Indução ao estudo
Pedro J. Bondaczuk
A Literatura, entre tantos benefícios que nos traz (e são inúmeros), apresenta um, todo especial, àqueles que realmente levam as letras a sério e fazem da atividade missão de suas vidas: induz-nos ao estudo.
Já li, por exemplo, uma infinidade de livros especializados, de filosofia, psicologia, sociologia, ciências políticas, psicanálise etc. e até de arquitetura, apenas para compor o perfil de alguns personagens ou descrever cenários sem escrever bobagens.
Há quem não se dê conta dessa necessidade de estudar e garanta que escreve todos os seus livros, sem exceção, apenas, na base da “inspiração”. Deve ser algum gênio. Ou alguém onisciente, que não precisa aprender coisíssima alguma. Ou, o que é mais provável, um sujeito iludido, que certamente quebrará a cara tão logo tente ingressar no concorrido mercado editorial.
É verdade que grande parte do conteúdo dos livros que escrevemos baseia-se na observação. Para escrever o conto “Hora H”, por exemplo, cheguei a expor a risco real minha integridade física e quem sabe minha vida, infiltrando-me numa quadrilha especializada no roubo de rolex, no centro de São Paulo e tomando ciência, por esse perigoso meio, de seus receptadores. Se fosse descoberto... Ai, ai, ai, não sei o que poderia me acontecer. Mas, certamente, não seria nada de bom.
Compete ao escritor de ficção buscar o maior rigor possível, não somente na linguagem empregada, mas principalmente nas informações que traz ao leitor. Não sei como vocês, meus colegas, agem, mas da minha parte não escrevo, especificamente, para meus contemporâneos, para as pessoas de hoje, do meu tempo, do século XXI, mas faço-o de olho no futuro, nos bisnetos dos meus netos.
Eles é que irão determinar meu sucesso ou fracasso. Se nenhum dos meus livros chegar às mãos desses leitores do século XXII, se meus textos se perderem no tempo e virarem pó, como um dia, certamente, eu virarei, terei fracassado redondamente. Meu empenho e minha paixão pela literatura terão sido vãos. Caso contrário... É um risco que corro, cujos resultados (bons ou ruins) obviamente não verei.
Essa necessidade de estudo, para assegurar rigor e precisão por parte do escritor, é ainda mais premente para os que concentram tudo o que têm a dizer ao mundo em um único e decisivo livro. Esses, não têm como se corrigir em obras posteriores. Não podem, portanto, errar. Há muitos escritores assim. Exemplo? Juan Rulfo, com o seu “Pedro Páramo/Planalto em chamas”, tratando da Revolução Mexicana de 1910 (que, aliás, completa centenário neste ano da graça de 2010).
Depois dessa obra, não nos brindou com nenhuma outra. E precisava? Se você ainda não leu esse livro, leia-o, com a devida atenção, e sentirá a força, a veracidade e a paixão de Juan Rulfo, perpetuadas em seu vibrante e incisivo texto.
O que aprendermos nesse estudo destinado, muitas vezes, a preparar o alicerce, a estabelecer as bases para um único livro (às vezes, menos do que isso, simplesmente para compor um único personagem) traz-nos a vantagem sobressalente de se incorporar, automaticamente, à nossa revelia, ao nosso acervo de saber. Ninguém conseguirá nos tirar isso nunca mais.
Este é um ponto no qual tenho insistido bastante nas freqüentes palestras que faço para estudantes. Destaco que não se deixem levar pela idéia equivocada de que, num repente de “inspiração”, conseguirão escrever um “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ou uma “Divina Comédia” ou um “Crime e Castigo”. Até pode ocorrer esse tipo de “milagre”, mas a probabilidade de que isso aconteça é de uma em um trilhão.
Compete-nos ser os mais precisos possíveis em tudo o que escrevermos. Para tanto, precisamos ser aplicados, disciplinados, estudiosos e, sobretudo, observadores. Nossos personagens, para serem verossímeis, têm que acessar, por exemplo, a internet. Têm que assistir TV em HD, em monitor de tela plana de plasma. Devem freqüentar estádios de futebol e torcer por algum time. Ou, se preferirem, ser fãs de vôlei. Se jovens, é de se esperar que freqüentem baladas, mesmo que vez ou outra. E, quem, sabe até, são capazes de arriscar a pele e subir os morros do Rio, na hora de algum tiroteio entre policiais e traficantes ou destes entre si.
Realismo absoluto é o que a boa ficção hoje requer. Não temos (e jamais teremos) a mínima noção sobre em que mãos esses textos irão cair e quando isso irá ocorrer. Reitero, pois, o que já afirmei inúmeras vezes neste espaço: somos testemunhas do nosso tempo, cronistas deste período limitado da história humana.
Quanto mais precisos e rigorosos formos, melhor seremos entendidos (e apreciados, provavelmente) por ávidos leitores dos séculos XXII, XXIII, XXV, XXVIII, XXX, isso, claro, se nossas obras se preservarem até lá e que certamente viverão, pensarão e agirão de maneira diferente da nossa.
