas, aspectos políticos da questão da escassez: o uso de alimentos como arma para constranger governos não-afinados com os interesses das potências; o embargo a Cuba; o protecionismo comercial dos países ricos e outras tantas picuinhas.
O documento final da reunião adverte que “se algo não for feito urgentemente o aumento de preços e a escassez de produtos vão se alastrar de uma forma descontrolada”. Já estão se alastrando. É verdade que o Brasil (bendito Brasil!) acaba de emplacar uma safra agrícola recorde. Mas vários e vários países produtores colheram metade ou menos do que colhem usualmente. Vai daí...
Vejam em que enrascada a humanidade está metida (e a maioria nem se dá conta disso). Um relatório da mesma FAO, divulgado em 2004, dava conta que 75% das espécies vegetais utilizadas na alimentação humana já se perderam, irremediavelmente. Ou seja, estão extintas. Ressalta que apenas três tipos de sementes (arroz, trigo e milho) respondem por dois terços da energia dietética consumida pelo mundo.
E tem mais. A FAO constatou que nos últimos vinte anos, o setor agrícola e de pesca despencou de 22% para 12%, ou seja, quase à metade. E a população, enquanto isso... Nos países pobres, eufemisticamente chamados de “em desenvolvimento”, essa queda foi ainda mais abrupta. Precipitou-se dos 30% para 15%!
Sabem o que mais a FAO informou? Que na atualidade, 41% das terras do Planeta já são desertos ou estão em acelerado processo de desertificação. A cada ano, desaparecem 40 mil quilômetros de florestas tropicais, que se transformam em cinza e carvão. Nesse ritmo (e na verdade a devastação está aumentando e não diminuindo), até 2028, pelo menos 15% da biodiversidade do Planeta terá desaparecido.
Enquanto isso, a ganância, o egoísmo, a ambição desmedida e a burrice campeiam. Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, também de 2004, informava, naquela oportunidade, que o patrimônio de apenas 358 pessoas era maior que a renda anual de 45% da população da Terra (de 6,7 bilhões de habitantes).
Em quatro anos, essa absurda concentração de recursos, não tenham dúvidas, aumentou de forma ainda mais escandalosa. As 200 maiores corporações, que representavam, então, um terço das atividades econômicas mundiais, empregavam, na oportunidade, somente 0,75% (menos de 1%, portanto) da mão de obra disponível no Planeta. Hoje, esse número de empregos é muito menor.
Uma das coisas que nunca consegui entender, desde criança, é o fato de haver tantas pessoas famintas, sem sequer um pedaço de pão duro e amanhecido para tapear a fome, em um mundo que não faz muito ostentava tanta abundância. E num período de escassez mundial, quem o leitor acha que será penalizado e condenado a morrer de inanição? O rico e poderoso? Quem pensar assim é o ingênuo dos ingênuos.
Enquanto houver esse tipo de contradição, jamais poderemos considerar o homem como “civilizado”, a despeito dos seus avanços nos mais diversos campos do conhecimento, como os da ciência, tecnologia, artes, filosofia etc. O escritor russo Máximo Gorki, no conto “O avô e o netinho”, dá a sua explicação para esse comportamento egoísta e maldoso que ainda impera mundo afora. Colocou, na boca de um personagem, esta dura constatação: “O homem de barriga cheia é uma fera e nunca tem pena do que está faminto. O farto e o apenas saciado são inimigos – sempre um é uma felpa no olho do outro, por isso nem um, nem o outro pode sentir piedade pelo que é seu inimigo”.
Infelizmente, o que ainda se vê no mundo (e que se teme que venha a piorar muitíssimo), é o homem como inimigo do homem, em vez de seu aliado para o bem comum. Ainda assim, conservo, contra todas as evidências, uma pontinha de otimismo (sempre fui incorrigível otimista). Mas esta torna-se crescentemente menor em vista do que constato, leio, vejo e ouço a respeito dessa iminente catástrofe, sem que ninguém mova uma palha sequer para evitar. Afinal, otimismo não é e nem deve ser sinônimo de alienação.
Thursday, October 30, 2008
REFLEXÃO DO DIA
O tempo cobra-nos duro preço, em termos de desgastes, principalmente físicos. Olhamo-nos, todos os dias, no espelho, e não notamos as mudanças que ocorrem em nosso rosto. Hoje, uma ruga, amanhã, um cabelo branco, depois, um início de calvície, mas passamos batidos de cada transformação. Subitamente, certo dia, assim, de repente, sem sabermos porque, notamos, assustados, de uma só vez, essa sucessão de desgastes. E, ao analisarmos nossas idéias e sentimentos, percebemos que também não são iguais aos de alguns anos atrás. Não mais nos reconhecemos. Descobrimos que somos outros! Isso, porém, não deve nos preocupar, se as mudanças, pelo menos no plano mental, forem para melhor. Mas... e se não forem? O poeta Jorge Castañeda tratou com maestria deste assunto no poema “Retorno”, que conclui com estes versos: “Retorno,/tantos anos de vagares/desfiguraram meu rosto;/já não sou mais o de antes;/Deus meu, sou outro!”.
Verdadeira superioridade
Pedro J. Bondaczuk
O poeta e aventureiro italiano, Gabriele D’Annunzio, escreveu, em certa ocasião, algo que desde que li, não parei mais de meditar a respeito. Ressalto que, nem tudo o que ele fez e/ou escreveu é do meu agrado. Já escrevi, inclusive, a seu respeito, em texto anterior, publicado aqui mesmo, neste nobre espaço, apontando aspectos nada exemplares da sua vida e sua obra.
Porém, este trecho, para mim, é especialmente marcante, e concordo com cada uma das suas palavras, cuja veracidade tive a oportunidade de comprovar. A referida citação é a seguinte: “É preciso fazer a própria vida como se faz uma obra de arte. É preciso que a vida de um homem inteligente seja produzida por ele. A verdadeira superioridade não passa disso”. Não passa mesmo!
Conheci uma pessoa que agiu exatamente dessa forma: fez da vida uma sucessão de exemplos, perfeita e belíssima obra de arte. Não se tratou, aviso de antemão, de nenhum astro de rock, ator de novela ou cinema, jogador de futebol ou algo que o valha. Não foi político, médico, engenheiro, advogado, jornalista, cientista etc. etc. etc., nada disso.
Essa pessoa que conheci, e a que me refiro, foi simples mestre-de-obras. Aliás, meu relacionamento com ela foi mais, muito mais do que o de mero conhecimento. Esse ser humano especial é, antes de tudo, responsável por eu existir. E, muito mais ainda do que isso, me incutiu na mente – não mediante meras palavras, mas por ações, atitudes e exemplos –, a ferro e fogo, os princípios que sempre nortearam (e ainda norteiam, claro) os meus passos há já um par de décadas. É meu ídolo, meu herói, meu paradigma, meu referencial.
Refiro-me ao meu pai, a quem devo, há tempos, este comovido testemunho público (que se danem os que acharem este texto piegas!). E para que fique devidamente consignado, e todos os que lerem estas confidências saibam quem de fato foi, declino, com orgulho, seu nome: Ananii Bondaczuk.
Quem o conheceu pessoalmente (e foram muitos, já que se tratava de pessoa extremamente comunicativa, com um círculo de amigos que não tinha fim), sabe que, se algum exagero houver em minhas palavras, este é para menos. Ou seja, foi um homem muito mais exemplar do que eu conseguiria expressar.
Em sua aldeia natal, na Rússia – de onde saiu, aos 16 anos, em 1937, por decisão de seu pai, meu avô, que era muito religioso e lutava por liberdade para exercer sua crença – foi um estudante aplicado e curioso. Não é nenhum exagero dizer que era um aluno brilhante, sempre obtendo a nota máxima em todas as disciplinas. Amava os estudos!
Arrancado de suas raízes, veio parar em um país exótico, onde tudo era diferente do que até então conhecera: língua, costumes, clima etc. Não tardou, porém, em se adaptar. E adotou o Brasil como sua única e definitiva pátria nos 70 anos que aqui viveu. Dava gosto de vê-lo defendendo sua terra de adoção de críticas de outros imigrantes (e de próprios brasileiros), com vigor inusitado e com incontida paixão.
Na mocidade, perambulou pela Argentina, trabalhando na construção de estradas. Sonhava cursar engenharia, mas nunca conseguiu. As circunstâncias não permitiram que realizasse esse sonho. Casou jovem, aos 21 anos e, um ano depois, já era pai. Teve, contudo, a infelicidade de ver seu filho mais velho acometido de paralisia infantil. Não se abateu. Decidiu que, paralítico ou não, faria desse menino um vencedor. E fez.
Mudou-se para São Paulo, apenas com a roupa do corpo, mal sabendo falar português, e com dois filhos nos braços, um dos quais com esse problema de saúde citado. Dotado de férrea força de vontade, aprendeu a ler, sozinho, em uma velha Bíblia, nesse idioma que para um russo era dos mais exóticos, em que até o alfabeto era diferente do seu. De quebra, alfabetizou o filho, que entrou para a escola já sabendo ler e escrever correntemente.
Tinha facilidade para línguas. Aprendeu sete delas sozinho. Sua profissão inicial (não por muito tempo) era a de carpinteiro. Logo, foi guindado à função de mestre de obras e participou da construção de mais de uma centena de prédios em São Paulo, dos mais famosos e luxuosos, que sempre me exibia com orgulho, quando passeávamos pelo centro (velho e novo) da cidade.
Mas um dos feitos de que mais se orgulhava era o de haver participado dessa magnífica “saga” nacional em que se constituiu a construção de Brasília. Trabalhou, com gana, dedicação e amor ao trabalho, até os 65 anos, quando se aposentou por tempo de serviço, já com um patrimônio razoável e arrancado, todo ele, com o suor do próprio rosto, sem a ajuda de ninguém.
Mas não parou para descansar. Era um homem incansável, um guerreiro, no melhor sentido do termo. Pôs na cabeça que era chegado o momento de mexer com o que mais gostava de fazer: o trato da terra. Transformou um enorme terreno abandonado, coberto de mato, pertencente à minha irmã, situado na divisa de Itu com Sorocaba, num dos sítios mais valorizados, bem-cultivados e produtivos da região. E tudo isso sozinho, sem a ajuda de ninguém!
Ali, trabalhou, com o entusiasmo de um menino, até os 85 anos, feliz como um passarinho. Entre outras coisas, criou um apiário moderno e bem-cuidado, “coisa de cinema”. Gostava de abelhas e parecia “conversar” com elas. Não usava sequer proteção contra os enxames e nunca foi picado por um único desses temperamentais insetos, que tratava como “bichinhos de estimação”. E eram.
Não se submeteu às inúmeras circunstâncias adversas com que teve que se haver, mas amoldou-as aos seus propósitos e construiu uma obra de arte de inestimável valor: a própria vida. Conquistou a verdadeira grandeza! E, enquanto eu viver, jamais haverei de permitir que a sua saga pessoal venha a ser esquecida, mesmo sob o risco de ser mal-interpretado. Que me importa?!
Até um dia, querido amigão! Está insuportável esta saudade que você me deixou!!!
O poeta e aventureiro italiano, Gabriele D’Annunzio, escreveu, em certa ocasião, algo que desde que li, não parei mais de meditar a respeito. Ressalto que, nem tudo o que ele fez e/ou escreveu é do meu agrado. Já escrevi, inclusive, a seu respeito, em texto anterior, publicado aqui mesmo, neste nobre espaço, apontando aspectos nada exemplares da sua vida e sua obra.
Porém, este trecho, para mim, é especialmente marcante, e concordo com cada uma das suas palavras, cuja veracidade tive a oportunidade de comprovar. A referida citação é a seguinte: “É preciso fazer a própria vida como se faz uma obra de arte. É preciso que a vida de um homem inteligente seja produzida por ele. A verdadeira superioridade não passa disso”. Não passa mesmo!
Conheci uma pessoa que agiu exatamente dessa forma: fez da vida uma sucessão de exemplos, perfeita e belíssima obra de arte. Não se tratou, aviso de antemão, de nenhum astro de rock, ator de novela ou cinema, jogador de futebol ou algo que o valha. Não foi político, médico, engenheiro, advogado, jornalista, cientista etc. etc. etc., nada disso.
Essa pessoa que conheci, e a que me refiro, foi simples mestre-de-obras. Aliás, meu relacionamento com ela foi mais, muito mais do que o de mero conhecimento. Esse ser humano especial é, antes de tudo, responsável por eu existir. E, muito mais ainda do que isso, me incutiu na mente – não mediante meras palavras, mas por ações, atitudes e exemplos –, a ferro e fogo, os princípios que sempre nortearam (e ainda norteiam, claro) os meus passos há já um par de décadas. É meu ídolo, meu herói, meu paradigma, meu referencial.
Refiro-me ao meu pai, a quem devo, há tempos, este comovido testemunho público (que se danem os que acharem este texto piegas!). E para que fique devidamente consignado, e todos os que lerem estas confidências saibam quem de fato foi, declino, com orgulho, seu nome: Ananii Bondaczuk.
Quem o conheceu pessoalmente (e foram muitos, já que se tratava de pessoa extremamente comunicativa, com um círculo de amigos que não tinha fim), sabe que, se algum exagero houver em minhas palavras, este é para menos. Ou seja, foi um homem muito mais exemplar do que eu conseguiria expressar.
Em sua aldeia natal, na Rússia – de onde saiu, aos 16 anos, em 1937, por decisão de seu pai, meu avô, que era muito religioso e lutava por liberdade para exercer sua crença – foi um estudante aplicado e curioso. Não é nenhum exagero dizer que era um aluno brilhante, sempre obtendo a nota máxima em todas as disciplinas. Amava os estudos!
Arrancado de suas raízes, veio parar em um país exótico, onde tudo era diferente do que até então conhecera: língua, costumes, clima etc. Não tardou, porém, em se adaptar. E adotou o Brasil como sua única e definitiva pátria nos 70 anos que aqui viveu. Dava gosto de vê-lo defendendo sua terra de adoção de críticas de outros imigrantes (e de próprios brasileiros), com vigor inusitado e com incontida paixão.
Na mocidade, perambulou pela Argentina, trabalhando na construção de estradas. Sonhava cursar engenharia, mas nunca conseguiu. As circunstâncias não permitiram que realizasse esse sonho. Casou jovem, aos 21 anos e, um ano depois, já era pai. Teve, contudo, a infelicidade de ver seu filho mais velho acometido de paralisia infantil. Não se abateu. Decidiu que, paralítico ou não, faria desse menino um vencedor. E fez.
Mudou-se para São Paulo, apenas com a roupa do corpo, mal sabendo falar português, e com dois filhos nos braços, um dos quais com esse problema de saúde citado. Dotado de férrea força de vontade, aprendeu a ler, sozinho, em uma velha Bíblia, nesse idioma que para um russo era dos mais exóticos, em que até o alfabeto era diferente do seu. De quebra, alfabetizou o filho, que entrou para a escola já sabendo ler e escrever correntemente.
Tinha facilidade para línguas. Aprendeu sete delas sozinho. Sua profissão inicial (não por muito tempo) era a de carpinteiro. Logo, foi guindado à função de mestre de obras e participou da construção de mais de uma centena de prédios em São Paulo, dos mais famosos e luxuosos, que sempre me exibia com orgulho, quando passeávamos pelo centro (velho e novo) da cidade.
Mas um dos feitos de que mais se orgulhava era o de haver participado dessa magnífica “saga” nacional em que se constituiu a construção de Brasília. Trabalhou, com gana, dedicação e amor ao trabalho, até os 65 anos, quando se aposentou por tempo de serviço, já com um patrimônio razoável e arrancado, todo ele, com o suor do próprio rosto, sem a ajuda de ninguém.
Mas não parou para descansar. Era um homem incansável, um guerreiro, no melhor sentido do termo. Pôs na cabeça que era chegado o momento de mexer com o que mais gostava de fazer: o trato da terra. Transformou um enorme terreno abandonado, coberto de mato, pertencente à minha irmã, situado na divisa de Itu com Sorocaba, num dos sítios mais valorizados, bem-cultivados e produtivos da região. E tudo isso sozinho, sem a ajuda de ninguém!
Ali, trabalhou, com o entusiasmo de um menino, até os 85 anos, feliz como um passarinho. Entre outras coisas, criou um apiário moderno e bem-cuidado, “coisa de cinema”. Gostava de abelhas e parecia “conversar” com elas. Não usava sequer proteção contra os enxames e nunca foi picado por um único desses temperamentais insetos, que tratava como “bichinhos de estimação”. E eram.
Não se submeteu às inúmeras circunstâncias adversas com que teve que se haver, mas amoldou-as aos seus propósitos e construiu uma obra de arte de inestimável valor: a própria vida. Conquistou a verdadeira grandeza! E, enquanto eu viver, jamais haverei de permitir que a sua saga pessoal venha a ser esquecida, mesmo sob o risco de ser mal-interpretado. Que me importa?!
Até um dia, querido amigão! Está insuportável esta saudade que você me deixou!!!
Wednesday, October 29, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Vivemos cercados de perigo, do despertar até a hora de deitar. É como se caminhássemos constantemente por um campo minado, sem sequer nos darmos conta. Por isso, a cada dia que terminamos incólumes, temos que agradecer a Deus por esse privilégio. Contudo, se estamos expostos a perigos, é sinal que não estamos fugindo da vida, nos escondendo, inutilmente, para preservar a integridade física e/ou mental. Claro que devemos nos prevenir, sobretudo, dos riscos desnecessários. Mas há situações que não comportam prevenção. Temos de enfrentá-las, atentos, e superá-las com inteligência e habilidade. O jornalista Joel Silveira, que por muitos anos foi correspondente de guerra, conclui desta forma seu “Poema”: “Onde estão os perigos desta vida?/Quero-os todos para mim aqui ou longe/a eles o melhor estilo e o melhor entusiasmo./E que sobre eles o amor e a alegria se debrucem/como rosas abertas num campo minado”.
