Wednesday, March 17, 2010




Ainda é privilégio

Pedro J. Bondaczuk

A leitura sempre se constituiu, na maior parte da História – tanto a mais remota, quanto a moderna e até a recentíssima, que classifico de contemporânea – em privilégio a que pouquíssimas pessoas tinham (e em alguns casos ainda têm) acesso. Durante milênios, por exemplo, era algo impossível, já que sequer havia sido inventada a escrita.
Após essa revolucionária invenção, continuou sendo restrita a um número incipiente de indivíduos, os raros que entendiam os símbolos convencionados (no caso as letras) criados para expressar pensamentos e sentimentos e registrar fatos e informações e que sabiam, portanto, como interpretá-los e utilizá-los.
Ademais, os meios físicos existentes para receber os textos (em princípio rochas talhadas, depois tabuinhas de barro e na sequência papiros, peles de animais etc. até se chegar ao papel como o conhecemos hoje) eram raros. E, portanto, caros.
Mais escassos ainda, por sua vez, eram redatores. E os meios de difusão de textos, muito mais ainda. O livro, tal como o conhecemos, passou a ser difundido em relativamente larga escala apenas a partir de 1442, quando Johannes Guttenberg deflagrou a maior revolução de todos os tempos, com a invenção dos tipos móveis. Só a partir daí, seria “universalizado”.
Isso, todavia, não queria dizer que os escritores, a partir de então, haviam recebido, de bandeja, de mão beijada, vasta clientela a quem destinar suas obras. Havia, ainda, um obstáculo imenso a ser transposto: a alfabetização.
Até meados do século XIX, eram pouquíssimos os que sabiam ler e escrever, e isso em centros bastante avançados cultural e materialmente, como a Europa e os Estados Unidos. No Brasil... a taxa de analfabetismo beirava, então, os 100%.
Hoje, há países em que, virtualmente, já não há mais nenhum analfabeto. Todavia, nem todo alfabetizado é “consumidor” desse produto de tamanha importância. Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, onde a leitura é razoavelmente difundida, seu “consumo” está aquém, muito aquém do verdadeiro potencial. Nem todos os que “sabem” ler gostam de fazê-lo.
No Brasil, então, o número de leitores habituais, mesmo que apenas de jornais e revistas (e até os de histórias em quadrinhos), não chega a 10% dos verdadeiramente alfabetizados, que nem mesmo são muitos, porquanto temos que levar em conta os “analfabetos funcionais” (muitos dos quais, até, com diplomas de segundo grau).
A leitura, portanto, foi, por 12 mil anos e continua sendo atualmente (agora por razões diferentes), privilégio para poucos, diria, pouquíssimos. Daí não me preocupar em demasia com a quantidade dos que me honram com sua leitura, mas concentro minhas expectativas na “qualidade” dos que me lêem.
Quero ter muitos leitores, sim, e quantos mais, melhor. Porém que sejam conscientes, críticos e que verdadeiramente amem essa aventura do espírito, que tende a melhorar, em todos os sentidos, quem é contaminado por esse bendito “vírus”.
Defendo a necessidade das pessoas lerem todos os tipos de textos que lhes caiam em mãos, mesmo os considerados nocivos por alguns (como os livros do Marquês de Sade, por exemplo, escabrosos e frutos de mente doentia, que chegam a dar engulhos nos mais sensíveis), mas com espírito crítico aguçado, para distinguir valores de vícios; beleza de horror e o sublime do horrendo etc.
O filósofo e político inglês, Francis Bacon, escreveu, a esse propósito: “Há livros de que apenas é preciso provar, outros que têm de se devorar, outros, enfim, mas são poucos, que se tornam indispensáveis e que, por assim dizer, se deve mastigar e digerir”.
Para fazer essa distinção, contudo, faz-se necessário, reitero, ler de tudo. Mas, insisto, essa leitura tem que ser feita com o senso crítico devidamente aguçado, para não se confundir o “manjar dos deuses” com simples excremento e não se “devorar” este último, achando que se está comendo o primeiro.
Tanto quanto ler, é necessário desenvolver a escrita.. Se a leitura continua sendo privilégio para poucos (e a Unesco informa que um quinto da humanidade ainda é constituído de analfabetos), imagine contar com essa habilidade rara e nobre!
É uma bênção, é um talento que não tem preço, mas que deve ser melhorado sempre e sempre e sempre, até se aproximar da perfeição (embora esta seja interdita a nós, humanos). Porquanto o já citado Francis Bacon também observou, com propriedade, sabedoria e lucidez: “A leitura traz ao homem plenitude; o discurso, segurança e a escrita, exatidão”.

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