Tuesday, March 23, 2010




Fecham-se as cortinas

Pedro J. Bondaczuk

Um dos campeoníssimos de vendas de livros em todo o mundo (e talvez em todos os tempos), o escritor norte-americano J. D. Salinger, acaba de deixar o palco principal da vida para se encerrar, em definitivo, nos “bastidores” – que ninguém sabe se na verdade existem e como são.
As cortinas se fecharam de vez à sua frente, aos 91 anos, mas sua novela “O apanhador em campo de centeio”, fenômeno editorial surpreendente, continua uma trajetória vitoriosa, iniciada há mais de meio século e dificilmente será esquecida, pelo menos não tão cedo e, por conseqüência, seu pitoresco e excêntrico autor (e põe excentricidade nisso!).
A data de 27 de janeiro de 2010, portanto, constitui-se no fecho de uma marcante biografia, de um escritor dos mais peculiares, quer na maneira de escrever, quer (e principalmente) na forma de se relacionar com o mundo.
A bem da verdade, Salinger já estava afastado dos holofotes há muito tempo. Onde estava (em espírito)? Só ele poderia responder. Nunca respondeu. Odiava dar entrevistas e queria apenas distância, muita distância, a maior possível, de câmeras, microfones e dos jornalistas.
O escritor, que morreu em sua casa, em New Hampshire – conforme os médicos, de “causas naturais”, eufemismo para “morte por velhice” – havia declarado, recentemente (numa das suas raríssimas e extraordinárias declarações que vieram a público) que “estava no mundo, mas não era parte dele”. Há tempos já havia se exilado do Planeta, em outra dimensão, levando vida digna de um ermitão, posto que com todo o conforto que o dinheiro pode comprar. Assim, até eu.
Seu filho, que comunicou a morte de Salinger ao mundo, afirmou que, apesar do pai haver fraturado a bacia em maio de 2009, estava com excelente saúde. Havia se recuperado totalmente do problema e não restara nenhuma sequela.
É verdade que depois do ano novo, começou a definhar, e sem explicações. Os médicos, contudo, garantiram que o escritor morreu sem sentir dores, nem antes e nem na hora da morte. Partiu, pois, sem sofrimentos e nem lamentações, discretamente, como sempre viveu.
José Castello, comentando a morte, afirmou: “Salinger foi um dos casos extremos de escritores engolidos pela própria obra. Arredio, invisível, ele se escondeu dentro de seus escritos e por isso foi não só um escritor genial, mas um personagem inesquecível”.
Marco Antonio Bart, por seu turno, assegurou que “O apanhador em campo de centeio” foi “o livro que inventou uma geração”. Essa novela foi lançada em 1951. Deu origem, como muitos asseveram, à chamada “juventude transviada”, rebelde e voluntariosa, cujo símbolo maior foi o ator norte-americano James Dean. Para Bart, o livro foi “um marco na longa estrada que os jovens trilharam (e ainda trilham) para provar que têm direito a uma voz e uma visão de mundo próprias”,
Salinger praticamente não produziu mais nada depois de “O apanhador em campo de centeio”. E precisava? O livro causou tamanho impacto no público, que melhor era, mesmo, não escrever mais nada. Se escrevesse, o que produziria? Qualquer resposta, óbvio, não passaria de especulação.
A rigor, Salinger brindou o público, doze anos após sua obra-prima, com um único conto, estranho até no título, “Hapworth 16, 1924”, que foi publicado na revista “The New Yorker”, em 1963, e que só foi lançado em formato de livro em 1997.
Depois disso.... nada. Nem artigos em jornais e revistas, nem palestras em universidades e escolas, nem crônicas na imprensa, nem coisa alguma. Manteve silêncio, rigoroso, absoluto e total. Fez questão de não manter nenhum contato com a imprensa, que parecia temer Sabe-se lá!).
Cinema? Odiava! Provavelmente por isso, nunca autorizou a filmagem de “O apanhador em campo de centeio”. Nem precisava. O livro teve trajetória de vendas impressionante (diria, alucinante). Vendeu mais de 18 milhões de exemplares, esgotando edição após edição e agora, com a morte do autor, venderá só Deus sabe mais quanto. Podem estar certos que ocorrerão inúmeros re-lançamentos mundo afora, com vendas (salvo engano) garantidas e excepcionais.
Reitero que Salinger desabafou que “estava no mundo, mas não era parte dele”. E precisava ser? Sua obra-prima há décadas fala por ele. E falará por anos e anos mais, estou seguro. Porquanto este é o destino dos escritores que extrapolam a normalidade, que superam o mero grau de excelência (já tão raro no mundo editorial) e descambam para a genialidade: sua obra é tão valiosa e perfeita que engole (e, mais do que isso, digere) o autor.

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