Dimensões infinitas
Pedro J. Bondaczuk
O homem é uma espécie de limite entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. Conclui-se que não tem a menor importância, se relacionado ao universo. Sua pequenez é tamanha, nessa comparação, que é como se sequer existisse. É menos, muito menos, do que o menor dos micróbios já observados nos mais potentes microscópios eletrônicos. E, no entanto, conta com uma ferramenta insuperável, a consciência, que lhe permite apreender essa imensa grandeza, medi-la, até certo ponto e especular filosoficamente sobre ela.
Mas esse mesmo homem, de dimensões tão ínfimas quando comparadas ao tamanho do universo (que ninguém sabe, com certeza, se tem limites e, se tiver, quais são) é monstruosamente grande, sumamente gigantesco na comparação com as coisas e/ou seres vivos muito pequenos. E destes, ninguém, igualmente, está certo se existe algum que não encontre outro ainda menor e, se houver, qual é..
Qual o maior objeto do universo? É uma galáxia? É uma nebulosa? É um buraco-negro? Ninguém sabe e, provavelmente, jamais irá saber. E qual o menor? O átomo, hoje se sabe, não é, já que tem vários elementos componentes. O elétron, o próton e o nêutron também não são. São as partículas subatômicas? Qual delas atinge o limite da pequenez? Da mesma forma que em relação às dimensões do “grande” no universo, portanto, ninguém sabe e, provavelmente, jamais saberá.
Gosto desse tipo de digressão (que convido o paciente leitor a também fazer sempre que possa), pois ele me aproxima de uma avaliação pelo menos mais razoável da real importância do homem, sem super e nem subestimação. Somos infinitamente menos importantes do que nos sugere nossa mega-arrogância e mais valiosos do que nos indica nossa nano-autoestima.
Para medir distâncias e/ou tamanhos hiper-gigantescos e hiper-minúsculos contamos com um instrumental infalível: a Matemática. Ninguém precisa (e nem poderia, claro) medir o grande e o pequeno para conhecer suas reais dimensões. Basta aplicar as fórmulas de cálculo corretas para conhecê-las com ínfima margem de erro. Foi assim que se determinou, por exemplo, a que distância da Terra se encontra o seu satélite natural, a Lua. E quando os primeiros astronautas chegaram lá, puderam constatar que ela era rigorosamente correta. Santa Matemática!
O Sistema Internacional de Medidas convencionou estabelecer unidades para distâncias e tamanhos de objetos hiper-gigantescos e hiper-minúsculos. Como o homem não conhece esses dois limites (sequer sabe se existe algum), os estipulou por sua conta e risco. Isso não quer dizer que novos estudos e novas descobertas não levem os físicos e matemáticos a criarem novas unidades, muitíssimo maiores ou muitíssimo menores do que as existentes hoje.
A maior unidade de medida estipulada pelos cientistas é o “yota” (cujo símbolo é Y). Equivale a dez elevado à potência vinte e quatro (ou seja, 10 seguido de 24 zeros) de metros ou de quilos. A imediatamente inferior é o “zetta” (Z), de dez elevado à potência 21. Vêm, a seguir: “exa” (E), dez elevado à potência dezoito; “peta” (P), dez elevado à potência 15; “terá” (T), dez elevado à potência doze; “giga” (G), dez elevado à potência nove (quem tem computador conhece bem essa unidade para medir sua capacidade de memória); “mega” (M), dez elevado à potência seis e quilo (K), dez elevado ao cubo.
A partir daí, as medidas vão ficando cada vez menores. Temos, pois, o “hecto” (h), que equivale a dez ao quadrado; “deca” (da), dez; “deci” (d), dez elevado à potência menos um; “centi” (c), dez elevado a menos dois; “mili” (m), dez elevado a menos três; “micro” (u), dez elevado a menos seis; “nano” (n), dez elevado a menos nove; “pico” (p), dez elevado a menos doze; “femto” (f), dez elevado a menos quinze; “atto” (a), dez elevado a menos dezoito; “zepto” (z), dez elevado a menos vinte e um e “yocto” (y), dez elevado a menos vinte e quatro.
Vocês já imaginaram a diferença entre a menor e a maior dessas unidades? É um número tão grande, tão imenso, tão inconcebível que quase não cabe na telinha do computador. Imaginem em nossa mente! No entanto, alguém chegou a ele. É miraculoso! E onde está o homem em tudo isso? Está no limite entre a escala que parte do “yocto” e a que desemboca no “yota”.
Vejam como este escrevinhador é bisbilhoteiro! Fez estas tortuosas reflexões e um tanto malucas elucubrações apenas para justificar uma afirmação do poeta Gibran Khalil Gibran (que nasceu em 6 de dezembro de 1883 em Bsharri, nas montanhas do Líbano e morreu em 10 de abril de 1931, aos 57 anos de idade, no Hospital São Vicente, em Nova York, EUA).
Como informação complementar (posto que supérflua para o entendimento destas considerações), aduzo que, embora o poeta libanês tenha residido nos Estados Unidos e, por certo tempo, também na França, escreveu e publicou seus primeiros sete livros em árabe. Os oito seguintes, porém, dos quais o mais conhecido é “O Profeta”, foram escritos em inglês e com ilustrações suas, já que se tratava de um excelente desenhista e pintor.
Gibran escreveu, em um de seus poemas: “Somos o infinitamente pequeno e o infinitamente grande”. Ou seja, nossa dimensão depende do ponto de vista do observador. Em relação ao universo, medimos menos de um “yocto”. Mas, comparados, digamos, a um vírus, nossa medida seria de mais de um “yota”. Por isso, o poeta libanês concluiu: “E somos, também, o caminho entre ambos” (os infinitos, claro). Fantástico, não é fato?
O homem é uma espécie de limite entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. Conclui-se que não tem a menor importância, se relacionado ao universo. Sua pequenez é tamanha, nessa comparação, que é como se sequer existisse. É menos, muito menos, do que o menor dos micróbios já observados nos mais potentes microscópios eletrônicos. E, no entanto, conta com uma ferramenta insuperável, a consciência, que lhe permite apreender essa imensa grandeza, medi-la, até certo ponto e especular filosoficamente sobre ela.
Mas esse mesmo homem, de dimensões tão ínfimas quando comparadas ao tamanho do universo (que ninguém sabe, com certeza, se tem limites e, se tiver, quais são) é monstruosamente grande, sumamente gigantesco na comparação com as coisas e/ou seres vivos muito pequenos. E destes, ninguém, igualmente, está certo se existe algum que não encontre outro ainda menor e, se houver, qual é..
Qual o maior objeto do universo? É uma galáxia? É uma nebulosa? É um buraco-negro? Ninguém sabe e, provavelmente, jamais irá saber. E qual o menor? O átomo, hoje se sabe, não é, já que tem vários elementos componentes. O elétron, o próton e o nêutron também não são. São as partículas subatômicas? Qual delas atinge o limite da pequenez? Da mesma forma que em relação às dimensões do “grande” no universo, portanto, ninguém sabe e, provavelmente, jamais saberá.
Gosto desse tipo de digressão (que convido o paciente leitor a também fazer sempre que possa), pois ele me aproxima de uma avaliação pelo menos mais razoável da real importância do homem, sem super e nem subestimação. Somos infinitamente menos importantes do que nos sugere nossa mega-arrogância e mais valiosos do que nos indica nossa nano-autoestima.
Para medir distâncias e/ou tamanhos hiper-gigantescos e hiper-minúsculos contamos com um instrumental infalível: a Matemática. Ninguém precisa (e nem poderia, claro) medir o grande e o pequeno para conhecer suas reais dimensões. Basta aplicar as fórmulas de cálculo corretas para conhecê-las com ínfima margem de erro. Foi assim que se determinou, por exemplo, a que distância da Terra se encontra o seu satélite natural, a Lua. E quando os primeiros astronautas chegaram lá, puderam constatar que ela era rigorosamente correta. Santa Matemática!
O Sistema Internacional de Medidas convencionou estabelecer unidades para distâncias e tamanhos de objetos hiper-gigantescos e hiper-minúsculos. Como o homem não conhece esses dois limites (sequer sabe se existe algum), os estipulou por sua conta e risco. Isso não quer dizer que novos estudos e novas descobertas não levem os físicos e matemáticos a criarem novas unidades, muitíssimo maiores ou muitíssimo menores do que as existentes hoje.
A maior unidade de medida estipulada pelos cientistas é o “yota” (cujo símbolo é Y). Equivale a dez elevado à potência vinte e quatro (ou seja, 10 seguido de 24 zeros) de metros ou de quilos. A imediatamente inferior é o “zetta” (Z), de dez elevado à potência 21. Vêm, a seguir: “exa” (E), dez elevado à potência dezoito; “peta” (P), dez elevado à potência 15; “terá” (T), dez elevado à potência doze; “giga” (G), dez elevado à potência nove (quem tem computador conhece bem essa unidade para medir sua capacidade de memória); “mega” (M), dez elevado à potência seis e quilo (K), dez elevado ao cubo.
A partir daí, as medidas vão ficando cada vez menores. Temos, pois, o “hecto” (h), que equivale a dez ao quadrado; “deca” (da), dez; “deci” (d), dez elevado à potência menos um; “centi” (c), dez elevado a menos dois; “mili” (m), dez elevado a menos três; “micro” (u), dez elevado a menos seis; “nano” (n), dez elevado a menos nove; “pico” (p), dez elevado a menos doze; “femto” (f), dez elevado a menos quinze; “atto” (a), dez elevado a menos dezoito; “zepto” (z), dez elevado a menos vinte e um e “yocto” (y), dez elevado a menos vinte e quatro.
Vocês já imaginaram a diferença entre a menor e a maior dessas unidades? É um número tão grande, tão imenso, tão inconcebível que quase não cabe na telinha do computador. Imaginem em nossa mente! No entanto, alguém chegou a ele. É miraculoso! E onde está o homem em tudo isso? Está no limite entre a escala que parte do “yocto” e a que desemboca no “yota”.
Vejam como este escrevinhador é bisbilhoteiro! Fez estas tortuosas reflexões e um tanto malucas elucubrações apenas para justificar uma afirmação do poeta Gibran Khalil Gibran (que nasceu em 6 de dezembro de 1883 em Bsharri, nas montanhas do Líbano e morreu em 10 de abril de 1931, aos 57 anos de idade, no Hospital São Vicente, em Nova York, EUA).
Como informação complementar (posto que supérflua para o entendimento destas considerações), aduzo que, embora o poeta libanês tenha residido nos Estados Unidos e, por certo tempo, também na França, escreveu e publicou seus primeiros sete livros em árabe. Os oito seguintes, porém, dos quais o mais conhecido é “O Profeta”, foram escritos em inglês e com ilustrações suas, já que se tratava de um excelente desenhista e pintor.
Gibran escreveu, em um de seus poemas: “Somos o infinitamente pequeno e o infinitamente grande”. Ou seja, nossa dimensão depende do ponto de vista do observador. Em relação ao universo, medimos menos de um “yocto”. Mas, comparados, digamos, a um vírus, nossa medida seria de mais de um “yota”. Por isso, o poeta libanês concluiu: “E somos, também, o caminho entre ambos” (os infinitos, claro). Fantástico, não é fato?
Tuesday, October 28, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Há certa magia nas pessoas idosas, que passeiam, com passinhos miúdos, despreocupadas, pelas praças das cidades. Ou que se sentam, tranqüilas, nos bancos dos jardins, para ler os jornais, como se tivessem todo o tempo do mundo ao seu dispor. Ou que gastam horas e horas alimentando pombos. Há raios de esperança brotando, como chispas, de seus olhos. Apesar de, no íntimo, saberem que se aproximam do fim, ainda esperam alguma coisa. O que? Nem eles, talvez, saibam. Mas esperam. Nisso reside o encanto da vida. Na permanência da esperança, ao nosso lado, até nosso derradeiro suspiro, mesmo sem sabermos no que ela consiste. A propósito, partilho com você estes belos versos com que o poeta Helvécio Goulart encerra seu poema “Esperança”: “Nos bancos dos jardins, feito de névoas,/há mágicos sentados./As cabras comem as últimas flores da Primavera/e a esperança é um rio velho, atravessando a noite”.
Vasto renascer
Pedro J. Bondaczuk
“... A superfície civilizada da terra é um vasto renascer de coisas e idéias”. Bela frase! Bela e verdadeira! Todavia, não é (infelizmente) da minha lavra. Bem que eu gostaria que fosse minha. O que fazer? Meu talento não chega a tanto. Quem fez essa constatação foi ninguém mais e ninguém menos do que o escritor que tomei como modelo, como parâmetro, como referencial nessa minha caminhada pelo fascinante mundo da Literatura. Quem pensou em Machado de Assis, acertou.
O “Bruxo do Cosme Velho”, que morreu em 29 de setembro de 1908 (portanto, há um século) escreveu essas marcantes palavras na sua coluna de 1º de julho de 1876, intitulada “História de quinze dias”, que publicava duas vezes por mês no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro.
Não gosto de conceituar escritores e dizer “este é o maior”, “aquele é o menor”, “este é o rei da poesia brasileira”, “aquele é o príncipe” (e eu, então, sou o plebeu dos plebeus!) ou coisa parecida. Para mim, todos os que li são grandes. Devo-lhes infinita gratidão, pois foram meus generosos mestres (sem nada cobrar e sequer me conhecer). Concordo, pois, com Mário Quintana, a esse propósito (e a tantos e tantos outros, para não dizer a todos).
Certa feita, perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem titubear, meu ilustre (e sublime) conterrâneo respondeu, na bucha, com a singeleza e a sinceridade que o caracterizavam: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Diria, no caso, que “nenhum escritor é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Abro, apenas, uma, uma única e exclusivíssima exceção: Machado de Assis.
Considero-o incomparável (e que me perdoem os demais). Digam o que quiserem os meus críticos, chamem-me dos nomes mais feios que quiserem, escrevam furiosos comentários me contestando, entupam minha caixa de correspondência virtual de e-mails malcriados e ofensivos, mas afirmo, e sustento: o Bruxo do Cosme Velho foi, é e continuará sendo, provavelmente, enquanto existir o mundo, o “top”, o máximo, o número um da Literatura Brasileira (e, se bobearem, disputará a liderança mundial). Exagero? Talvez! Parodiando Cazuza, “sou mesmo exagerado”.
Afirmo isso não de ouvir dizer. Li tudo o que tive notícia que Machado de Assis escreveu, inclusive textos nunca publicados em livros. Deliciei-me com seus romances, emocionei-me com sua poesia, aprendi demais com seus contos (gênero em que tento me especializar), “devorei” suas crônicas e conheci (como se tivesse vivido nesses tempos que nos parecem tão remotos, mas que na verdade são tão próximos) como era nosso segundo império através dos seus agudos, inteligentes, oportunos, mas sempre divertidos e bem-humorados comentários políticos.
Quem esperava que eu homenageasse Machadão (forma carinhosa com que sempre me refiro ao meu ídolo) escrevendo alguma resenha de qualquer de seus livros, algum ensaio sobre suas fontes ou, talvez, apresentando dados biográficos supostamente desconhecidos a seu respeito, certamente irá se frustrar. Se o fizesse, convenhamos, não estaria sendo nada original. Por estes dias, certamente, muitos e muitos estão fazendo ou farão tudo isso e divulgarão em jornais, revistas e na TV.
Quem escreve, agora, estas linhas sem nexo, não é o escritor Pedro e muito menos o jornalista ou o crítico literário. É o leitor, apaixonado e agradecido, sem a mínima necessidade de ser objetivo ou sequer coerente. Às favas com a coerência! Ademais, não pretendo, depois de velho, entrar no requisitadíssimo time dos “idiotas da objetividade” (expressão que empresto, com muito gosto, de outro dos meus favoritos, Nelson Rodrigues).
Machado de Assis escreveu, nesse mesmo comentário que citei: “Passam-se os séculos, as repúblicas, as paixões; a história faz-se dia por dia, folha a folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se, modificam-se, transformam-se”. Só faltou posar com uma caveira nas mãos, com esta legenda: “sic transit gloriam mundi”. Pois é assim que tudo termina: em alterações, corrupção, mudanças e transformações. Em poeira e esquecimento.
Mas, o consolo é que, como Machado frisou, “toda a superfície civilizada da terra é um vasto renascer de coisas e idéias”. Minha esperança é que, quando se completar o segundo século do “encantamento” do nosso escritor número um (afinal, como garantiu Guimarães Rosa, os grandes homens nunca morrem, “ficam encantados”), em 2108, esta destrambelhada crônica seja encontrada por alguém, alhures. E que, apesar da sua falta de coerência e de objetividade, seja a semente do renascer das idéias que Machado de Assis nos legou. Tenho a maluca pretensão de que, de fato, seja.
“... A superfície civilizada da terra é um vasto renascer de coisas e idéias”. Bela frase! Bela e verdadeira! Todavia, não é (infelizmente) da minha lavra. Bem que eu gostaria que fosse minha. O que fazer? Meu talento não chega a tanto. Quem fez essa constatação foi ninguém mais e ninguém menos do que o escritor que tomei como modelo, como parâmetro, como referencial nessa minha caminhada pelo fascinante mundo da Literatura. Quem pensou em Machado de Assis, acertou.
