As vinhas da ira
Pedro J. Bondaczuk
Há livros que, mesmo sendo de ficção, causam muito mais impacto do que milhares de reportagens sobre determinado tema, principalmente se escritos com alma e verdade e por escritores que realmente conheçam o ofício. Refletem, em cada linha, muito melhor a realidade do que matérias bem-apuradas e bem-escritas (e já nem me refiro àquelas “mambembes”, sonolentas e chatas, que caracterizam parte da imprensa na atualidade).
E por que isso acontece? Bem, uma das razões é a própria efemeridade do noticiário (e não importa veiculado em qual mídia). Qualquer notícia, por mais impactante que seja, perde a atualidade, horas depois de divulgada, sucedida por outras tantas, fresquinhas, abordando fatos que acabaram de acontecer ou mesmo que ainda estejam em andamento.
Já o livro, quando bem-escrito, permanece vivo por anos, décadas, milênios até. Fica fora dos holofotes da atenção pública por algum tempo, é certo, mas se for bom e verdadeiro, sempre volta à baila e segue gerando efeitos virtualmente sem-fim.
Nenhum jornal da época de Victor Hugo, por exemplo, realçou com tamanho realismo como vivia uma horda de miseráveis em Paris (que não eram poucos, frise-se) do que os romances “Les miserables” e “Notre Dame de Paris”, este último traduzido, para nós, com o título de “O corcunda de Notre Dame”.
Poderia citar centenas de outros exemplos em que o escritor, embora se valendo da ficção, refletiu com muito maior fidelidade a realidade do seu tempo do que o repórter. E, claro, produziu mais efeitos nos leitores.
Este preâmbulo vem a propósito do livro “As vinhas da ira”, de John Stenibeck, que se transformou – provavelmente à revelia do autor – num dos mais agudos libelos contra as injustiças sociais e contra a exploração do homem pelo homem. Há tanta coisa a dizer a propósito, que por mais objetivo que eu seja, precisarei de uns dois ou três textos para abordar o que quero lhes transmitir.
Preliminarmente, é mister que se esclareça que Steinbeck nunca foi político, no sentido de militância. Nunca foi arauto, por sua vez, de qualquer ideologia ou sistema, a despeito de ser acusado de “comunista” por fanáticos imbecis (como se isso fosse algum crime), que o chegaram a colocar na lista dos “malditos”, na triste época do macartismo nos Estados Unidos.
Foi, sobretudo, um escritor. E meticuloso e observador. E que, principalmente, se expressava com rigorosa sinceridade, sem se preocupar com estilo ou pirotecnia verbal e nem se iria melindrar alguém, e quem. Daí ter alcançado tantos corações e mentes, quer em seu país, quer, e principalmente, mundo afora.
“As vinhas da ira”, que o autor achava que não seria um romance “comercial”, ou seja, de fácil aceitação pelo público – tanto que recomendou à editora que o lançou que rodasse baixa tiragem – superou todas as mais otimistas expectativas.
Vendeu milhões de exemplares nos Estados Unidos, antes mesmo de ser transformado em filme que lotou salas de cinema país e mundo afora. Foi traduzido para mais de 60 idiomas e vendido por toda a parte. E em todos os lugares em que chegou, causou o mesmíssimo impacto, a mesma repercussão.
Passadas oito décadas do lançamento, ainda continua sendo republicado por toda a parte e vendendo muito, embora há tempos seu autor não esteja mais vivo para saborear o sucesso. Aliás, em vida, o livro causou-lhe, isso sim, inúmeros dissabores e desgostos.
Tanto que, depois de “As vinhas da ira”, Steinbeck não escreveu quase mais nada. Desanimou da literatura. Decepcionou-se, sobretudo, com a falta de entendimento dos imbecis preconceituosos, dos fanáticos, dos alienados e dos tantos que se valem do poder do dinheiro (cujas fortunas são incapazes de justificar, boa parte das quais obtida por meios ilícitos e/ou fraudulentos) para explorar, humilhar e destruir semelhantes.
A qualidade literária do romance (apesar da ferocidade do ataque de muitos idiotas, travestidos de críticos) é incontestável. Tanto que, sem que Steinbeck fizesse a mínima força para isso e, ao contrário, até à sua revelia e para a sua surpresa, conquistou os dois maiores prêmios de Literatura que existem: o Pulitzer e o Nobel.
Por enquanto, antes das considerações que farei a propósito, nos próximos dias, recomendo-lhe, atento e fiel leitor, que, caso não tenha lido “As vinhas da ira” ainda, que o leia. Se já leu, faça uma releitura. Dessa forma, ficará mais fácil de entender as considerações que farei na sequência acerca dessa obra monumental, um dos grandes marcos da literatura mundial de todos os tempos.