Pedro J. Bondaczuk
A Literatura, entre tantos benefícios que nos traz (e são inúmeros), apresenta um, todo especial, àqueles que realmente levam as letras a sério e fazem da atividade missão de suas vidas: induz-nos ao estudo.
Já li, por exemplo, uma infinidade de livros especializados, de filosofia, psicologia, sociologia, ciências políticas, psicanálise etc. e até de arquitetura, apenas para compor o perfil de alguns personagens ou descrever cenários sem escrever bobagens.
Há quem não se dê conta dessa necessidade de estudar e garanta que escreve todos os seus livros, sem exceção, apenas, na base da “inspiração”. Deve ser algum gênio. Ou alguém onisciente, que não precisa aprender coisíssima alguma. Ou, o que é mais provável, um sujeito iludido, que certamente quebrará a cara tão logo tente ingressar no concorrido mercado editorial.
É verdade que grande parte do conteúdo dos livros que escrevemos baseia-se na observação. Para escrever o conto “Hora H”, por exemplo, cheguei a expor a risco real minha integridade física e quem sabe minha vida, infiltrando-me numa quadrilha especializada no roubo de rolex, no centro de São Paulo e tomando ciência, por esse perigoso meio, de seus receptadores. Se fosse descoberto... Ai, ai, ai, não sei o que poderia me acontecer. Mas, certamente, não seria nada de bom.
Compete ao escritor de ficção buscar o maior rigor possível, não somente na linguagem empregada, mas principalmente nas informações que traz ao leitor. Não sei como vocês, meus colegas, agem, mas da minha parte não escrevo, especificamente, para meus contemporâneos, para as pessoas de hoje, do meu tempo, do século XXI, mas faço-o de olho no futuro, nos bisnetos dos meus netos.
Eles é que irão determinar meu sucesso ou fracasso. Se nenhum dos meus livros chegar às mãos desses leitores do século XXII, se meus textos se perderem no tempo e virarem pó, como um dia, certamente, eu virarei, terei fracassado redondamente. Meu empenho e minha paixão pela literatura terão sido vãos. Caso contrário... É um risco que corro, cujos resultados (bons ou ruins) obviamente não verei.
Essa necessidade de estudo, para assegurar rigor e precisão por parte do escritor, é ainda mais premente para os que concentram tudo o que têm a dizer ao mundo em um único e decisivo livro. Esses, não têm como se corrigir em obras posteriores. Não podem, portanto, errar. Há muitos escritores assim. Exemplo? Juan Rulfo, com o seu “Pedro Páramo/Planalto em chamas”, tratando da Revolução Mexicana de 1910 (que, aliás, completa centenário neste ano da graça de 2010).
Depois dessa obra, não nos brindou com nenhuma outra. E precisava? Se você ainda não leu esse livro, leia-o, com a devida atenção, e sentirá a força, a veracidade e a paixão de Juan Rulfo, perpetuadas em seu vibrante e incisivo texto.
O que aprendermos nesse estudo destinado, muitas vezes, a preparar o alicerce, a estabelecer as bases para um único livro (às vezes, menos do que isso, simplesmente para compor um único personagem) traz-nos a vantagem sobressalente de se incorporar, automaticamente, à nossa revelia, ao nosso acervo de saber. Ninguém conseguirá nos tirar isso nunca mais.
Este é um ponto no qual tenho insistido bastante nas freqüentes palestras que faço para estudantes. Destaco que não se deixem levar pela idéia equivocada de que, num repente de “inspiração”, conseguirão escrever um “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ou uma “Divina Comédia” ou um “Crime e Castigo”. Até pode ocorrer esse tipo de “milagre”, mas a probabilidade de que isso aconteça é de uma em um trilhão.
Compete-nos ser os mais precisos possíveis em tudo o que escrevermos. Para tanto, precisamos ser aplicados, disciplinados, estudiosos e, sobretudo, observadores. Nossos personagens, para serem verossímeis, têm que acessar, por exemplo, a internet. Têm que assistir TV em HD, em monitor de tela plana de plasma. Devem freqüentar estádios de futebol e torcer por algum time. Ou, se preferirem, ser fãs de vôlei. Se jovens, é de se esperar que freqüentem baladas, mesmo que vez ou outra. E, quem, sabe até, são capazes de arriscar a pele e subir os morros do Rio, na hora de algum tiroteio entre policiais e traficantes ou destes entre si.
Realismo absoluto é o que a boa ficção hoje requer. Não temos (e jamais teremos) a mínima noção sobre em que mãos esses textos irão cair e quando isso irá ocorrer. Reitero, pois, o que já afirmei inúmeras vezes neste espaço: somos testemunhas do nosso tempo, cronistas deste período limitado da história humana.
Quanto mais precisos e rigorosos formos, melhor seremos entendidos (e apreciados, provavelmente) por ávidos leitores dos séculos XXII, XXIII, XXV, XXVIII, XXX, isso, claro, se nossas obras se preservarem até lá e que certamente viverão, pensarão e agirão de maneira diferente da nossa.
No comments:
Post a Comment