O “Bruxo do Cosme Velho”, que morreu em 29 de setembro de 1908 (portanto, há um século) escreveu essas marcantes palavras na sua coluna de 1º de julho de 1876, intitulada “História de quinze dias”, que publicava duas vezes por mês no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro.
Não gosto de conceituar escritores e dizer “este é o maior”, “aquele é o menor”, “este é o rei da poesia brasileira”, “aquele é o príncipe” (e eu, então, sou o plebeu dos plebeus!) ou coisa parecida. Para mim, todos os que li são grandes. Devo-lhes infinita gratidão, pois foram meus generosos mestres (sem nada cobrar e sequer me conhecer). Concordo, pois, com Mário Quintana, a esse propósito (e a tantos e tantos outros, para não dizer a todos).
Certa feita, perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem titubear, meu ilustre (e sublime) conterrâneo respondeu, na bucha, com a singeleza e a sinceridade que o caracterizavam: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Diria, no caso, que “nenhum escritor é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. Abro, apenas, uma, uma única e exclusivíssima exceção: Machado de Assis.
Considero-o incomparável (e que me perdoem os demais). Digam o que quiserem os meus críticos, chamem-me dos nomes mais feios que quiserem, escrevam furiosos comentários me contestando, entupam minha caixa de correspondência virtual de e-mails malcriados e ofensivos, mas afirmo, e sustento: o Bruxo do Cosme Velho foi, é e continuará sendo, provavelmente, enquanto existir o mundo, o “top”, o máximo, o número um da Literatura Brasileira (e, se bobearem, disputará a liderança mundial). Exagero? Talvez! Parodiando Cazuza, “sou mesmo exagerado”.
Afirmo isso não de ouvir dizer. Li tudo o que tive notícia que Machado de Assis escreveu, inclusive textos nunca publicados em livros. Deliciei-me com seus romances, emocionei-me com sua poesia, aprendi demais com seus contos (gênero em que tento me especializar), “devorei” suas crônicas e conheci (como se tivesse vivido nesses tempos que nos parecem tão remotos, mas que na verdade são tão próximos) como era nosso segundo império através dos seus agudos, inteligentes, oportunos, mas sempre divertidos e bem-humorados comentários políticos.
Quem esperava que eu homenageasse Machadão (forma carinhosa com que sempre me refiro ao meu ídolo) escrevendo alguma resenha de qualquer de seus livros, algum ensaio sobre suas fontes ou, talvez, apresentando dados biográficos supostamente desconhecidos a seu respeito, certamente irá se frustrar. Se o fizesse, convenhamos, não estaria sendo nada original. Por estes dias, certamente, muitos e muitos estão fazendo ou farão tudo isso e divulgarão em jornais, revistas e na TV.
Quem escreve, agora, estas linhas sem nexo, não é o escritor Pedro e muito menos o jornalista ou o crítico literário. É o leitor, apaixonado e agradecido, sem a mínima necessidade de ser objetivo ou sequer coerente. Às favas com a coerência! Ademais, não pretendo, depois de velho, entrar no requisitadíssimo time dos “idiotas da objetividade” (expressão que empresto, com muito gosto, de outro dos meus favoritos, Nelson Rodrigues).
Machado de Assis escreveu, nesse mesmo comentário que citei: “Passam-se os séculos, as repúblicas, as paixões; a história faz-se dia por dia, folha a folha; as obras humanas alteram-se, corrompem-se, modificam-se, transformam-se”. Só faltou posar com uma caveira nas mãos, com esta legenda: “sic transit gloriam mundi”. Pois é assim que tudo termina: em alterações, corrupção, mudanças e transformações. Em poeira e esquecimento.
Mas, o consolo é que, como Machado frisou, “toda a superfície civilizada da terra é um vasto renascer de coisas e idéias”. Minha esperança é que, quando se completar o segundo século do “encantamento” do nosso escritor número um (afinal, como garantiu Guimarães Rosa, os grandes homens nunca morrem, “ficam encantados”), em 2108, esta destrambelhada crônica seja encontrada por alguém, alhures. E que, apesar da sua falta de coerência e de objetividade, seja a semente do renascer das idéias que Machado de Assis nos legou. Tenho a maluca pretensão de que, de fato, seja.
Monday, October 27, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Somos dotados de certa magia, de algumas peculiaridades que nos distinguem e caracterizam. Encaramos o mundo de forma diferente dos demais, particular, só nossa, com nuances próprias, embora não consigamos expressar essas particularidades em palavras. Enxergamos não somente com os olhos, mas com o corpo (através do tato) e, em especial, a mente, mediante o poderoso instrumento da imaginação. Daí não ser correto falar em realidade, já que não existe uma única, igual para todos. Tudo é questão de ponto de vista. Enxergamos coisas e pessoas sob prismas diferentes dos demais. Podem até ser semelhantes, mas não são iguais. O poeta Hélio Soares Pereira conclui, com estes versos, seu poema “Caminheiro da procura”: “Olhos do corpo/olhos da mente/nessa oficina de idéias/a luz é um ponto de vista/que mistura as cores aos sabores/e ilusões.//E o brilho da noite/ou o brilho do dia/depende da magia/que existe em nós”.
Indomado e domesticado
Pedro J. Bondaczuk
A humanidade caracteriza-se por uma infinidade de tipos de pessoas, com personalidades, modos de ser e de agir, conhecimentos e comportamentos os mais heterogêneos possíveis. Todavia, dois grandes grupos (por sinal, antagônicos), se distinguem e se destacam. Denomino-os de “indomados” e de “domesticados”.
O primeiro, como a própria palavra sugere, é o dos rebeldes. É composto pelos que não se deixam manipular e nem conduzir por quem quer que seja e que escolhem os próprios caminhos, para o bem ou para o mal. São os grandes líderes, condutores de povos, visionários e, não raro, revolucionários. Estes, contudo, infelizmente, são raros.
O segundo grupo tem comportamento exatamente oposto ao primeiro. Ou seja, é integrado pelos que, por preguiça, omissão ou incapacidade física (ou mental ou intelectual), abrem mão da iniciativa e se deixam conduzir, sempre, em toda e qualquer circunstância, docilmente, como ovelhas rumo ao matadouro. É o que se pode chamar de “massa”, por poder ser moldado à feição dos que o conduzem e manipulam. Trata-se da maioria.
Ressalte-se que existem vários tipos de rebeldia, que podem ser positivos ou negativos, dependendo do que, contra quem, e da forma como as pessoas “indomadas” manifestam esse comportamento no curso das suas vidas.
Todos já nos rebelamos, algum dia (salvo, claro, exceções, já que estas existem em virtualmente todas as regras, ou em quase todas), contra ordens que consideramos equivocadas ou exageradas (dos nossos pais e/ou professores, na adolescência; ou dos nossos chefes, no trabalho, no quartel ou na sociedade, quando adultos etc.etc.etc.), contra leis e normas que entendíamos injustas ou contra situações que identificamos como nefastas e que achávamos que poderiam ser modificadas para melhor.
Há os chamados “rebeldes sem causa”, que se opõem a tudo e a todos, pelo simples fato de se opor. Estes sequer distinguem o certo do errado, o bem do mal, o indispensável do supérfluo. Sofrem, claro, as conseqüências. Não raro, descambam para a marginalidade, quando não para a criminalidade, pagando, evidentemente, um preço (quase sempre intolerável) por isso. Não sabem direcionar a imensa energia de que são dotados e, com isso, desperdiçam precioso potencial de liderança, que poderia torná-los exemplares e especiais.
Esses dois tipos, o indomado e o domesticado, existem, também, em literatura. O primeiro não se conforma com imposições que considera descabidas e intoleráveis, se opõe a regras impostas por quem não tem a menor autoridade para ditá-las, e inovam. São os desbravadores de novos caminhos, os luminares do pensamento, os arautos das idéias originais e, sobretudo, geniais. Já os segundos...
O curioso é que, num primeiro momento, são os domesticados que prevalecem na preferência dos leitores. Lançam, por exemplo, livros e mais livros que nada acrescentam ao mundo das idéias, redundantes, repetitivos e banais e, com eles, obtêm seu “brilhareco”. Assumem a postura de críticos e investem contra tudo o que se oponha aos cânones que consideram intocáveis, dogmas inatacáveis. Não criam e se limitam a pisar nas pegadas alheias. Mas um dia, caem no ostracismo e acabam esquecidos para sempre. Por causa da atuação desses medíocres é que se tornam cada vez mais raras obras que realmente valham a pena de ler e, sobretudo, de refletir sobre elas.
A esse propósito, Henry David Thoreau (um indomado por excelência, inspirador de Gandhi em sua tática de desobediência civil, que resultou na independência da Índia), escreveu, em certo trecho do ensaio “Caminhando”, do seu livro “Desobedecendo” (verdadeira bíblia dos rebeldes com causa): “Um livro verdadeiramente bom é algo tão natural, tão inesperado e inexplicavelmente belo e perfeito quanto uma flor selvagem das planícies do Ocidente ou das selvas do Oriente”. E não é?!
É de quem escreva dessa forma que a Literatura (não importa de que país ou idioma) está precisando. Calcula-se que, em média, são lançados, mundo afora, 50 milhões de novos títulos por ano. Se apenas 5% deles fossem, pelo menos, originais, a humanidade estaria salva da burrice e de tanta mesmice. Obviamente, não está.
A Literatura carece, pois, cada vez mais, de gênios, como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Tolstoi, Gorki, Hugo, Rimbaud, Baudelaire, Valery, Borges, Márquez, Octávio Paz e tantos e tantos outros luminares das letras e das idéias. Mais do que ela, a humanidade precisa desses lúcidos e corajosos indomados, para iluminar as mentes dos raros líderes autênticos que ainda tem.
Thoreau justifica essa necessidade, ao afirmar, no ensaio que citei acima: “A genialidade é uma luz que torna a escuridão visível, tal como o clarão do relâmpago que às vezes atinge e abala o próprio templo do saber – e não uma vela acesa ao pé da lareira da humanidade, cuja luz enfraquece ainda antes de clarear o dia”.
Há tanta treva a ser varrida das mentes e dos corações, nesta época crítica da nossa História, em que a espécie se vê cada vez mais ameaçada de extinção já que, num ato de extrema estupidez, o homem destrói, sem refletir, de forma irreversível, o planeta em que habita! Mas esta iluminação que se faz tão necessária, e urgente, certamente não virá dos “domesticados”, dos que por preguiça, omissão ou incapacidade, integram a imensa massa manipulável. É tarefa dos gênios da espécie, dos líderes lúcidos e idealistas, dos cada vez mais raros e indispensáveis “indomados”.
A humanidade caracteriza-se por uma infinidade de tipos de pessoas, com personalidades, modos de ser e de agir, conhecimentos e comportamentos os mais heterogêneos possíveis. Todavia, dois grandes grupos (por sinal, antagônicos), se distinguem e se destacam. Denomino-os de “indomados” e de “domesticados”.
O primeiro, como a própria palavra sugere, é o dos rebeldes. É composto pelos que não se deixam manipular e nem conduzir por quem quer que seja e que escolhem os próprios caminhos, para o bem ou para o mal. São os grandes líderes, condutores de povos, visionários e, não raro, revolucionários. Estes, contudo, infelizmente, são raros.
O segundo grupo tem comportamento exatamente oposto ao primeiro. Ou seja, é integrado pelos que, por preguiça, omissão ou incapacidade física (ou mental ou intelectual), abrem mão da iniciativa e se deixam conduzir, sempre, em toda e qualquer circunstância, docilmente, como ovelhas rumo ao matadouro. É o que se pode chamar de “massa”, por poder ser moldado à feição dos que o conduzem e manipulam. Trata-se da maioria.
Ressalte-se que existem vários tipos de rebeldia, que podem ser positivos ou negativos, dependendo do que, contra quem, e da forma como as pessoas “indomadas” manifestam esse comportamento no curso das suas vidas.
Todos já nos rebelamos, algum dia (salvo, claro, exceções, já que estas existem em virtualmente todas as regras, ou em quase todas), contra ordens que consideramos equivocadas ou exageradas (dos nossos pais e/ou professores, na adolescência; ou dos nossos chefes, no trabalho, no quartel ou na sociedade, quando adultos etc.etc.etc.), contra leis e normas que entendíamos injustas ou contra situações que identificamos como nefastas e que achávamos que poderiam ser modificadas para melhor.
Há os chamados “rebeldes sem causa”, que se opõem a tudo e a todos, pelo simples fato de se opor. Estes sequer distinguem o certo do errado, o bem do mal, o indispensável do supérfluo. Sofrem, claro, as conseqüências. Não raro, descambam para a marginalidade, quando não para a criminalidade, pagando, evidentemente, um preço (quase sempre intolerável) por isso. Não sabem direcionar a imensa energia de que são dotados e, com isso, desperdiçam precioso potencial de liderança, que poderia torná-los exemplares e especiais.
Esses dois tipos, o indomado e o domesticado, existem, também, em literatura. O primeiro não se conforma com imposições que considera descabidas e intoleráveis, se opõe a regras impostas por quem não tem a menor autoridade para ditá-las, e inovam. São os desbravadores de novos caminhos, os luminares do pensamento, os arautos das idéias originais e, sobretudo, geniais. Já os segundos...
O curioso é que, num primeiro momento, são os domesticados que prevalecem na preferência dos leitores. Lançam, por exemplo, livros e mais livros que nada acrescentam ao mundo das idéias, redundantes, repetitivos e banais e, com eles, obtêm seu “brilhareco”. Assumem a postura de críticos e investem contra tudo o que se oponha aos cânones que consideram intocáveis, dogmas inatacáveis. Não criam e se limitam a pisar nas pegadas alheias. Mas um dia, caem no ostracismo e acabam esquecidos para sempre. Por causa da atuação desses medíocres é que se tornam cada vez mais raras obras que realmente valham a pena de ler e, sobretudo, de refletir sobre elas.
A esse propósito, Henry David Thoreau (um indomado por excelência, inspirador de Gandhi em sua tática de desobediência civil, que resultou na independência da Índia), escreveu, em certo trecho do ensaio “Caminhando”, do seu livro “Desobedecendo” (verdadeira bíblia dos rebeldes com causa): “Um livro verdadeiramente bom é algo tão natural, tão inesperado e inexplicavelmente belo e perfeito quanto uma flor selvagem das planícies do Ocidente ou das selvas do Oriente”. E não é?!
É de quem escreva dessa forma que a Literatura (não importa de que país ou idioma) está precisando. Calcula-se que, em média, são lançados, mundo afora, 50 milhões de novos títulos por ano. Se apenas 5% deles fossem, pelo menos, originais, a humanidade estaria salva da burrice e de tanta mesmice. Obviamente, não está.
A Literatura carece, pois, cada vez mais, de gênios, como Machado de Assis, Fernando Pessoa, Tolstoi, Gorki, Hugo, Rimbaud, Baudelaire, Valery, Borges, Márquez, Octávio Paz e tantos e tantos outros luminares das letras e das idéias. Mais do que ela, a humanidade precisa desses lúcidos e corajosos indomados, para iluminar as mentes dos raros líderes autênticos que ainda tem.
Thoreau justifica essa necessidade, ao afirmar, no ensaio que citei acima: “A genialidade é uma luz que torna a escuridão visível, tal como o clarão do relâmpago que às vezes atinge e abala o próprio templo do saber – e não uma vela acesa ao pé da lareira da humanidade, cuja luz enfraquece ainda antes de clarear o dia”.
Há tanta treva a ser varrida das mentes e dos corações, nesta época crítica da nossa História, em que a espécie se vê cada vez mais ameaçada de extinção já que, num ato de extrema estupidez, o homem destrói, sem refletir, de forma irreversível, o planeta em que habita! Mas esta iluminação que se faz tão necessária, e urgente, certamente não virá dos “domesticados”, dos que por preguiça, omissão ou incapacidade, integram a imensa massa manipulável. É tarefa dos gênios da espécie, dos líderes lúcidos e idealistas, dos cada vez mais raros e indispensáveis “indomados”.
Sunday, October 26, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Há momentos na vida em que temos premente necessidade de isolamento. Em que temos que fugir do burburinho das grandes cidades, ruidosas, enfumaçadas, caóticas e violentas, para ordenarmos pensamentos e sentimentos. Precisamos ficar sós para nos reorientar. Mas ir para onde? Para o campo? Para uma praia deserta? Para o cume do Himalaia? Podem, até, ser bons lugares, mas nem sempre temos recursos para essas estratégicas escapadas. Não há, contudo, melhor lugar para ir do que o nosso próprio interior. Quem desenvolve a capacidade de se abstrair e de estar consigo, embora no meio de uma grande multidão, leva imensa vantagem sobre quem não desenvolveu essa aptidão. Não teme os seus fantasmas e valoriza o que é e que já viveu. O poeta Hélio Soares Pereira conclui seu poema “Fugir” com estes versos: “Fugir para dentro de mim/é libertar-me em gestos crescentes/de amor e memória”. E não é?!
DIRETO DO ARQUIVO
Prestígio dos políticos está na descendente
Pedro J. Bondaczuk
A coalizão de centro-direita, que venceu as eleições do dia 16 passado na Suécia, pondo fim a seis décadas do que foi chamado de "Estado do Bem Estar Social", não está conseguindo se entender para formar o novo governo. Carl Bildt, o político incumbido da tarefa, confessou, anteontem, sua impotência em compor o gabinete, tamanhas são as discrepâncias de interesses dos diversos grupos que se dizem aliados.