Pedro J. Bondaczuk
Há livros que, mesmo sendo de ficção, causam muito mais impacto do que milhares de reportagens sobre determinado tema, principalmente se escritos com alma e verdade e por escritores que realmente conheçam o ofício. Refletem, em cada linha, muito melhor a realidade do que matérias bem-apuradas e bem-escritas (e já nem me refiro àquelas “mambembes”, sonolentas e chatas, que caracterizam parte da imprensa na atualidade).
E por que isso acontece? Bem, uma das razões é a própria efemeridade do noticiário (e não importa veiculado em qual mídia). Qualquer notícia, por mais impactante que seja, perde a atualidade, horas depois de divulgada, sucedida por outras tantas, fresquinhas, abordando fatos que acabaram de acontecer ou mesmo que ainda estejam em andamento.
Já o livro, quando bem-escrito, permanece vivo por anos, décadas, milênios até. Fica fora dos holofotes da atenção pública por algum tempo, é certo, mas se for bom e verdadeiro, sempre volta à baila e segue gerando efeitos virtualmente sem-fim.
Nenhum jornal da época de Victor Hugo, por exemplo, realçou com tamanho realismo como vivia uma horda de miseráveis em Paris (que não eram poucos, frise-se) do que os romances “Les miserables” e “Notre Dame de Paris”, este último traduzido, para nós, com o título de “O corcunda de Notre Dame”.
Poderia citar centenas de outros exemplos em que o escritor, embora se valendo da ficção, refletiu com muito maior fidelidade a realidade do seu tempo do que o repórter. E, claro, produziu mais efeitos nos leitores.
Este preâmbulo vem a propósito do livro “As vinhas da ira”, de John Stenibeck, que se transformou – provavelmente à revelia do autor – num dos mais agudos libelos contra as injustiças sociais e contra a exploração do homem pelo homem. Há tanta coisa a dizer a propósito, que por mais objetivo que eu seja, precisarei de uns dois ou três textos para abordar o que quero lhes transmitir.
Preliminarmente, é mister que se esclareça que Steinbeck nunca foi político, no sentido de militância. Nunca foi arauto, por sua vez, de qualquer ideologia ou sistema, a despeito de ser acusado de “comunista” por fanáticos imbecis (como se isso fosse algum crime), que o chegaram a colocar na lista dos “malditos”, na triste época do macartismo nos Estados Unidos.
Foi, sobretudo, um escritor. E meticuloso e observador. E que, principalmente, se expressava com rigorosa sinceridade, sem se preocupar com estilo ou pirotecnia verbal e nem se iria melindrar alguém, e quem. Daí ter alcançado tantos corações e mentes, quer em seu país, quer, e principalmente, mundo afora.
“As vinhas da ira”, que o autor achava que não seria um romance “comercial”, ou seja, de fácil aceitação pelo público – tanto que recomendou à editora que o lançou que rodasse baixa tiragem – superou todas as mais otimistas expectativas.
Vendeu milhões de exemplares nos Estados Unidos, antes mesmo de ser transformado em filme que lotou salas de cinema país e mundo afora. Foi traduzido para mais de 60 idiomas e vendido por toda a parte. E em todos os lugares em que chegou, causou o mesmíssimo impacto, a mesma repercussão.
Passadas oito décadas do lançamento, ainda continua sendo republicado por toda a parte e vendendo muito, embora há tempos seu autor não esteja mais vivo para saborear o sucesso. Aliás, em vida, o livro causou-lhe, isso sim, inúmeros dissabores e desgostos.
Tanto que, depois de “As vinhas da ira”, Steinbeck não escreveu quase mais nada. Desanimou da literatura. Decepcionou-se, sobretudo, com a falta de entendimento dos imbecis preconceituosos, dos fanáticos, dos alienados e dos tantos que se valem do poder do dinheiro (cujas fortunas são incapazes de justificar, boa parte das quais obtida por meios ilícitos e/ou fraudulentos) para explorar, humilhar e destruir semelhantes.
A qualidade literária do romance (apesar da ferocidade do ataque de muitos idiotas, travestidos de críticos) é incontestável. Tanto que, sem que Steinbeck fizesse a mínima força para isso e, ao contrário, até à sua revelia e para a sua surpresa, conquistou os dois maiores prêmios de Literatura que existem: o Pulitzer e o Nobel.
Por enquanto, antes das considerações que farei a propósito, nos próximos dias, recomendo-lhe, atento e fiel leitor, que, caso não tenha lido “As vinhas da ira” ainda, que o leia. Se já leu, faça uma releitura. Dessa forma, ficará mais fácil de entender as considerações que farei na sequência acerca dessa obra monumental, um dos grandes marcos da literatura mundial de todos os tempos.
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