Sunday, March 07, 2010




Político com visão de futuro

Pedro J. Bondaczuk

A Suécia sepultou, ontem, uma veneranda figura em sua vida nacional, o homem que, chamado a compor um governo provisório (no pós-guerra) conseguiu bater um recorde, muito difícil de ser igualado: permaneceu 23 anos no poder, sucessivamente reeleito por seu povo, mesmo a maioria não concordando com alguns pontos de sua política.
Nenhum outro governante, em países verdadeiramente democráticos, conseguiu igualar seu feito. E num período de carência de lideranças internacionais, como o atual, dificilmente o recorde desse social-democrata sueco será sequer igualado.
Referimo-nos ao ex-primeiro-ministro Tage Fritjof Erlander, eleito, pela primeira vez, em 1946, após a morte súbita de Per Albin Hansson, que governou a Suécia nos anos extremamente árduos da Segunda Guerra Mundial. E que abandonou o poder apenas quando se julgava muito idoso para continuar exercendo as funções como desejava, isto é, com vigor e entusiasmo, aos 69 anos de idade, no ano de 1969.
Se hoje os suecos detêm uma das legislações sociais mais avançadas do mundo, onde a infância, a velhice e as demais faixas mais expostas a problemas são totalmente protegidas, devem muito a ele. Se cada cidadão conta com uma renda per capita anual de US$ 11.614, deve às providências (na época sumamente criticadas) adotadas por Tage Erlander.
Se a expectativa média de vida da população desse país hoje está situada entre as mais altas de todos os povos (72,3 anos para os homens e 77,9 para as mulheres), isso ocorre em razão da determinação desse político em dotar cada habitante da Suécia, fosse ele de qual região fosse, ou de qual classe social, ou de qual faixa de renda em que se enquadrasse, de assistência médica gratuita e de seguro social.
Se esse reino escandinavo é considerado, na atualidade, autêntico paraíso (em um mundo caracterizado pela miséria, pela fome e pela conseqüente agitação popular), o crédito, necessariamente, tem que ir para este homem, que acreditou, de verdade, que isso seria possível. E que pôs em prática suas idéias e as sustentou, mesmo quando sofria a oposição da maior parte da opinião pública.
No ano de 1968, quando os sociais-democratas, que estavam no poder praticamente desde 1920, eram minoria no Riksdag, tendo que governar mediante coalizão com os comunistas, Erlander teve um gesto ousado, considerado, então, autêntico suicídio político. Forçou a convocação de eleições gerais, num período em que o seu partido estava francamente por baixo.
Os suecos estavam profundamente descontentes com a taxação dos seus rendimentos, da ordem de 40,9%, a mais alta do mundo. O Parlamento, na ocasião, ainda era bicameral (viria a torna-se unicameral apenas em 1971).
Qual não foi a surpresa de todos, porém, quando as urnas revelaram uma espetacular vitória dos social-democratas, na primeira vez que o partido conseguia fazer maioria absoluta no Riksdag desde 1940, obtendo 50,9% dos votos e, com isso, um acréscimo de 12 cadeiras. Erlander não teve receio de enfrentar a opinião do seu povo, mesmo em um momento em que, aparentemente, ela lhe era contrária. E deu uma grande lição de conhecimento político e, principalmente, de arrojo.
No ano seguinte, renunciou, em favor de um seu pupilo (o atual primeiro-ministro, Olof Palme), afastando-se da vida pública, no auge do prestígio. Já tinha feito a sua parte. E até um pouco além dela.
Criara um Estado do Bem-Estar Social, do qual os suecos, mui justamente, se orgulham, e que é um modelo de como se pode fazer justiça sócia, sem que a democracia seja sequer arranhada. Erlander, dessa forma, deixa a vida para entrar, definitivamente, na galeria das personalidades que fizeram deste mundo um lugar um pouco melhor para se viver.

(Artigo publicado na página 19, Internacional, do Correio Popular, em 23 de junho de 1985).


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