O eleitorado sueco, portanto, ao revelar as divisões existentes atualmente em sua sociedade, colocou o país num impasse. Em toda parte esse fenômeno vem se repetindo. A cada dia que passa, o consenso é mais difícil de se obter.
Uma das características do nosso tempo é esta crise de confiança. Ninguém mais confia em ninguém, para nada, especialmente no que se refere à gestão do patrimônio público. Poucas vezes ao longo da história o prestígio dos políticos esteve em baixa maior.
Muitos, certamente, argumentarão com a popularidade de um George Bush, por exemplo, atualmente acima dos 70% e que após o fim da guerra do Golfo Pérsico andou beirando a unanimidade nacional, passando dos 90%. Ou mencionarão um François Mitterrand, na França; um Helmut Kohl, na Alemanha ou um John Major, na Grã-Bretanha.
Aliás, é justamente aí que está o grande problema da representatividade popular na atualidade. Na "ditadura" das pesquisas de opinião, manipuladas ou não, que ganham crescentes espaços em todas as mídias.
A esse propósito, o jornalista francês, François Henri de Vrieu, observou recentemente: "O povo continua soberano, não mais por seu voto, mas por sua opinião. O princípio que consiste em dar delegação aos eleitos para decidir no seu lugar funciona cada vez menos, porque os escrutínios são muito espaçados, enquanto a sociedade torna-se cada vez mais complexa e a informação é instantânea".
Isto, altera o comportamento dos homens públicos. O jornalista prossegue: "Um político precisa conhecer com regularidade o que seu eleitorado pensa, ele busca legitimidades intermediárias. É portanto a opinião pública que dita as decisões pelo viés das sondagens, em uma espécie de escrutínio quase direto e permanente. Mas, simultaneamente, os eleitos não ousam mais tomar decisões impopulares, mesmo se as consideram justificadas. Eles não agem mais para o futuro, porque a opinião pública só se interessa pelas medidas imediatas".
Esse imediatismo, este "aqui e agora" é que tem produzido, ou alimentado, ou agravado crises e provocado desgastes nos políticos, que raramente gozaram de tão baixa credibilidade em seus países como nos nossos tempos.
Um Mikhail Gorbachev, há pouco alçado à categoria de herói pela coragem de implodir o comunismo, hoje já é encarado como um tíbio. Um Bóris Yeltsin, mitificado não faz muito por haver frustrado a tentativa de golpe da linha dura comunista, já não é mais do que um demagogo populista para a opinião pública interna e externa. Uma Margaret Thatcher, chamada de "dama de ferro", não passa de carta fora do baralho na política britânica.
Ser político, nestas circunstâncias, é somente fazer concessões. É muito pouco. Nestas circunstâncias, não se pode deixar de dar razão ao cineasta Marco Ferreri que, numa entrevista dada há 13 anos, afirmou: "Política é uma palavra que está ultrapassada há pelo menos 40 anos". E o desgaste parece estar se aprofundando, ao invés de ser detido.
(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 26 de setembro de 1991).
Pedro J. Bondaczuk
A coalizão de centro-direita, que venceu as eleições do dia 16 passado na Suécia, pondo fim a seis décadas do que foi chamado de "Estado do Bem Estar Social", não está conseguindo se entender para formar o novo governo. Carl Bildt, o político incumbido da tarefa, confessou, anteontem, sua impotência em compor o gabinete, tamanhas são as discrepâncias de interesses dos diversos grupos que se dizem aliados.
O eleitorado sueco, portanto, ao revelar as divisões existentes atualmente em sua sociedade, colocou o país num impasse. Em toda parte esse fenômeno vem se repetindo. A cada dia que passa, o consenso é mais difícil de se obter.
Uma das características do nosso tempo é esta crise de confiança. Ninguém mais confia em ninguém, para nada, especialmente no que se refere à gestão do patrimônio público. Poucas vezes ao longo da história o prestígio dos políticos esteve em baixa maior.
Muitos, certamente, argumentarão com a popularidade de um George Bush, por exemplo, atualmente acima dos 70% e que após o fim da guerra do Golfo Pérsico andou beirando a unanimidade nacional, passando dos 90%. Ou mencionarão um François Mitterrand, na França; um Helmut Kohl, na Alemanha ou um John Major, na Grã-Bretanha.
Aliás, é justamente aí que está o grande problema da representatividade popular na atualidade. Na "ditadura" das pesquisas de opinião, manipuladas ou não, que ganham crescentes espaços em todas as mídias.
A esse propósito, o jornalista francês, François Henri de Vrieu, observou recentemente: "O povo continua soberano, não mais por seu voto, mas por sua opinião. O princípio que consiste em dar delegação aos eleitos para decidir no seu lugar funciona cada vez menos, porque os escrutínios são muito espaçados, enquanto a sociedade torna-se cada vez mais complexa e a informação é instantânea".
Isto, altera o comportamento dos homens públicos. O jornalista prossegue: "Um político precisa conhecer com regularidade o que seu eleitorado pensa, ele busca legitimidades intermediárias. É portanto a opinião pública que dita as decisões pelo viés das sondagens, em uma espécie de escrutínio quase direto e permanente. Mas, simultaneamente, os eleitos não ousam mais tomar decisões impopulares, mesmo se as consideram justificadas. Eles não agem mais para o futuro, porque a opinião pública só se interessa pelas medidas imediatas".
Esse imediatismo, este "aqui e agora" é que tem produzido, ou alimentado, ou agravado crises e provocado desgastes nos políticos, que raramente gozaram de tão baixa credibilidade em seus países como nos nossos tempos.
Um Mikhail Gorbachev, há pouco alçado à categoria de herói pela coragem de implodir o comunismo, hoje já é encarado como um tíbio. Um Bóris Yeltsin, mitificado não faz muito por haver frustrado a tentativa de golpe da linha dura comunista, já não é mais do que um demagogo populista para a opinião pública interna e externa. Uma Margaret Thatcher, chamada de "dama de ferro", não passa de carta fora do baralho na política britânica.
Ser político, nestas circunstâncias, é somente fazer concessões. É muito pouco. Nestas circunstâncias, não se pode deixar de dar razão ao cineasta Marco Ferreri que, numa entrevista dada há 13 anos, afirmou: "Política é uma palavra que está ultrapassada há pelo menos 40 anos". E o desgaste parece estar se aprofundando, ao invés de ser detido.
(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 26 de setembro de 1991).
Saturday, October 25, 2008
REFLEXÃO DO DIA
As pessoas que pensam de forma positiva – que não raro são ridicularizadas por aqueles que se contentam em viver um cotidiano banal – sonham com utopias, com a cidade ideal (aparentemente inalcançável), de plena harmonia, alegria e paz. Utopistas como Santo Agostinho, Tommaso Campanela, Ralph Bellamy, Francis Bacon, Thomas Morus e tantos outros, ainda existem nos dias atuais. Todos nós um dia sonhamos com essa sociedade perfeita, que não existe em nenhum lugar. A diferença é que os grandes líderes, as pessoas lúcidas e esclarecidas, não se limitam a sonhar. Agem em sentido prático para concretizar suas utopias, mesmo que (aparentemente) sejam irrealizáveis. A poetisa venezuelana Helena Sassone escreveu a respeito, nestes versos do poema “Inalcançável Cidade”: “Inalcançável cidade/no túnel do sonho/parênteses do meu assombro/resgatada estás/do mal do esquecimento/tua solidão em minha luz/me abre as portas”.
Guerreiro alado
Pedro J. Bondaczuk
Garrincha, pequeno pássaro encantado,
alado guerreiro, ingênuo e inocente,
que faz desfilar, no presente, galhardia,
e humor e graça, as sementes do amanhã,
e que alimenta nossa fragílima fantasia
no palco grandioso do Maracanã.
Mameluco cavaleiro do sonho,
de auriverde manto sagrado,
corcel veloz, galopa e voa
a felicidade perfeita dos simples
nos gramados da América e Europa.
Pés alados. Pés de anjo. Pés calçados
de couro e poesia, de poder e magia,
na luta heróica, com espírito lúdico,
faz acenos familiares à glória
e, em danças, coreografias, corrupios,
bêbedo de luz, sorve o vinho da vitória.
Líder nato, sem bazófia ou arrogância,
dançando, com dez exímios bailarinos,
tece, com os pés, o painel encantado da vida
no teatro, dramática arena dos bravos,
do Estádio Nacional de Santiago.
A fama é tênue e pesa toneladas.
Heróis despencam no esquecimento
vítimas da ingratidão covarde e infeliz.
Mas Garrincha voa, flutua, ganha alento
e, com arte, com magia e encantamento
desperta, orgulha e enaltece um país.
NOTA: Poema em homenagem a Garricha, que liderou a seleção brasileira de futebol na conquista do bicampeonato mundial, disputado no Chile, em 1962. Republicado para marcar o 75° aniversário do craque.
(Poema composto em São Caetano do Sul, em 22 de abril de 1963).
Garrincha, pequeno pássaro encantado,
alado guerreiro, ingênuo e inocente,
que faz desfilar, no presente, galhardia,
e humor e graça, as sementes do amanhã,
e que alimenta nossa fragílima fantasia
no palco grandioso do Maracanã.
Mameluco cavaleiro do sonho,
de auriverde manto sagrado,
corcel veloz, galopa e voa
a felicidade perfeita dos simples
nos gramados da América e Europa.
Pés alados. Pés de anjo. Pés calçados
de couro e poesia, de poder e magia,
na luta heróica, com espírito lúdico,
faz acenos familiares à glória
e, em danças, coreografias, corrupios,
bêbedo de luz, sorve o vinho da vitória.
Líder nato, sem bazófia ou arrogância,
dançando, com dez exímios bailarinos,
tece, com os pés, o painel encantado da vida
no teatro, dramática arena dos bravos,
do Estádio Nacional de Santiago.
A fama é tênue e pesa toneladas.
Heróis despencam no esquecimento
vítimas da ingratidão covarde e infeliz.
Mas Garrincha voa, flutua, ganha alento
e, com arte, com magia e encantamento
desperta, orgulha e enaltece um país.
NOTA: Poema em homenagem a Garricha, que liderou a seleção brasileira de futebol na conquista do bicampeonato mundial, disputado no Chile, em 1962. Republicado para marcar o 75° aniversário do craque.
(Poema composto em São Caetano do Sul, em 22 de abril de 1963).
Friday, October 24, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Há momentos em que nos sentimos deslocados no mundo, como se não fôssemos deste lugar. Sentimo-nos como se estivéssemos em um planeta estranho, exilados do nosso local de origem. Quem sabe, não somos, de fato, “estrangeiros” por aqui? A vida é tão maravilhosa, todavia há tanto sofrimento, tanta insensatez, tanta violência e injustiça ao nosso redor que concluímos que ela não é compreendida pela maioria, em sua essência e grandeza. Compete-nos a tarefa, quem sabe inútil, de esclarecer as pessoas. É o que filósofos, poetas, escritores e mestres vêm fazendo desde os primórdios da civilização, com poucos resultados. A poetisa Helen Kolody chega à mesma conclusão sobre a tarefa desses arautos da consciência, nestes expressivos versos do seu poema “Exilados”, que dizem: “Ensimesmados,/olham a vida/como exilados/fitando o mar.//Não estão no mundo/como quem o habita./Estão de visita/num planeta estranho”.
Só há presente
Pedro J. Bondaczuk
O que é o tempo? É mera abstração. É uma convenção humana para medir o quanto a Terra (que tem o formato arredondado, mas não exatamente de uma bola, mas o que lembra a forma de uma pêra) leva para dar uma volta completa em torno do seu eixo imaginário. E, no entanto... ele é tão concreto! A criação desse conceito foi o maior avanço da mente humana em termos de racionalidade. Trata-se de um prodígio de abstração e que, no entanto, tem efeito tão real nas ciências, notadamente na Física!
De acordo com a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, espaço e tempo estão interligados. São indissociáveis. Têm que ser considerados, sempre, um em função do outro. O eminente físico concluiu que, em velocidades próximas à da luz, por exemplo, a massa de determinado corpo aumenta de forma perceptível. Em contrapartida, o espaço se contrai e o tempo passa mais lento.
Há cientistas que entendem que a única forma do homem explorar outros mundos é construindo um artefato que tenha velocidade próxima à da luz. E arranjar uma forma, claro, do ser humano suportar isso, o que, convenhamos, concretamente, raia o impossível. Enfim... Quem, sabe?!
Devemos a sir Isaac Newton o conceito de “tempo absoluto”, ou seja, o que flui, constante e uniformemente. Para ele, portanto, trata-se de algo “real”, posto que abstrato. Como entender esse paradoxo? Para a ciência, só existe o que se pode demonstrar em laboratório e repetir a demonstração quantas vezes se quiser. E Newton argumenta que o tempo é “demonstrável”. E mais, que é matematicamente mensurável. Portanto, no seu entender, é real.
Para Einstein, todavia, conforme destaquei, ele é apenas “relativo”: pode ser “sentido”, mas o é de maneiras diferentes por diferentes pessoas. Já o sociólogo e filósofo Norbert Elias considera que esse conceito é, mesmo, mera abstração, mero símbolo social que não pode ser encarado como dado objetivo. Com quem está a razão? Com todos? Com nenhum? Com algum desses pesquisadores? Se a resposta for a última, com qual deles?
Tão complexo quanto o tempo, é sua subdivisão, em passado, presente e futuro. Nenhum tema suscita mais profunda reflexão do que este, sem que cheguemos à mínima conclusão. Como exercício mental, de raciocínio e abstração, é insuperável. Entendo que seja saudável refletir sobre o assunto, para ampliar o alcance da nossa mente.
Alguns pensadores, por exemplo, asseguram que o “presente” não existe, tão rápida é a sua passagem. Como mensurá-lo? A fração infinitésima de segundo que estou vivendo agora, mal me dou consciência dela, já é passado. No instante em que a registrei neste texto, na telinha do meu computador, já havia se escoado há uma “eternidade”, ou seja, há uns dois ou três segundos. A que está imediatamente à frente, mais veloz do que a luz, é o futuro. Como, pois, captá-la?
Norbert Elias afirma, a propósito: “As expressões ‘passado’, ‘presente’ e ‘futuro’, apesar de também designarem o caráter anterior ou posterior dos acontecimentos, são simbolizações conceituais relativas a relações não-causais... O que constitui o passado funde-se sem ruptura com o presente, assim como se funde com o futuro. Podemos ver isso com clareza quando o futuro transforma-se, por sua vez, em passado. É somente na experiência humana que se encontram essas grandes linhas demarcatórias entre ‘hoje’, ‘ontem’ e ‘amanhã’”.
A maioria, contudo, nega que exista um presente. Para quem pensa assim, só há passado, este, sim, possível de ser constatado, por sua infinita extensão. Em compensação, o filósofo alemão, Arthur Schopenhauer, afirma exatamente o contrário do que asseguram esses doutos pensadores. Ou seja, que só o presente existe.
E no que fundamenta essa ousada afirmação, remando contra a maré? Noutra abstração, claro. Afinal, estamos tratando de conceitos, ou seja, de matéria abstrata. O filósofo alemão diz o seguinte, no livro “O Mundo como Vontade e Representação” (citado, por sua vez, por Jorge Luiz Borges em outro livro, “História da Eternidade”): “A forma de aparecimento da vontade é só o presente, não o passado nem o futuro: estes só existem para o conceito e pelo encadeamento da consciência, submetida ao princípio da razão. Ninguém viveu no passado, ninguém viverá no futuro: o presente é a forma de toda a vida”.
E você, paciente e fiel leitor, já pensou a respeito? Chegou a alguma conclusão? Qual? Eu, da minha parte, não tenho a menor idéia (nem mesmo por intuição) com quem possa estar a verdade. Mas já que tratamos de tantos paradoxos, paradoxalmente me arrisco a afirmar que todas as partes têm razão. Até que se prove o contrário, claro.
O que é o tempo? É mera abstração. É uma convenção humana para medir o quanto a Terra (que tem o formato arredondado, mas não exatamente de uma bola, mas o que lembra a forma de uma pêra) leva para dar uma volta completa em torno do seu eixo imaginário. E, no entanto... ele é tão concreto! A criação desse conceito foi o maior avanço da mente humana em termos de racionalidade. Trata-se de um prodígio de abstração e que, no entanto, tem efeito tão real nas ciências, notadamente na Física!
De acordo com a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, espaço e tempo estão interligados. São indissociáveis. Têm que ser considerados, sempre, um em função do outro. O eminente físico concluiu que, em velocidades próximas à da luz, por exemplo, a massa de determinado corpo aumenta de forma perceptível. Em contrapartida, o espaço se contrai e o tempo passa mais lento.
Há cientistas que entendem que a única forma do homem explorar outros mundos é construindo um artefato que tenha velocidade próxima à da luz. E arranjar uma forma, claro, do ser humano suportar isso, o que, convenhamos, concretamente, raia o impossível. Enfim... Quem, sabe?!
Devemos a sir Isaac Newton o conceito de “tempo absoluto”, ou seja, o que flui, constante e uniformemente. Para ele, portanto, trata-se de algo “real”, posto que abstrato. Como entender esse paradoxo? Para a ciência, só existe o que se pode demonstrar em laboratório e repetir a demonstração quantas vezes se quiser. E Newton argumenta que o tempo é “demonstrável”. E mais, que é matematicamente mensurável. Portanto, no seu entender, é real.
