Friday, March 26, 2010




Viagens de férias

Pedro J. Bondaczuk

As pessoas, face à massacrante rotina do cotidiano, por mais que gostem do que fazem, não vêem a hora de chegar um feriado para relaxar e contam nos dedos os dias que faltam para suas férias. Outras tantas, sonham com a aposentadoria e fantasiam esse período, achando que nele irão colher os frutos do que plantaram. Se forem trabalhadores do serviço público, e estiverem numa faixa salarial de razoável para boa, até que têm certa razão em sonhar com esse período.
Afinal, receberão o mesmo que recebiam quando estavam na ativa. Mas se forem da iniciativa privada... Em três tempos perceberão a roubada em que entraram. Os mais ativos e experientes jogarão a aposentadoria para o alto e voltarão à ativa rapidinho, enquanto a saúde lhes permitir. Os mais acomodados... Irão morrendo aos poucos, definhando, apodrecendo em vida e aborrecendo os parentes.
Entre os que fazem contagem regressiva para as férias, estão muitos escritores, aqueles que são obrigados a dividir a atenção que dão à literatura com outras atividades remuneradas que lhes garantam o sustento (a maioria). Afinal, manter dupla jornada, e indefinidamente, é façanha para poucos. A maioria, se tem condições financeiras para tal, programa viagens: ou para Miami, ou para Cancun, ou para alguma cidade da Europa ou um cruzeiro pelas ilhas gregas, quem sabe. O destino varia, claro, de acordo com a conta bancária.
Quem não é tão abonado contenta-se (no caso dos paulistas), com uma descida para as praias, ou de Santos e Guarujá, ou do Litoral Norte, como São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba, Ubatuba, com uma esticadinha até Parati. Se o dinheiro não der nem para isso... Paciência!
Pode um escritor, em plena fase produtiva, com idéias e mais idéias borbulhando na cabeça, sequer cogitar de férias? Poder, pode. Mas creio que estará cometendo uma bobagem sem tamanho. Afinal, quase sempre, por ironia, as fases férteis são sucedidas pelo que os artistas (e escritores também, claro) mais temem: as crises de criatividade.
Estou saindo de férias da minha atividade remunerada, aquela que me garante o pão nosso de cada dia. A partir de amanhã, e pelos próximos vinte dias (dez eu vendi para a empresa) o tempo que dedicava ao trabalho, contando, claro, os deslocamentos de ida e volta, estará ao meu inteiro dispor, para que eu faça dele o que melhor me aprouver.
Um amigo dileto, que freqüenta minha casa e priva da minha intimidade, me perguntou, no início da semana: “Você vai viajar, Pedrão?”. Respondi-lhe, meio que distraído: “Vou”. “Posso saber para onde?”, tornou a questionar o xereta. “Para muitos lugares”, foi minha resposta, absolutamente evasiva.
Depois, para satisfazer sua curiosidade, complementei: “Vou para Pasárgada. Afinal lá, sou amigo do rei! Depois, darei uma passadinha no Paraíso Perdido. Talvez, quem sabe, me encontre com John Milton. E, se der tempo, visitarei o Admirável Mundo Novo, onde espero trocar idéias com Aldou Huxley”.
O amigo olhou-me com fúria homicida e murmurou um palavrão entredentes (daqueles bem cabeludos, que a bem da moral e dos bons costumes, não devo reproduzir neste espaço), achando que eu estava zombando dele, que estava chasqueando da sua pergunta (há tempos que eu não usava essa palavra que ainda consta no dicionário). Não estava.
Pretendo, sim, viajar nas férias, mas serão viagens nada cansativas e absolutamente gratuitas. Vou para o interior da minha alma, em busca de tesouros. Claro que gostaria, por exemplo, de voltar à Praia da Boa Viagem, ou a Porto de Galinhas, ou à cidade de Caruaru, onde tive experiências que me marcaram (positivamente, óbvio) para sempre. Caso pudesse, continuaria subindo o Nordeste, pois acima de Pernambuco não conheço mais nenhum outro lugar. Gostaria de fazer tudo isso, e demais.
Só que se o fizesse estaria cometendo uma baita traição comigo mesmo, com a minha vocação. Atravesso, atualmente, uma das fases mais férteis desde que me conheço por gente. Isso vai render boa literatura, ou pelo menos literatura? Não sei. Mas se não tentar, se não aproveitar esse tempo para produzir, tenho absoluta certeza de que me arrependerei, e muito.
Um ex-chefe meu, o Josias Favacho, costumava dizer a propósito: “A oportunidade é um cavalo encilhado que passa por nós raramente, às vezes uma única vez. Se não subirmos na sela e não o cavalgarmos, talvez fiquemos a pé para sempre, a lamentar a imensidão do caminho que teremos que percorrer andando”.
É isso. O fogoso corcel está passando nesse instantinho por mim, como que me convidando a subir em suas ancas. Não posso deixá-lo seguir adiante, a pretexto de precisar de descanso. E preciso? Provavelmente sim. Mas lembro-me de uma frase que ouvi certa feita de um veterano publicitário: “Para descansar, terei, um dia a eternidade”. E não terei?

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