Tuesday, March 30, 2010




Tributo a um gênio generoso

Pedro J. Bondaczuk

Os gênios tendem a ser generosos e reconhecer méritos alheios, que os invejosos e medíocres buscam denegrir. Sabem ver o valor de quem tem e não se desmancham em críticas face às fragilidades das outras pessoas.
O jornalismo e a literatura brasileiros perderam, ontem, 29 de março de 2010, um desses gênios generosos, um de seus maiores expoentes, com a morte, aos 83 anos, de mestre Armando Nogueira. E uso esse designativo não de forma hipócrita, para agradar a quem quer que seja, mas porque se tratou, de fato, de figura magistral, na mais lídima acepção do termo.
Falar de sua brilhante trajetória jornalística torna-se redundante e desnecessário, já que a totalidade dos meios de comunicação está tratando, nesta segunda-feira, dela, o que dá, inclusive, a exata dimensão da nossa perda. Afinal, trata-se de um modelo, de um símbolo, de um marco, de um referencial, de um jornalista competente, íntegro e inigualável. Seus feitos falam por ele. Entre suas realizações mais visíveis, por exemplo, está aí o “Jornal Nacional” da Rede Globo, que concebeu e no qual apostou.
Armando Nogueira, todavia, foi também prolífico, criativo e original escritor. Foi, pois, como nós (e mais do que nós, ouso dizer) homem de letras. Deixa-nos, como legado, uma obra relativamente vasta e consolidada, de dez livros, a maioria versando sobre sua maior paixão, o esporte e, notadamente, sobre futebol.
Tempos atrás, reclamei que esse tema era pouco explorado em literatura, em um país em que as crianças já nascem chutando bolas. E é mesmo. Há muito, mas muito mesmo a se dizer a respeito. Afinal, o futebol é há já mais de um século e meio a grande paixão nacional, fenômeno de massas e modalidade em que o Brasil é, sem sombra de dúvida, o melhor do mundo. Basta citar as cinco Copas do Mundo que conquistou, feito que até pode ser igualado em 2010 (não creio que o será), mas jamais superado.
Armando Nogueira foi o grande “poeta” da crônica esportiva, talvez mundial. Fugiu do lugar comum da maioria dos que escrevem sobre o tema e estabeleceu um parâmetro de qualidade na abordagem do tema do qual, ouso dizer, ninguém conseguirá sequer se aproximar.
Escreveu, certa feita: “O esporte é uma das mais ricas manifestações de vida que eu conheço. Contém todas as virtudes e todos os pecados da criatura humana, dos mais sublimes aos mais subalternos”.
Os dez livros, com que Armando Nogueira presenteou não somente os amantes do futebol, mas, sobretudo, os que apreciam textos inteligentes, instigantes, criativos e bem escritos, não raro líricos, mas sem jamais perder a objetividade do bom jornalista, são: “A ginga e o jogo”, coletânea de 78 crônicas, confissões, histórias e apreciações das 15 Copas do Mundo a que assistiu (além de sete Olimpíadas); “A copa que ninguém viu e a que não queremos lembrar”, análise das derrotas do Brasil nos mundiais de 1950 e 1954, escrito com Jô Soares e Roberto Muylaert; “Drama e glória dos bicampeões”, sobre o bicampeonato de 1958 e 1962, em parceria com Araújo Neto; “Na grande área”, com prefácio de Otto Lara Resende; “Bola na rede”; “O homem e a bola”; “Bola de cristal”; “O vôo das gazelas”; “O canto dos meus amores” e “A chama que não se apaga”.
Fossem reunidos todos os textos que Armando Nogueira publicou na imprensa, em 60 anos de carreira, estes perfariam, sozinhos, toda uma biblioteca, com centenas, quiçá com milhares de volumes. Foi, de fato, homem de letras e genial. E, acima de tudo, generoso com seus tantos e tantos personagens.
Nem tudo o que escreveu, porém, foi sobre futebol. Em “O vôo das gazelas”, por exemplo, reuniu crônicas, poemas e textos comunicativos com toques de humor. Em “O canto dos meus amores”, mostrou todo seu conhecimento e sua apreciação por modalidades esportivas como vôlei, basquete, atletismo, tênis (do qual era praticante), natação, automobilismo etc. Em “A chama que não se apaga”, registra casos curiosos e pitorescos de Jogos Olímpicos.
Apesar da sua inegável paixão pelo futebol, Armando Nogueira, generoso reitero, reverenciou ídolos de outros esportes, como Gustavo Kuerten, Hortência, Ayrton Senna, Rodrigo Pessoa, Magic Paula e tantos e tantos outros. Suas crônicas fizeram justiça com mitos, alguns já quase esquecidos pela falta de memória popular, como Garrincha, Vavá, Newton Santos, Romário, Ademir da Guia e, sobretudo, esse incomparável gênio dos gramados, que foi Pelé.
Para encerrar estas resumidas (mas emotivas) considerações sobre quem mereceria um tratado, cito o que Armando Nogueira escreveu sobre este objeto fascinante, miniatura do planeta em que vivemos, instrumental de boa parte dos esportes praticados mundo afora: “Bola é magia, bola é movimento. Brincar com ela é descobrir a harmonia e o equilíbrio do universo”. Foi ou não foi um magnífico poeta? Claro que sim!
Descanse em paz, companheiro de paixões e preferências! E muito obrigado pelo inegável legado de competência, talento, responsabilidade e zelo que você nos deixou. Mestre Armando Nogueira, a saudade de você já começa a doer e sua ausência passa a se constituir em dor sem remédio! Até um dia, companheiro!

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