Para Einstein, todavia, conforme destaquei, ele é apenas “relativo”: pode ser “sentido”, mas o é de maneiras diferentes por diferentes pessoas. Já o sociólogo e filósofo Norbert Elias considera que esse conceito é, mesmo, mera abstração, mero símbolo social que não pode ser encarado como dado objetivo. Com quem está a razão? Com todos? Com nenhum? Com algum desses pesquisadores? Se a resposta for a última, com qual deles?
Tão complexo quanto o tempo, é sua subdivisão, em passado, presente e futuro. Nenhum tema suscita mais profunda reflexão do que este, sem que cheguemos à mínima conclusão. Como exercício mental, de raciocínio e abstração, é insuperável. Entendo que seja saudável refletir sobre o assunto, para ampliar o alcance da nossa mente.
Alguns pensadores, por exemplo, asseguram que o “presente” não existe, tão rápida é a sua passagem. Como mensurá-lo? A fração infinitésima de segundo que estou vivendo agora, mal me dou consciência dela, já é passado. No instante em que a registrei neste texto, na telinha do meu computador, já havia se escoado há uma “eternidade”, ou seja, há uns dois ou três segundos. A que está imediatamente à frente, mais veloz do que a luz, é o futuro. Como, pois, captá-la?
Norbert Elias afirma, a propósito: “As expressões ‘passado’, ‘presente’ e ‘futuro’, apesar de também designarem o caráter anterior ou posterior dos acontecimentos, são simbolizações conceituais relativas a relações não-causais... O que constitui o passado funde-se sem ruptura com o presente, assim como se funde com o futuro. Podemos ver isso com clareza quando o futuro transforma-se, por sua vez, em passado. É somente na experiência humana que se encontram essas grandes linhas demarcatórias entre ‘hoje’, ‘ontem’ e ‘amanhã’”.
A maioria, contudo, nega que exista um presente. Para quem pensa assim, só há passado, este, sim, possível de ser constatado, por sua infinita extensão. Em compensação, o filósofo alemão, Arthur Schopenhauer, afirma exatamente o contrário do que asseguram esses doutos pensadores. Ou seja, que só o presente existe.
E no que fundamenta essa ousada afirmação, remando contra a maré? Noutra abstração, claro. Afinal, estamos tratando de conceitos, ou seja, de matéria abstrata. O filósofo alemão diz o seguinte, no livro “O Mundo como Vontade e Representação” (citado, por sua vez, por Jorge Luiz Borges em outro livro, “História da Eternidade”): “A forma de aparecimento da vontade é só o presente, não o passado nem o futuro: estes só existem para o conceito e pelo encadeamento da consciência, submetida ao princípio da razão. Ninguém viveu no passado, ninguém viverá no futuro: o presente é a forma de toda a vida”.
E você, paciente e fiel leitor, já pensou a respeito? Chegou a alguma conclusão? Qual? Eu, da minha parte, não tenho a menor idéia (nem mesmo por intuição) com quem possa estar a verdade. Mas já que tratamos de tantos paradoxos, paradoxalmente me arrisco a afirmar que todas as partes têm razão. Até que se prove o contrário, claro.
Thursday, October 23, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Qual é o oposto da esperança? A própria palavra já o sugere: é o desespero. É aquele estado de espírito em que não se acredita, mais, de forma alguma, que o amanhã seja sequer um pouco melhor do que um hoje que nos cause aflições e dores. Trata-se de uma condição dolorosa demais para quem a enfrenta, à beira de um abismo em que um simples passo tende a conduzi-lo à catástrofe, quem sabe ao suicídio. O máximo da esperança é justamente o antídoto para esse veneno da alma, que leva qualquer um a perder o equilíbrio. Não devemos, nunca, sejam quais forem a circunstância ou a razão, nos desesperar! Temos que cultivar, sempre, a esperança no amanhã, por mais dolorosa que seja nossa situação. O filósofo e pensador católico, George Bernanos, escreveu a respeito: “A verdadeira esperança é uma qualidade, uma determinação heróica da alma. E a mais elevada forma de esperança é o desespero superado”.
Rio das horas
Pedro J. Bondaczuk
O tempo foi comparado, numa feliz metáfora, pelo poeta Miguel de Unamuno, a um rio, cujas horas fluem, sem cessar, da inesgotável fonte do “amanhã eterno” rumo ao oceano da eternidade. Aliás, comparações como esta é que não faltam na (vã) tentativa de explicar essa coisa abstrata, essa convenção humana e que, no entanto, paradoxalmente, é tão concreta. Esse é um tema que tem rendido (e sempre irá render) muitos e muitos textos, das mais variadas naturezas, a escritores de todas as épocas.
A mim, por exemplo, já rendeu dois livros: “Lições no Tempo”, de poesias e “Cronos & Narciso”, de crônicas, ainda inéditos, que, contudo, pretendo, de uma forma ou de outra (ainda não sei como), fazer chegar às mãos de um número incontável de leitores. O assunto está presente em quase tudo o que escrevo, quer se trate de literatura (ou seja, textos de ficção), quer de jornalismo. É tema recorrente, inesgotável, perene (como os grandes rios, Amazonas, Nilo, Mississippi, Reno, Danúbio etc.etc.etc.), instigante e apropriado tanto à poesia, quanto à reflexão.
Mais do que uma poética imagem, os versos de Unamuno expressam, com graça e beleza, uma verdade óbvia, da qual nem sempre nos damos conta. Como as águas de um rio não retornam da foz à nascente, assim as horas passadas nunca voltam ao princípio do tempo (existe algum?).
Tentamos, teimosamente, regressar a um passado supostamente radioso e feliz, mas em vão. Ele nos é, e sempre será, interdito. É uma façanha que só se torna possível na fantasia, em ficção (como, por exemplo, no filme “De volta ao passado” ou congêneres).
Como não podemos pisar nas mesmas águas de um rio (em cada ponto em que elas vierem a passar), não temos a mais remota possibilidade de tornar a viver as horas que já passaram. Embora seja algo para lá de óbvio (e não estou, esteja certo, menosprezando sua capacidade intelectual, querido leitor, mas apenas a desafiando) muitos parecem não entender isso e teimam em tentar parar o tempo. Impossível! Voltar? Mais impossível ainda!
Não podemos fazer essa meia volta, esse retrocesso, por nenhum meio ou qualquer razão. E é bom que assim seja. Queiram ou não, a vida (nenhuma vida) não tem reprise. Ou seja, não podemos retroceder no tempo (um bilionésimo de segundo que seja) nem para usufruir das benesses das coisas boas que vivemos e nem para consertar erros que cometemos e que nos tragam conseqüências funestas.
O humorista Chico Anysio, num quadro humorístico que tinha, há já vários anos, no programa “Fantástico”, da Rede Globo, sugeriu, certa feita, que nossa vida deveria ter um rumo diferente do que tem que, no seu entender, nos seria mais justo e mais benigno.
Disse que o ideal seria que, em vez dos anos serem contados a partir do nosso nascimento até a velhice (como de fato são), essa contagem pudesse, a partir de um determinado ponto da nossa existência (e propôs que este fosse marco divisório fosse quando completássemos 40 anos, por exemplo), ser regressiva. Que após o auge da nossa maturidade, em vez de envelhecer, fôssemos ficando cada vez mais jovens.
Se em 2008 estivéssemos com 40 anos, em 2009 estaríamos com 39; em 2010, com 38; em 2011 com 37 e, assim, sucessivamente, até retornarmos ao seio de nossa mãe, então, também, rejuvenescida. Esta, no seu entender (e no meu, caso houvesse tal possibilidade) seria uma morte gloriosa, digna da grandeza e transcendência humanas.
Mas o rio das horas não é assim. Nunca sobe a encosta em direção à nascente. Flui, implacável, rumo à foz e, posteriormente, ao oceano da eternidade. Leva, consigo, de roldão, não somente nossas obras, sonhos, sentimentos e pensamentos e no fim a nós mesmos, como também famílias, povos, nações, civilizações, planetas, sóis, galáxias e universos, num infindo processo de renovação.
Os versos de Miguel de Unamuno a que me referi, citados por Jorge Luiz Borges no livro “História da Eternidade”, são estes: “Noturno, o rio das horas flui/de seu manancial, que é o amanhã/eterno...” Deve haver algum motivo lógico para que as coisas ocorram desta maneira. Este, todavia, sequer atinamos (e, provavelmente, jamais iremos entender) qual seja. Faz parte do grande mistério, que é a vida e tudo o que a cerca e a mantém.
O tempo foi comparado, numa feliz metáfora, pelo poeta Miguel de Unamuno, a um rio, cujas horas fluem, sem cessar, da inesgotável fonte do “amanhã eterno” rumo ao oceano da eternidade. Aliás, comparações como esta é que não faltam na (vã) tentativa de explicar essa coisa abstrata, essa convenção humana e que, no entanto, paradoxalmente, é tão concreta. Esse é um tema que tem rendido (e sempre irá render) muitos e muitos textos, das mais variadas naturezas, a escritores de todas as épocas.
A mim, por exemplo, já rendeu dois livros: “Lições no Tempo”, de poesias e “Cronos & Narciso”, de crônicas, ainda inéditos, que, contudo, pretendo, de uma forma ou de outra (ainda não sei como), fazer chegar às mãos de um número incontável de leitores. O assunto está presente em quase tudo o que escrevo, quer se trate de literatura (ou seja, textos de ficção), quer de jornalismo. É tema recorrente, inesgotável, perene (como os grandes rios, Amazonas, Nilo, Mississippi, Reno, Danúbio etc.etc.etc.), instigante e apropriado tanto à poesia, quanto à reflexão.
Mais do que uma poética imagem, os versos de Unamuno expressam, com graça e beleza, uma verdade óbvia, da qual nem sempre nos damos conta. Como as águas de um rio não retornam da foz à nascente, assim as horas passadas nunca voltam ao princípio do tempo (existe algum?).
Tentamos, teimosamente, regressar a um passado supostamente radioso e feliz, mas em vão. Ele nos é, e sempre será, interdito. É uma façanha que só se torna possível na fantasia, em ficção (como, por exemplo, no filme “De volta ao passado” ou congêneres).
Como não podemos pisar nas mesmas águas de um rio (em cada ponto em que elas vierem a passar), não temos a mais remota possibilidade de tornar a viver as horas que já passaram. Embora seja algo para lá de óbvio (e não estou, esteja certo, menosprezando sua capacidade intelectual, querido leitor, mas apenas a desafiando) muitos parecem não entender isso e teimam em tentar parar o tempo. Impossível! Voltar? Mais impossível ainda!
Não podemos fazer essa meia volta, esse retrocesso, por nenhum meio ou qualquer razão. E é bom que assim seja. Queiram ou não, a vida (nenhuma vida) não tem reprise. Ou seja, não podemos retroceder no tempo (um bilionésimo de segundo que seja) nem para usufruir das benesses das coisas boas que vivemos e nem para consertar erros que cometemos e que nos tragam conseqüências funestas.
O humorista Chico Anysio, num quadro humorístico que tinha, há já vários anos, no programa “Fantástico”, da Rede Globo, sugeriu, certa feita, que nossa vida deveria ter um rumo diferente do que tem que, no seu entender, nos seria mais justo e mais benigno.
Disse que o ideal seria que, em vez dos anos serem contados a partir do nosso nascimento até a velhice (como de fato são), essa contagem pudesse, a partir de um determinado ponto da nossa existência (e propôs que este fosse marco divisório fosse quando completássemos 40 anos, por exemplo), ser regressiva. Que após o auge da nossa maturidade, em vez de envelhecer, fôssemos ficando cada vez mais jovens.
Se em 2008 estivéssemos com 40 anos, em 2009 estaríamos com 39; em 2010, com 38; em 2011 com 37 e, assim, sucessivamente, até retornarmos ao seio de nossa mãe, então, também, rejuvenescida. Esta, no seu entender (e no meu, caso houvesse tal possibilidade) seria uma morte gloriosa, digna da grandeza e transcendência humanas.
Mas o rio das horas não é assim. Nunca sobe a encosta em direção à nascente. Flui, implacável, rumo à foz e, posteriormente, ao oceano da eternidade. Leva, consigo, de roldão, não somente nossas obras, sonhos, sentimentos e pensamentos e no fim a nós mesmos, como também famílias, povos, nações, civilizações, planetas, sóis, galáxias e universos, num infindo processo de renovação.
Os versos de Miguel de Unamuno a que me referi, citados por Jorge Luiz Borges no livro “História da Eternidade”, são estes: “Noturno, o rio das horas flui/de seu manancial, que é o amanhã/eterno...” Deve haver algum motivo lógico para que as coisas ocorram desta maneira. Este, todavia, sequer atinamos (e, provavelmente, jamais iremos entender) qual seja. Faz parte do grande mistério, que é a vida e tudo o que a cerca e a mantém.
Wednesday, October 22, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Embora com critério – conservando o que funciona bem e, se preciso, melhorando-o – temos, sempre, que mudar o que requeira mudanças: comportamentos, atitudes, pensamentos, sentimentos e objetivos. Mas sempre em sentido evolutivo, com critério e com rigorosa análise. Mudanças consistentes e necessárias significam evolução, amadurecimento, sabedoria. Claro que não podemos sair por aí mudando tudo e todos afoitamente. Corremos o risco de gerar “Frankensteins” Mudanças, no entanto, fazem parte da vida. A natureza nos muda diariamente, ora para melhor, ora para pior, mas nos deixando sempre diferentes do que fomos ontem. Henri Bérgson escreveu o seguinte a esse respeito: “Para um ser consciente, existir consiste em mudar, mudar para amadurecer, amadurecer para se criar a si mesmo indefinidamente”. Devemos nos criar do berço à tumba, sem cessar. Mas sempre com critério e bom-senso.
Sensação de já vivido
Pedro J. Bondaczuk
A nossa mente encerra mais mistérios do que possa prever “nossa vã filosofia”. Há coisas que não compreendo e, certamente, jamais irei compreender, por maior que seja a minha evolução mental e intelectual.
Você, paciente leitor, já não teve algum dia a estranhíssima sensação de já “ter vivido esse momento” que tem certeza de estar vivendo pela primeira vez? Ao ir a um determinado lugar, em que nunca esteve, não lhe parece que ele é familiar e que já pisou ali, sem se lembrar quando?
Eu já passei por essa experiência e mais de uma vez. Não raro cruzo com pessoas que tenho absoluta certeza de já as conhecer, mesmo sem nunca antes haver sequer sabido da sua existência. Algo nelas – a aparência, a voz, os gestos – desperta-me vaga lembrança de um conhecimento prévio que, no entanto, nunca existiu.
Aliás, a esse propósito, vivi uma experiência que hoje me desperta riso, mas que na ocasião me deixou muito constrangido. Ocorreu há uns 40 anos, mas lembro-me nitidamente do episódio, como se tivesse acontecido ontem.
Estava eu, certa vez, na Estação da Luz, esperando o trem subúrbio para São Caetano do Sul, onde residia, quando a uns vinte passos de onde estava, na plataforma de embarque para o ABC, vi uma pessoa com a qual não me encontrava há uns cinco anos. Fiz-lhe um sinal de cabeça, e ela nem se tocou. Deve ter pensado que não era para ela.
Aproximei-me do tal indivíduo e, sem mais delongas, sem um olá ou aperto de mão sequer, fui logo lhe dando um abraço, desses de urso, que os amigos dão uns nos outros quando se reencontram, após prolongado período sem se verem. A tal pessoa olhou-me, entre atônita e desconfiada, fez pressão para desvencilhar-se dos meus braços, e me perguntou: “quem é você?”, sem dissimular certa hostilidade.
Interpretei aquele gesto como uma espécie de gozação do amigo (ou de quem eu supunha que fosse), até notar, pela sua expressão, que ele não estava brincando. “Ora, Rodrigo, deixe de brincadeira! Claro que você sabe que sou o Pedrão!”, disse-lhe, já um tanto irritado. O sujeito olhou-me de alto abaixo, afastou-se uns três passos e respondeu, pronto para brigar: “Não conheço você!! Não sei de nenhum Pedrão!”.
Foi aí que me toquei que poderia estar falando com a pessoa errada. Desculpei-me, ainda não totalmente convencido do engano e tentei me explicar, para que a pessoa não me interpretasse mal. Suspeito que não tive sucesso. Não culpo o sujeito por sua intempestiva reação. Afinal, já naquele tempo, São Paulo convivia com assaltos de toda a sorte, especialmente com a ação de batedores de carteira, embora muitíssimo menos do que nos dias de hoje, convenhamos. E, nessas circunstâncias... todo cuidado é pouco.
“Não me chamo Rodrigo e nunca lhe vi mais gordo”, completou o irritadíssimo cidadão, que certamente interpretou a minha abordagem como um gesto de malandrangem ou algo pior para a minha reputação. Eu não sabia onde enfiar a cara. Disfarcei e me afastei de fininho, uns vinte metros do tal cidadão, para sequer viajarmos no mesmo vagão.
No caminho para casa, fui refletindo sobre o episódio, ainda não convencido do meu engano. “Não é possível!”, pensei. A pessoa que eu havia abordado era, sem tirar e nem pôr, meu amigo Rodrigo. Tinha o mesmo jeito de pentear o cabelo, a mesmíssima aparência, o mesmo olhar, o mesmo timbre de voz, tudo. Até hoje tenho dúvidas a respeito. Não deveria ter, pois dias depois, encontrei o “verdadeiro” Rodrigo, agora com um pé atrás em relação a essa pessoa. Foi ele que tomou a iniciativa de vir ao meu encontro e me dar um forte abraço.
Narrei-lhe o acontecido na Estação da Luz e ele jurou-me que não era ele quem eu havia encontrado e feito tão desastrada abordagem. Garantiu-me que, na ocasião, sequer estava em São Paulo, pois se encontrava em casa de parentes, no Norte do Paraná. Até hoje, confesso, não me convenci do suposto “engano”.
Com lugares, essa sensação de “já visto” é ainda mais aguda e mais freqüente. Quando estive pela primeira vez em Pernambuco, por exemplo, senti isso em Caruaru, onde jamais estivera antes, ao visitar determinado bosque.
Alguma coisa insistia em me dizer: “você já esteve aqui”. E mais, tive a sensação de que, atrás de uma cortina de árvores cerradas, havia um riacho de águas cristalinas. Resolvi conferir e, para o meu pasmo... havia mesmo.
Como eu poderia saber, se nunca havia estado naquele lugar?! Até hoje não entendo este e outros tantos episódios semelhantes (ou, pelo menos, parecidos) pelos quais passei. Jorge Luiz Borges escreveu o seguinte sobre esse tipo de situação, no livro “História da Eternidade”: “A sensação ‘de já ter vivido esse momento’ por vezes nos deixa pensativos. Os partidários do eterno regresso nos juram que é assim e buscam uma corroboração de sua fé nesses estados de perplexidade. Esquecem que a lembrança implicaria uma novidade que é a negação da tese e que o tempo a iria aperfeiçoando – o ciclo distante em que o indivíduo já prevê seu destino, e prefere agir de outro modo”.
Por que temos esse tipo de sensação? É mera coincidência? Algum ancestral meu já se encontrou com pessoas parecidas ou esteve nesses lugares e me transmitiu, na herança genética que me legou, essas informações? Existe esse tipo de registro e, se existe, ele é transmitido de geração a geração? Há, de fato, o eterno regresso? Claro que, racional e cartesiano como sou, não creio nessa hipótese. Então, como explicar esse fenômeno? Há ou não há, pois, “mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia?!”
A nossa mente encerra mais mistérios do que possa prever “nossa vã filosofia”. Há coisas que não compreendo e, certamente, jamais irei compreender, por maior que seja a minha evolução mental e intelectual.
Você, paciente leitor, já não teve algum dia a estranhíssima sensação de já “ter vivido esse momento” que tem certeza de estar vivendo pela primeira vez? Ao ir a um determinado lugar, em que nunca esteve, não lhe parece que ele é familiar e que já pisou ali, sem se lembrar quando?
Eu já passei por essa experiência e mais de uma vez. Não raro cruzo com pessoas que tenho absoluta certeza de já as conhecer, mesmo sem nunca antes haver sequer sabido da sua existência. Algo nelas – a aparência, a voz, os gestos – desperta-me vaga lembrança de um conhecimento prévio que, no entanto, nunca existiu.
Aliás, a esse propósito, vivi uma experiência que hoje me desperta riso, mas que na ocasião me deixou muito constrangido. Ocorreu há uns 40 anos, mas lembro-me nitidamente do episódio, como se tivesse acontecido ontem.
Estava eu, certa vez, na Estação da Luz, esperando o trem subúrbio para São Caetano do Sul, onde residia, quando a uns vinte passos de onde estava, na plataforma de embarque para o ABC, vi uma pessoa com a qual não me encontrava há uns cinco anos. Fiz-lhe um sinal de cabeça, e ela nem se tocou. Deve ter pensado que não era para ela.
Aproximei-me do tal indivíduo e, sem mais delongas, sem um olá ou aperto de mão sequer, fui logo lhe dando um abraço, desses de urso, que os amigos dão uns nos outros quando se reencontram, após prolongado período sem se verem. A tal pessoa olhou-me, entre atônita e desconfiada, fez pressão para desvencilhar-se dos meus braços, e me perguntou: “quem é você?”, sem dissimular certa hostilidade.
Interpretei aquele gesto como uma espécie de gozação do amigo (ou de quem eu supunha que fosse), até notar, pela sua expressão, que ele não estava brincando. “Ora, Rodrigo, deixe de brincadeira! Claro que você sabe que sou o Pedrão!”, disse-lhe, já um tanto irritado. O sujeito olhou-me de alto abaixo, afastou-se uns três passos e respondeu, pronto para brigar: “Não conheço você!! Não sei de nenhum Pedrão!”.
Foi aí que me toquei que poderia estar falando com a pessoa errada. Desculpei-me, ainda não totalmente convencido do engano e tentei me explicar, para que a pessoa não me interpretasse mal. Suspeito que não tive sucesso. Não culpo o sujeito por sua intempestiva reação. Afinal, já naquele tempo, São Paulo convivia com assaltos de toda a sorte, especialmente com a ação de batedores de carteira, embora muitíssimo menos do que nos dias de hoje, convenhamos. E, nessas circunstâncias... todo cuidado é pouco.
“Não me chamo Rodrigo e nunca lhe vi mais gordo”, completou o irritadíssimo cidadão, que certamente interpretou a minha abordagem como um gesto de malandrangem ou algo pior para a minha reputação. Eu não sabia onde enfiar a cara. Disfarcei e me afastei de fininho, uns vinte metros do tal cidadão, para sequer viajarmos no mesmo vagão.
No caminho para casa, fui refletindo sobre o episódio, ainda não convencido do meu engano. “Não é possível!”, pensei. A pessoa que eu havia abordado era, sem tirar e nem pôr, meu amigo Rodrigo. Tinha o mesmo jeito de pentear o cabelo, a mesmíssima aparência, o mesmo olhar, o mesmo timbre de voz, tudo. Até hoje tenho dúvidas a respeito. Não deveria ter, pois dias depois, encontrei o “verdadeiro” Rodrigo, agora com um pé atrás em relação a essa pessoa. Foi ele que tomou a iniciativa de vir ao meu encontro e me dar um forte abraço.
Narrei-lhe o acontecido na Estação da Luz e ele jurou-me que não era ele quem eu havia encontrado e feito tão desastrada abordagem. Garantiu-me que, na ocasião, sequer estava em São Paulo, pois se encontrava em casa de parentes, no Norte do Paraná. Até hoje, confesso, não me convenci do suposto “engano”.
Com lugares, essa sensação de “já visto” é ainda mais aguda e mais freqüente. Quando estive pela primeira vez em Pernambuco, por exemplo, senti isso em Caruaru, onde jamais estivera antes, ao visitar determinado bosque.
Alguma coisa insistia em me dizer: “você já esteve aqui”. E mais, tive a sensação de que, atrás de uma cortina de árvores cerradas, havia um riacho de águas cristalinas. Resolvi conferir e, para o meu pasmo... havia mesmo.
Como eu poderia saber, se nunca havia estado naquele lugar?! Até hoje não entendo este e outros tantos episódios semelhantes (ou, pelo menos, parecidos) pelos quais passei. Jorge Luiz Borges escreveu o seguinte sobre esse tipo de situação, no livro “História da Eternidade”: “A sensação ‘de já ter vivido esse momento’ por vezes nos deixa pensativos. Os partidários do eterno regresso nos juram que é assim e buscam uma corroboração de sua fé nesses estados de perplexidade. Esquecem que a lembrança implicaria uma novidade que é a negação da tese e que o tempo a iria aperfeiçoando – o ciclo distante em que o indivíduo já prevê seu destino, e prefere agir de outro modo”.
Por que temos esse tipo de sensação? É mera coincidência? Algum ancestral meu já se encontrou com pessoas parecidas ou esteve nesses lugares e me transmitiu, na herança genética que me legou, essas informações? Existe esse tipo de registro e, se existe, ele é transmitido de geração a geração? Há, de fato, o eterno regresso? Claro que, racional e cartesiano como sou, não creio nessa hipótese. Então, como explicar esse fenômeno? Há ou não há, pois, “mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia?!”
Tuesday, October 21, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Não há demérito algum, ao contrário do que muitos pensam, em se imitar pessoas dignas de imitação. A rigor, passados 13 mil anos de civilização, com milhares e milhares de gerações se sucedendo, é absolutamente impossível sermos originais. Todos nossos atos e pensamentos, dos mais simples aos mais complexos, são imitados. Desde as primeiras palavras que balbuciamos, dos primeiros passos, das coisas mais triviais que aprendemos, imitamos alguém. O problema é o modelo. Por exemplo, entre Hitler e São Francisco de Assis, é óbvio quem deve nos servir de parâmetro, não é mesmo? Devemos imitar quem de fato mereça imitação, por seus atos e idéias. E muitos, dos que consideramos (com justiça) “gigantes da espécie”, a merecem. O filósofo alemão, Theodore Adorno, escreveu o seguinte a respeito: “O humano estabelece-se na imitação: um homem torna-se um homem apenas imitando outro homem”.
Problema de identidade
Pedro J. Bondaczuk
O que sou? Essa é uma pergunta que bilhões de pessoas, ao longo do tempo e ao redor do mundo, vêm fazendo a si próprias (não raro, inconscientemente, sem sequer se darem conta) e que não conseguiram chegar a uma conclusão sequer razoável, quanto mais definitiva. A todo instante, ficamos surpresos, senão atônitos, conosco mesmos.
Volta e meia, por exemplo, descobrimos, no fundo de nossas mentes, idéias (construtivas ou não, não importa) que sequer atinávamos que tínhamos. Vez por outra, praticamos ações que contrariam nossas mais profundas convicções.
Desafiados, meio às cegas, atingimos objetivos que intimamente não acreditávamos que pudéssemos alcançar. Que força misteriosa nos moveu para praticar essa façanha? O oposto também ocorre. Decepcionamo-nos, amiúde, conosco mesmos, com fracassos que julgávamos impossíveis de nos atingir, mas que atingiram, por superestimarmos nossas capacidades.
“Identidade! Essa era a palavra, chave para todos os problemas humanos!”, constata Morris West, no romance “O Embaixador”. Desde o nascimento, até a morte, é o que buscamos encontrar, consolidar e impor, não apenas ao mundo, mas a nós mesmos.
Conseguiremos? Sou cético a esse propósito. Podemos até chegar perto da resposta à questão “o que sou?”, mas sempre restará uma dúvida em nosso espírito, sempre haverá novas surpresas (positivas ou negativas), conservando e não raro ampliando nossa insegurança a propósito.
Claro que não sairemos por aí apregoando que não temos certeza sequer do que somos. Ninguém faz isso. Se o fizer, certamente, será considerado insano ou, no mínimo, para ser mais suave, neurótico. Temos, é fato, uma vaga e intuitiva compreensão de quem somos e como nos ligamos aos semelhantes e ao misterioso universo em cujo recôndito cantinho vivemos.
Não fosse assim, não teríamos nem como sobreviver. Sozinhos não somos nada. Precisamos dos outros para assegurar nossa sobrevivência. Ninguém, absolutamente ninguém, por maiores que sejam seus talentos e habilidades, é auto-suficiente.
Atribui-se papel preponderante à educação na formação da nossa identidade, do que se convencionou chamar de “personalidade”. Não nego, claro, sua importância e nem poderia. Mas há casos que me deixam perplexo e suscitam questões que nunca consegui responder, envolvendo pessoas que foram educadas, rigorosamente, da mesma forma pelos pais, freqüentaram as mesmíssimas escolas, foram criadas em ambientes absolutamente iguais e, no entanto, uma se tornou digna de imitação, por sua conduta exemplar e outra descambou para a marginalidade.
É o caso de uma família de evangélicos, com a qual convivi por certo tempo. Os pais eram muito religiosos e admirados no bairro por sua postura, probidade, gentileza e irrepreensível conduta. Poria, sem vacilar, minha mão no fogo por esse casal. Qualquer um que o conhecesse faria a mesma coisa.
Eram pessoas saudáveis, alegres, positivas e, sobretudo, exemplares. Tinham dois filhos, com diferença de idade de um ano entre ambos. O mais velho era a cópia exata dos pais no que diz respeito quer à aparência física, quer à conduta. Tanto, que se tornou pastor. O mais moço, porém... Passou a andar em más-companhias e não tardou para que se tornasse viciado em drogas. Não demorou muito para que começasse a roubar para sustentar o vício.
A princípio, eram pequenos furtos, praticados contra os próprios pais. Estes, todavia, evoluíram para delitos cada vez maiores. Até que um dia, o tal indivíduo assaltou, com dois comparsas, uma casa num bairro luxuoso da cidade (não importa qual, pois não é relevante a identificação do personagem para essas reflexões), que redundou na morte da vítima. Foi preso, julgado e condenado a vinte anos de prisão, sentença que ainda está cumprindo numa penitenciária de segurança máxima do Estado.
A pergunta que se impõe é: se é a educação o fator fundamental na formação da identidade e personalidade das pessoas, o que aconteceu nesse caso, para que os dois irmãos se tornassem tão diferentes um do outro? Afinal, foram educados, rigorosamente, da mesmíssima forma.
Os pais transmitiram os mesmos princípios religiosos, morais e sociais a ambos. Estudaram nas mesmas escolas e freqüentaram os mesmos círculos. O que, porém, levou um dos irmãos a abraçar a vida religiosa e o outro a descambar para a marginalidade? Talvez as circunstâncias. Talvez uma herança genética, quem sabe. Mas não me venham com essa conversa de más-companhias!
Na minha juventude, convivi com pessoas da pior espécie. Fui tentado, até, a experimentar drogas, mas tive cabeça suficiente para nunca me deixar induzir a fazer essa estúpida experiência. A lógica me dizia que não precisava fazer uso dessas porcarias (cujo nome é, convenhamos, por si só revelador, significando “coisas que não prestam”) para saber que elas eram (e são, obviamente) ruins e destrutivas. Convenhamos, não é preciso ser nenhum gênio para chegar a essa compreensão.
Os exemplos dessa turma da pesada com a qual andei eram os piores possíveis. Tanto que alguns deles se tornaram bandidos perigosos e foram mortos em tiroteios com a polícia. E, apesar de andar em tão más-companhias, nunca, em momento algum, enveredei para a marginalidade e muito menos para o crime. Jamais cometi um único delito que fosse. E olhem que não sou nenhum primor em força de vontade!
Esse argumento, o das más-companhias, portanto, não só não explica, como não justifica a corrupção de ninguém. Tem lá a sua influência em mentes fracas, é verdade. Devem, lógico, ser evitadas. Mas não são fatores determinantes para corromper ninguém. Como explicar, pois, os diferentes caminhos tomados pelos dois irmãos? Eu não tenho nenhuma explicação convincente. Você, por acaso, tem, prezado leitor?
Morris West propõe um teste para comprovar sua tese de que o ambiente é que determina nossa identidade: “Ponham-no (um homem) numa cela acusticamente isolada, separem-no da visão, som e toque do mundo, e em pouco tempo o terão reduzido à loucura e à desordem física”. Alguém duvida?! Se a resposta for positiva, por favor, não façam essa experiência com quem quer que seja. Será cruel demais!
O que sou? Essa é uma pergunta que bilhões de pessoas, ao longo do tempo e ao redor do mundo, vêm fazendo a si próprias (não raro, inconscientemente, sem sequer se darem conta) e que não conseguiram chegar a uma conclusão sequer razoável, quanto mais definitiva. A todo instante, ficamos surpresos, senão atônitos, conosco mesmos.
Volta e meia, por exemplo, descobrimos, no fundo de nossas mentes, idéias (construtivas ou não, não importa) que sequer atinávamos que tínhamos. Vez por outra, praticamos ações que contrariam nossas mais profundas convicções.
Desafiados, meio às cegas, atingimos objetivos que intimamente não acreditávamos que pudéssemos alcançar. Que força misteriosa nos moveu para praticar essa façanha? O oposto também ocorre. Decepcionamo-nos, amiúde, conosco mesmos, com fracassos que julgávamos impossíveis de nos atingir, mas que atingiram, por superestimarmos nossas capacidades.
“Identidade! Essa era a palavra, chave para todos os problemas humanos!”, constata Morris West, no romance “O Embaixador”. Desde o nascimento, até a morte, é o que buscamos encontrar, consolidar e impor, não apenas ao mundo, mas a nós mesmos.
Conseguiremos? Sou cético a esse propósito. Podemos até chegar perto da resposta à questão “o que sou?”, mas sempre restará uma dúvida em nosso espírito, sempre haverá novas surpresas (positivas ou negativas), conservando e não raro ampliando nossa insegurança a propósito.
Claro que não sairemos por aí apregoando que não temos certeza sequer do que somos. Ninguém faz isso. Se o fizer, certamente, será considerado insano ou, no mínimo, para ser mais suave, neurótico. Temos, é fato, uma vaga e intuitiva compreensão de quem somos e como nos ligamos aos semelhantes e ao misterioso universo em cujo recôndito cantinho vivemos.
Não fosse assim, não teríamos nem como sobreviver. Sozinhos não somos nada. Precisamos dos outros para assegurar nossa sobrevivência. Ninguém, absolutamente ninguém, por maiores que sejam seus talentos e habilidades, é auto-suficiente.
Atribui-se papel preponderante à educação na formação da nossa identidade, do que se convencionou chamar de “personalidade”. Não nego, claro, sua importância e nem poderia. Mas há casos que me deixam perplexo e suscitam questões que nunca consegui responder, envolvendo pessoas que foram educadas, rigorosamente, da mesma forma pelos pais, freqüentaram as mesmíssimas escolas, foram criadas em ambientes absolutamente iguais e, no entanto, uma se tornou digna de imitação, por sua conduta exemplar e outra descambou para a marginalidade.
É o caso de uma família de evangélicos, com a qual convivi por certo tempo. Os pais eram muito religiosos e admirados no bairro por sua postura, probidade, gentileza e irrepreensível conduta. Poria, sem vacilar, minha mão no fogo por esse casal. Qualquer um que o conhecesse faria a mesma coisa.
Eram pessoas saudáveis, alegres, positivas e, sobretudo, exemplares. Tinham dois filhos, com diferença de idade de um ano entre ambos. O mais velho era a cópia exata dos pais no que diz respeito quer à aparência física, quer à conduta. Tanto, que se tornou pastor. O mais moço, porém... Passou a andar em más-companhias e não tardou para que se tornasse viciado em drogas. Não demorou muito para que começasse a roubar para sustentar o vício.
A princípio, eram pequenos furtos, praticados contra os próprios pais. Estes, todavia, evoluíram para delitos cada vez maiores. Até que um dia, o tal indivíduo assaltou, com dois comparsas, uma casa num bairro luxuoso da cidade (não importa qual, pois não é relevante a identificação do personagem para essas reflexões), que redundou na morte da vítima. Foi preso, julgado e condenado a vinte anos de prisão, sentença que ainda está cumprindo numa penitenciária de segurança máxima do Estado.
A pergunta que se impõe é: se é a educação o fator fundamental na formação da identidade e personalidade das pessoas, o que aconteceu nesse caso, para que os dois irmãos se tornassem tão diferentes um do outro? Afinal, foram educados, rigorosamente, da mesmíssima forma.
Os pais transmitiram os mesmos princípios religiosos, morais e sociais a ambos. Estudaram nas mesmas escolas e freqüentaram os mesmos círculos. O que, porém, levou um dos irmãos a abraçar a vida religiosa e o outro a descambar para a marginalidade? Talvez as circunstâncias. Talvez uma herança genética, quem sabe. Mas não me venham com essa conversa de más-companhias!
Na minha juventude, convivi com pessoas da pior espécie. Fui tentado, até, a experimentar drogas, mas tive cabeça suficiente para nunca me deixar induzir a fazer essa estúpida experiência. A lógica me dizia que não precisava fazer uso dessas porcarias (cujo nome é, convenhamos, por si só revelador, significando “coisas que não prestam”) para saber que elas eram (e são, obviamente) ruins e destrutivas. Convenhamos, não é preciso ser nenhum gênio para chegar a essa compreensão.
Os exemplos dessa turma da pesada com a qual andei eram os piores possíveis. Tanto que alguns deles se tornaram bandidos perigosos e foram mortos em tiroteios com a polícia. E, apesar de andar em tão más-companhias, nunca, em momento algum, enveredei para a marginalidade e muito menos para o crime. Jamais cometi um único delito que fosse. E olhem que não sou nenhum primor em força de vontade!
Esse argumento, o das más-companhias, portanto, não só não explica, como não justifica a corrupção de ninguém. Tem lá a sua influência em mentes fracas, é verdade. Devem, lógico, ser evitadas. Mas não são fatores determinantes para corromper ninguém. Como explicar, pois, os diferentes caminhos tomados pelos dois irmãos? Eu não tenho nenhuma explicação convincente. Você, por acaso, tem, prezado leitor?
Morris West propõe um teste para comprovar sua tese de que o ambiente é que determina nossa identidade: “Ponham-no (um homem) numa cela acusticamente isolada, separem-no da visão, som e toque do mundo, e em pouco tempo o terão reduzido à loucura e à desordem física”. Alguém duvida?! Se a resposta for positiva, por favor, não façam essa experiência com quem quer que seja. Será cruel demais!
Monday, October 20, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Temos que aprender a nos alegrar sem que essa alegria dependa de fatores externos, como coisas e pessoas. Ela deve brotar espontânea em nosso coração pelo simples fato de estarmos vivos, de podermos usufruir, de graça, das delícias da natureza, de um dia de sol, da sombra amiga de um belo bosque, do banquete de beleza proporcionado por um jardim intensamente florido. Vinculamos nossa alegria a pessoas e coisas e quando as perdemos, raramente sabemos como voltar a nos alegrar. João Guimarães Rosa escreveu um belíssimo texto, com o qual muitos discordam, mas que concordo plenamente. Diz: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria. Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos. Essa a alegria que Ele quer”. E nós, em nossa falta de entendimento, não aprendemos a lição. Lamentamos a perda das pessoas e coisas e mostramos que nunca aprendemos a nos alegrar sozinhos.
Possibilidade estética
Pedro J. Bondaczuk
A beleza, a sabedoria e a perenidade do espírito criativo humano estão ao nosso alcance, seja qual for a nossa condição atual, mas exigem de nós um ato volitivo positivo, um certo esforço, uma ação concreta, para que as alcancemos e usufruamos. Não caem do nada. Não são inatas. Não se impõem. Têm que ser buscadas, incansavelmente, para serem usufruídas em sua plenitude e nos qualifiquem e redimam. São meras possibilidades à espera de realização.
Estas palavras, de Jorge Luiz Borges, não somente ilustram melhor o que afirmei, como até explicam: “Pegar um livro e abri-lo contém a possibilidade do fato estético. Que são as palavras impressas em um livro? Que significam esses símbolos mortos? Nada, absolutamente. Que é um livro, se não o abrimos? É, simplesmente, um cubo de papel e couro, com folhas. Mas, se o lemos, acontece uma coisa rara: creio que ele muda a cada instante”.
O mesmo raciocínio vale para uma tela, de qualquer dos mestres das artes plásticas. Se não buscarmos nos informar a propósito das técnicas de pintura, não teremos condições de apreciar, com a devida inteireza, essa manifestação de talento. Enxergaremos, apenas, um quadro de dimensões variáveis, retratando pessoas, objetos e cenários (não raro, nem isso) que seriam captados com maior precisão e nitidez por um bom fotógrafo.
Em alguns casos, veremos, apenas, o que nos parecerá um conjunto de borrões, ou figuras distorcidas e desproporcionais, ou formas geométricas variadas, que não aceitaremos como sendo “arte”. Escaparão de nossos olhos e mentes as nuances dessas obras. Não saberemos apreciar, por exemplo, o senso de proporção, por não atentarmos a ele. Não perceberemos o jogo de luz e sombra. Escapará da nossa observação a perita combinação de cores etc.etc.etc.
O mesmo vale em relação a todas as outras artes. Afinal, a beleza é subjetiva. O que nos parece belo e perfeito pode não parecer assim a quem tenha padrões estéticos (no caso, gosto) diferentes dos nossos e vice-versa. Já escrevi, há algum tempo, a respeito, mas nada me impede de retornar ao tema que, para mim, tem e sempre terá relevância e pertinência.
Frise-se que a beleza não se manifesta, apenas, pelo visual. Não a detectamos “só” com os olhos. Outros sentidos (diria, todos) nos possibilitam contato íntimo com ela. O ouvido é um deles e, convenhamos, não o mais desprezível.
Ouçam, por exemplo, de olhos fechados, um bom poema, declamado por quem saiba lhe dar a devida ênfase. Ou se disponham a ouvir determinadas sinfonias, ou mesmo canções populares de reconhecida qualidade. A alma parece flutuar fora do corpo, nesses momentos de encantamento, e não raro logramos entrar até em estado de êxtase.
Quanto à possibilidade estética que existe (potencialmente) no conteúdo de um livro – a que foi destacada por Borges – o drama de quem gostaria de ler e não pode (porque não sabe) é muito maior do que de quem não quer se dedicar à leitura, pelo menos num determinado momento. Isso pode ocorrer ou porque a pessoa tem outras coisas a fazer, que julga mais importantes naquele instante, ou por não ter cultivado, como deveria, esse hábito e por isso não sente prazer de ler. Para o analfabeto, porém, esses mananciais de informação e conhecimento constituem-se num enorme mistério.
Ele tem intuição de que ali poderia encontrar um mundo de sabedoria e beleza. Mas não te a “chave” que lhe permita abrir essa porta encantada e acessar esse universo que lhe é interdito. É como se quisesse entrar num lugar particular, mas fosse impedido por causa de uma injusta proibição.
Para ele, o livro até pode ser um objeto estético (e em muitos casos, é), mas não pelo seu conteúdo. Conheço muitos analfabetos que têm bibliotecas até de razoável porte. Estas lhes servem, todavia, apenas como meros elementos de decoração. Possuem volumes de encadernações caprichadas, luxuosas e variadas, cujas cores e formatos das lombadas combinam com absoluto bom-gosto e arte. Mas só.
As estantes, geralmente de madeiras nobres e com designs modernos e arrojados, dão, sem dúvida, ares de sapiência e de sóbria austeridade aos ambientes nobres das suas casas. Contudo, essas pessoas estão privadas do essencial. Para elas, não adianta abrir nenhum desses livros, pois o interior de todos eles lhes parecerá absolutamente igual. Estão privadas, portanto, de concretizar a possibilidade estética que, como Borges enfatizou, “muda a cada instante”.
A beleza, a sabedoria e a perenidade do espírito criativo humano estão ao nosso alcance, seja qual for a nossa condição atual, mas exigem de nós um ato volitivo positivo, um certo esforço, uma ação concreta, para que as alcancemos e usufruamos. Não caem do nada. Não são inatas. Não se impõem. Têm que ser buscadas, incansavelmente, para serem usufruídas em sua plenitude e nos qualifiquem e redimam. São meras possibilidades à espera de realização.
Estas palavras, de Jorge Luiz Borges, não somente ilustram melhor o que afirmei, como até explicam: “Pegar um livro e abri-lo contém a possibilidade do fato estético. Que são as palavras impressas em um livro? Que significam esses símbolos mortos? Nada, absolutamente. Que é um livro, se não o abrimos? É, simplesmente, um cubo de papel e couro, com folhas. Mas, se o lemos, acontece uma coisa rara: creio que ele muda a cada instante”.
O mesmo raciocínio vale para uma tela, de qualquer dos mestres das artes plásticas. Se não buscarmos nos informar a propósito das técnicas de pintura, não teremos condições de apreciar, com a devida inteireza, essa manifestação de talento. Enxergaremos, apenas, um quadro de dimensões variáveis, retratando pessoas, objetos e cenários (não raro, nem isso) que seriam captados com maior precisão e nitidez por um bom fotógrafo.
Em alguns casos, veremos, apenas, o que nos parecerá um conjunto de borrões, ou figuras distorcidas e desproporcionais, ou formas geométricas variadas, que não aceitaremos como sendo “arte”. Escaparão de nossos olhos e mentes as nuances dessas obras. Não saberemos apreciar, por exemplo, o senso de proporção, por não atentarmos a ele. Não perceberemos o jogo de luz e sombra. Escapará da nossa observação a perita combinação de cores etc.etc.etc.
O mesmo vale em relação a todas as outras artes. Afinal, a beleza é subjetiva. O que nos parece belo e perfeito pode não parecer assim a quem tenha padrões estéticos (no caso, gosto) diferentes dos nossos e vice-versa. Já escrevi, há algum tempo, a respeito, mas nada me impede de retornar ao tema que, para mim, tem e sempre terá relevância e pertinência.
Frise-se que a beleza não se manifesta, apenas, pelo visual. Não a detectamos “só” com os olhos. Outros sentidos (diria, todos) nos possibilitam contato íntimo com ela. O ouvido é um deles e, convenhamos, não o mais desprezível.
Ouçam, por exemplo, de olhos fechados, um bom poema, declamado por quem saiba lhe dar a devida ênfase. Ou se disponham a ouvir determinadas sinfonias, ou mesmo canções populares de reconhecida qualidade. A alma parece flutuar fora do corpo, nesses momentos de encantamento, e não raro logramos entrar até em estado de êxtase.
Quanto à possibilidade estética que existe (potencialmente) no conteúdo de um livro – a que foi destacada por Borges – o drama de quem gostaria de ler e não pode (porque não sabe) é muito maior do que de quem não quer se dedicar à leitura, pelo menos num determinado momento. Isso pode ocorrer ou porque a pessoa tem outras coisas a fazer, que julga mais importantes naquele instante, ou por não ter cultivado, como deveria, esse hábito e por isso não sente prazer de ler. Para o analfabeto, porém, esses mananciais de informação e conhecimento constituem-se num enorme mistério.
Ele tem intuição de que ali poderia encontrar um mundo de sabedoria e beleza. Mas não te a “chave” que lhe permita abrir essa porta encantada e acessar esse universo que lhe é interdito. É como se quisesse entrar num lugar particular, mas fosse impedido por causa de uma injusta proibição.
Para ele, o livro até pode ser um objeto estético (e em muitos casos, é), mas não pelo seu conteúdo. Conheço muitos analfabetos que têm bibliotecas até de razoável porte. Estas lhes servem, todavia, apenas como meros elementos de decoração. Possuem volumes de encadernações caprichadas, luxuosas e variadas, cujas cores e formatos das lombadas combinam com absoluto bom-gosto e arte. Mas só.
As estantes, geralmente de madeiras nobres e com designs modernos e arrojados, dão, sem dúvida, ares de sapiência e de sóbria austeridade aos ambientes nobres das suas casas. Contudo, essas pessoas estão privadas do essencial. Para elas, não adianta abrir nenhum desses livros, pois o interior de todos eles lhes parecerá absolutamente igual. Estão privadas, portanto, de concretizar a possibilidade estética que, como Borges enfatizou, “muda a cada instante”.
Sunday, October 19, 2008
REFLEXÃO DO DIA
A dúvida sensata, na medida certa, não é, como muitos desavisados entendem, falta de fé. Trata-se de um ingrediente que promove a evolução espiritual e melhora as idéias, consolidando as convicções. Estabelece, depois de esclarecida, bases sólidas para as crenças que, a partir de então, se tornam inabaláveis. Mas a dúvida é como o sal. Se a utilizarmos além da medida, tornará as idéias intragáveis, como acontece com as comidas salgadas em demasia. Se a usarmos, porém, na medida certa, o sabor será delicioso para o espírito. A crença, sem fundamento, não é fé, mas fanatismo. O escritor Èmile-Auguste Chartier, mais conhecido pelo pseudônimo de Alain, escreveu a respeito: “A dúvida é o sal do espírito. Sem uma pitada de dúvida, todos os conhecimentos em breve apodreceriam”. Reitero, porém, que ela deve ser usada com parcimônia. Afinal, uma “pitada” não é o mesmo que uma “tonelada”.
DIRETO DO ARQUIVO
Casa Branca usa cautela e bom senso
Pedro J. Bondaczuk
A visita que o recém eleito presidente russo, Bóris Yeltsin, está fazendo aos Estados Unidos está sendo considerada, cautelosamente, pelo governo do presidente George Bush, como de "caráter particular". E nem poderia ser diferente. Se os governadores do Texas, ou da Califórnia – o equivalente norte-americano da Rússia em termos de riqueza – fossem a Moscou, não seriam recebidos no Cremlin como chefes de Estado, embora viessem, certamente, a ter uma recepção de acordo com sua importância política.
Antes do reformista radical embarcar para esse giro de quatro dias, circularam várias especulações, algumas até delirantes e revestidas de um certo linguajar característico da guerra fria, que se apregoa que tenha terminado.
Vários analistas interpretaram a viagem como um desafio ao presidente Mikhail Gorbachev, uma clara contestação ao seu poder. Se Yeltsin teve essa intenção, cometeu uma imperdoável gafe. Bush, porém, não caiu nessa armadilha.
Anteontem, a Casa Branca, através de funcionários de alto escalão, expressou que reconhece no líder do Cremlin a única e maior autoridade da União Soviética. E nem poderia ser diferente. O presidente norte-americano jamais recepcionaria, por exemplo, o governador de São Paulo, Luís Antonio Fleury, da mesma forma com que recebeu o presidente Fernando Collor. Nem o governador da Baviera como acolheria o chanceler alemão Helmut Kohl. Ou o governador do Punjab com o mesmo cerimonial que seria dispensado a Narasimha Rao, caso este de fato venha a se tornar o novo primeiro-ministro indiano, como tudo parece indicar. Com Yeltsin, evidentemente, não poderia ser diferente.
Ninguém nega seu prestígio político e o fato dele ser o segundo dirigente soviético de alto escalão – o primeiro foi o georgiano Zviad Gamsakhurdia – a ser eleito pelo voto direto. É verdade que a Geórgia não possui, de maneira alguma, a importância política, econômica e estratégica da Rússia, mas coube a ela essa primazia.
As Repúblicas, na URSS, em sua conformação atual, correspondem a Estados, como são São Paulo, no Brasil; a Califórnia, nos Estados Unidos ou o Punjab, na Índia. Seus dirigentes, na verdade, possuem até menos poderes do que os governadores das unidades mencionadas. Ademais, Bóris Yeltsin e Mikhail Gorbachev são faces diferentes de uma mesma moeda.
O primeiro somente obteve o êxito político que teve por causa do segundo. Deve muito do seu prestígio à coragem do presidente soviético em mudar a vida política do seu país e à sua lucidez em entender que o comunismo, da forma que estava, fatalmente levaria a superpotência oriental à catástrofe.
Uma eventual queda do líder do Cremlin implicaria, sem sombra de dúvida, num fechamento do regime, numa ditadura nos moldes da que existiu com a subida de Joseph Stalin ao poder, após a morte de Lenin, em 1924 e que perdurou até o falecimento do ditador em 1953.
As chamadas "forças democráticas" na URSS estão muito divididas, bastante confusas, sem um projeto claro e definido para manter coesa essa sociedade integrada por mais de 100 etnias.
Gorbachev, por qualquer aspecto que se encare, é a salvaguarda, o escudo, a proteção de Yeltsin. E sobretudo é o adversário que lhe rende votos e prestígio, por poder ser atacado e reagir aos ataques democraticamente, sem o recurso que caracterizou esse país até 1985, das prisões arbitrárias, campos de trabalhos forçados e manicômios utilizados para se livrar de opositores incômodos.
(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 20 de junho de 1991).
Pedro J. Bondaczuk
A visita que o recém eleito presidente russo, Bóris Yeltsin, está fazendo aos Estados Unidos está sendo considerada, cautelosamente, pelo governo do presidente George Bush, como de "caráter particular". E nem poderia ser diferente. Se os governadores do Texas, ou da Califórnia – o equivalente norte-americano da Rússia em termos de riqueza – fossem a Moscou, não seriam recebidos no Cremlin como chefes de Estado, embora viessem, certamente, a ter uma recepção de acordo com sua importância política.
Antes do reformista radical embarcar para esse giro de quatro dias, circularam várias especulações, algumas até delirantes e revestidas de um certo linguajar característico da guerra fria, que se apregoa que tenha terminado.
Vários analistas interpretaram a viagem como um desafio ao presidente Mikhail Gorbachev, uma clara contestação ao seu poder. Se Yeltsin teve essa intenção, cometeu uma imperdoável gafe. Bush, porém, não caiu nessa armadilha.
Anteontem, a Casa Branca, através de funcionários de alto escalão, expressou que reconhece no líder do Cremlin a única e maior autoridade da União Soviética. E nem poderia ser diferente. O presidente norte-americano jamais recepcionaria, por exemplo, o governador de São Paulo, Luís Antonio Fleury, da mesma forma com que recebeu o presidente Fernando Collor. Nem o governador da Baviera como acolheria o chanceler alemão Helmut Kohl. Ou o governador do Punjab com o mesmo cerimonial que seria dispensado a Narasimha Rao, caso este de fato venha a se tornar o novo primeiro-ministro indiano, como tudo parece indicar. Com Yeltsin, evidentemente, não poderia ser diferente.
Ninguém nega seu prestígio político e o fato dele ser o segundo dirigente soviético de alto escalão – o primeiro foi o georgiano Zviad Gamsakhurdia – a ser eleito pelo voto direto. É verdade que a Geórgia não possui, de maneira alguma, a importância política, econômica e estratégica da Rússia, mas coube a ela essa primazia.
As Repúblicas, na URSS, em sua conformação atual, correspondem a Estados, como são São Paulo, no Brasil; a Califórnia, nos Estados Unidos ou o Punjab, na Índia. Seus dirigentes, na verdade, possuem até menos poderes do que os governadores das unidades mencionadas. Ademais, Bóris Yeltsin e Mikhail Gorbachev são faces diferentes de uma mesma moeda.
O primeiro somente obteve o êxito político que teve por causa do segundo. Deve muito do seu prestígio à coragem do presidente soviético em mudar a vida política do seu país e à sua lucidez em entender que o comunismo, da forma que estava, fatalmente levaria a superpotência oriental à catástrofe.
Uma eventual queda do líder do Cremlin implicaria, sem sombra de dúvida, num fechamento do regime, numa ditadura nos moldes da que existiu com a subida de Joseph Stalin ao poder, após a morte de Lenin, em 1924 e que perdurou até o falecimento do ditador em 1953.
As chamadas "forças democráticas" na URSS estão muito divididas, bastante confusas, sem um projeto claro e definido para manter coesa essa sociedade integrada por mais de 100 etnias.
Gorbachev, por qualquer aspecto que se encare, é a salvaguarda, o escudo, a proteção de Yeltsin. E sobretudo é o adversário que lhe rende votos e prestígio, por poder ser atacado e reagir aos ataques democraticamente, sem o recurso que caracterizou esse país até 1985, das prisões arbitrárias, campos de trabalhos forçados e manicômios utilizados para se livrar de opositores incômodos.
(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 20 de junho de 1991).
Saturday, October 18, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Muitos espíritos retrógrados atribuem ao conhecimento todos os problemas que a humanidade enfrenta. Em certos aspectos, não deixam de ter razão. Por exemplo, o avanço da tecnologia, que resultou na invenção do automóvel, do avião e de outros meios de locomoção que utilizam o petróleo como combustível, reduzindo distâncias e “encolhendo” o mundo, resultou, em pouco mais de um século, numa poluição do Planeta que 12 mil anos de civilização não haviam produzido. Só que o “remédio” que eles receitam é, na verdade, veneno. Defendem o desprezo ao conhecimento, o que levaria o homem de volta à caverna. Só outro conhecimento, mais avançado, poderá resolver este e outros tantos problemas que a tecnologia gerou. Por isso, dou razão a Isaac Asimov que escreveu, em um de seus tantos ensaios: “Se o conhecimento pode criar problemas, não será através da ignorância que os resolveremos”. Ou será?
Itinerário
Pedro J. Bondaczuk
O místico pássaro ilusão,
em seu itinerário de plumas,
ágil, traça o mapa do mistério.
E, a sorrir, o menino esperança,
balançando os cabelos ao vento,
caminha pela onírica estrada,
suave e florida, da poesia,
que se perde além de Shangrilá!
(Poema composto em Campinas, em 10 de dezembro de 1965).
O místico pássaro ilusão,
em seu itinerário de plumas,
ágil, traça o mapa do mistério.
E, a sorrir, o menino esperança,
balançando os cabelos ao vento,
caminha pela onírica estrada,
suave e florida, da poesia,
que se perde além de Shangrilá!
(Poema composto em Campinas, em 10 de dezembro de 1965).
Friday, October 17, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Vivemos numa época em que as pessoas têm verdadeira obsessão pelo novo. Palavras como mudança, modernidade e novidade, entre outras tantas de igual significado, freqüentam, amiúde, todas as conversas e são repetidas bilhões de vezes, todos os dias, mundo afora. É errado? Depende! Convém observar que é rematada tolice, senão estúpido desperdício, desprezar, liminarmente, tudo o que já existe, se estiver funcionando e satisfazendo as necessidades das pessoas. Mudanças são importantes, mas apenas se forem para melhor. Nem sempre são. Não raro, valores fundamentais são derrubados, apenas por serem “antigos”, sem que nada de melhor seja criado para substituí-los. O moderno não passa do velho com roupagem nova. O correto é pensar, sim, em inovação, mas sem dispensar a tradição. Bertolt Brecht advertiu a propósito: “Não se tira nada de nada, o novo vem do antigo, mas nem por isso é menos novo”.
Fendas do inferno
Pedro J. Bondaczuk
Os sonhos sempre me intrigaram e fascinaram e, por mais que tenha estudado a respeito, nunca consegui compreender seu mecanismo e sua utilidade. Não é estranho “vivermos” uma outra vida, quando nosso corpo está em absoluto repouso, numa simulação da morte? “Convivemos” com pessoas que não lembramos de já termos sequer visto algum dia, “vemos” paisagens que nunca vimos de verdade, “vivemos” histórias que nunca aconteceram. Enfim, passa, em nossa mente, todas as noites, um “filme” inédito (provavelmente, vários) do qual somos, simultaneamente, roteiristas, diretores e atores.
Garantem os especialistas que os sonhos são projeções de nossa mente, uma espécie de “descarga” de tensões que acumulamos ao longo do dia e de preocupações que nos acometem a todo o momento e das quais apenas nos livramos (nas asas da fantasia) mediante esse processo. Será? Tenho lá minhas dúvidas.
A Bíblia deixa implícito que alguns sonhos seriam proféticos. Daniel, por exemplo, interpretou o que o rei da Babilônia havia sonhado e, com isso, conseguiu uma posição de destaque, para si e para o seu povo cativo, na corte desse monarca, pois este ficou plenamente convencido com sua interpretação.
O mesmo já havia acontecido muito antes com José, filho do patriarca Jacó, no Egito. O faraó havia sonhado com sete vacas gordas e sete magérrimas. Ficou intrigado com isso e queria porque queria saber, de qualquer forma, do que se tratava. Nenhum de seus magos e adivinhos soube, contudo, dizer se esse sonho tinha algum significado e, principalmente, qual.
José, que tinha fama de entendido no assunto, foi, então, convocado à presença do todo-poderoso monarca egípcio para dar sua opinião. E não vacilou: disse que as vacas magras significavam sete anos de fartura, com colheitas magníficas, muito superiores à média, e as magras, representariam sete anos de colheitas pífias, muito aquém do que a terra poderia produzir.
Todavia, o então jovem hebreu não se limitou a meramente interpretar o que o faraó havia sonhado. Aduziu-lhe sensatíssimas recomendações. Sugeriu, principalmente, que nos sete anos de fartura, o excedente das colheitas fosse estocado para ser utilizado no período de fome que viria a seguir.
O grande mérito do monarca egípcio, sem dúvida, foi o de haver acreditado nessa interpretação. Poderia ter descrido, o que até seria mais lógico. E foi mais longe ainda: nomeou José como ministro. Este, incontinenti, pôs em prática o que havia recomendado ao faraó. De fato, o Egito passou por sete anos de colheitas espetaculares, cujo excedente foi, cuidadosamente, estocado em silos improvisados para este fim.
Findo este período, todavia, uma prolongada seca se abateu sobre aquele império. Foi tão severa, que até as águas do Rio Nilo, normalmente caudaloso, baixaram a um nível assustador, como nunca antes havia sido visto. A terra, esturricada pelo sol, por falta de irrigação, não produzia praticamente nada. Mas os egípcios não passaram fome. Pelo contrário, chegaram, até, a exportar alimentos para países vizinhos. E tudo graças ao fato do faraó ter acreditado na interpretação do sonho feita por José e seguido suas sensatas recomendações. Trata-se de um fato? É mera alegoria? Cada um pense o que quiser, de acordo com o tamanho e a intensidade da sua fé.
Mas, voltando ao assunto, se os sonhos me intrigam (e isso não nego), os pesadelos me deixam totalmente pasmo. Os entendidos (sempre eles) atribuem esses episódios aterrorizantes à má digestão, ou, muitas vezes, a aflições agudas e incontroláveis que nos judiam, sem que percebamos. Será? Convenhamos, o diagnóstico até que faz sentido. Ou melhor, é a explicação mais lógica e racional para este fenômeno.
E por que a expressão “pesadelo”? Provavelmente porque, quando temos um, a principal característica é a sensação de termos um peso no estômago e, notadamente, no peito, o que nos atrapalha até de respirar. Queremos nos mexer e não conseguimos. Queremos gritar, e não sai som algum da garganta. Até que (ufa! que alívio!) acordamos, em geral com o coração disparado e, não raro, suando frio!
Tenho, todavia, a respeito dos pesadelos, as mesmíssimas dúvidas expressadas, certa feita, por meu grande guru, o escritor Jorge Luiz Borges, num determinado texto em que indagou e depois afirmou: “E se os pesadelos forem estritamente sobrenaturais? Digamos que fossem fendas do inferno. Dentro dos pesadelos, não estaríamos literalmente no coração do inferno? Por que não? Tudo me parece tão estranho que até isso seria possível”.
Pois é, se o inferno, de fato, existe (depende do que consideramos como tal), ao termos um pesadelo estaríamos bem no seu âmago, tamanho é o sofrimento (inclusive físico) que temos. Onde, porém, a verdade? Está com os médicos, biólogos e anatomistas, ou com estes vasculhadores, esses incorrigíveis bisbilhoteiros das emoções humanas, que são os escritores?
Os sonhos sempre me intrigaram e fascinaram e, por mais que tenha estudado a respeito, nunca consegui compreender seu mecanismo e sua utilidade. Não é estranho “vivermos” uma outra vida, quando nosso corpo está em absoluto repouso, numa simulação da morte? “Convivemos” com pessoas que não lembramos de já termos sequer visto algum dia, “vemos” paisagens que nunca vimos de verdade, “vivemos” histórias que nunca aconteceram. Enfim, passa, em nossa mente, todas as noites, um “filme” inédito (provavelmente, vários) do qual somos, simultaneamente, roteiristas, diretores e atores.
Garantem os especialistas que os sonhos são projeções de nossa mente, uma espécie de “descarga” de tensões que acumulamos ao longo do dia e de preocupações que nos acometem a todo o momento e das quais apenas nos livramos (nas asas da fantasia) mediante esse processo. Será? Tenho lá minhas dúvidas.
A Bíblia deixa implícito que alguns sonhos seriam proféticos. Daniel, por exemplo, interpretou o que o rei da Babilônia havia sonhado e, com isso, conseguiu uma posição de destaque, para si e para o seu povo cativo, na corte desse monarca, pois este ficou plenamente convencido com sua interpretação.
O mesmo já havia acontecido muito antes com José, filho do patriarca Jacó, no Egito. O faraó havia sonhado com sete vacas gordas e sete magérrimas. Ficou intrigado com isso e queria porque queria saber, de qualquer forma, do que se tratava. Nenhum de seus magos e adivinhos soube, contudo, dizer se esse sonho tinha algum significado e, principalmente, qual.
José, que tinha fama de entendido no assunto, foi, então, convocado à presença do todo-poderoso monarca egípcio para dar sua opinião. E não vacilou: disse que as vacas magras significavam sete anos de fartura, com colheitas magníficas, muito superiores à média, e as magras, representariam sete anos de colheitas pífias, muito aquém do que a terra poderia produzir.
Todavia, o então jovem hebreu não se limitou a meramente interpretar o que o faraó havia sonhado. Aduziu-lhe sensatíssimas recomendações. Sugeriu, principalmente, que nos sete anos de fartura, o excedente das colheitas fosse estocado para ser utilizado no período de fome que viria a seguir.
O grande mérito do monarca egípcio, sem dúvida, foi o de haver acreditado nessa interpretação. Poderia ter descrido, o que até seria mais lógico. E foi mais longe ainda: nomeou José como ministro. Este, incontinenti, pôs em prática o que havia recomendado ao faraó. De fato, o Egito passou por sete anos de colheitas espetaculares, cujo excedente foi, cuidadosamente, estocado em silos improvisados para este fim.
Findo este período, todavia, uma prolongada seca se abateu sobre aquele império. Foi tão severa, que até as águas do Rio Nilo, normalmente caudaloso, baixaram a um nível assustador, como nunca antes havia sido visto. A terra, esturricada pelo sol, por falta de irrigação, não produzia praticamente nada. Mas os egípcios não passaram fome. Pelo contrário, chegaram, até, a exportar alimentos para países vizinhos. E tudo graças ao fato do faraó ter acreditado na interpretação do sonho feita por José e seguido suas sensatas recomendações. Trata-se de um fato? É mera alegoria? Cada um pense o que quiser, de acordo com o tamanho e a intensidade da sua fé.
Mas, voltando ao assunto, se os sonhos me intrigam (e isso não nego), os pesadelos me deixam totalmente pasmo. Os entendidos (sempre eles) atribuem esses episódios aterrorizantes à má digestão, ou, muitas vezes, a aflições agudas e incontroláveis que nos judiam, sem que percebamos. Será? Convenhamos, o diagnóstico até que faz sentido. Ou melhor, é a explicação mais lógica e racional para este fenômeno.
E por que a expressão “pesadelo”? Provavelmente porque, quando temos um, a principal característica é a sensação de termos um peso no estômago e, notadamente, no peito, o que nos atrapalha até de respirar. Queremos nos mexer e não conseguimos. Queremos gritar, e não sai som algum da garganta. Até que (ufa! que alívio!) acordamos, em geral com o coração disparado e, não raro, suando frio!
Tenho, todavia, a respeito dos pesadelos, as mesmíssimas dúvidas expressadas, certa feita, por meu grande guru, o escritor Jorge Luiz Borges, num determinado texto em que indagou e depois afirmou: “E se os pesadelos forem estritamente sobrenaturais? Digamos que fossem fendas do inferno. Dentro dos pesadelos, não estaríamos literalmente no coração do inferno? Por que não? Tudo me parece tão estranho que até isso seria possível”.
Pois é, se o inferno, de fato, existe (depende do que consideramos como tal), ao termos um pesadelo estaríamos bem no seu âmago, tamanho é o sofrimento (inclusive físico) que temos. Onde, porém, a verdade? Está com os médicos, biólogos e anatomistas, ou com estes vasculhadores, esses incorrigíveis bisbilhoteiros das emoções humanas, que são os escritores?
Thursday, October 16, 2008
REFLEXÃO DO DIA
Temos que ser cuidadosos com o que desejamos. Não raro, temos desejos profundos, que guardamos secretamente em nosso coração e que, se realizados, nos trariam, somente, a ruína material e/ou moral. Sempre que queremos intensamente alguma coisa, mais cedo ou mais tarde, salvo uma ou outra exceção, esse desejo, de uma forma ou de outra, se realiza. Nem tudo, porém, o que queremos é o que precisamos. A mitologia grega tem um caso característico que ilustra bem essa situação. É a do rei Midas, que queria obsessivamente ouro, muito ouro. E seu desejo foi atendido. Tudo o que tocava se transformava no precioso metal. Com isso, não conseguia comer, pois a comida se transformava em ouro. Até sua filha, ao ser abraçada, se transformou em magnífica, porém inerte, estátua dourada. Elizabeth Barret Browning observou, num de seus poemas: “Para Deus, todos nossos desejos são uma oração”. Cuidado, pois, com o que desejarmos...
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