Wednesday, March 31, 2010




Foram as idéias (não foi a força), que tiraram o homem das cavernas, com a maior revolução já ocorrida em todos os tempos: a descoberta da agricultura. Foi a ciência, e não o comércio, que ampliou os anos de vida desse animal frágil, exposto a um número incontável de doenças, e lhe proporcionou conforto e segurança. Foram as artes, e não as guerras, que deram sentido à vida, com a revelação da beleza. No entanto, tudo isso está sendo deixado de lado, trocado por acúmulo de "bens", que na verdade são "males".






Escritores centenários

Pedro J. Bondaczuk

Entre 31 de outubro e 3 de novembro de 2009 morreram dois escritores consagrados, com obras consolidadas, louvados e homenageados, com toda a justiça, mundo afora, pela força do seu talento e magia do seu texto.
O primeiro falecimento foi do antropólogo, etnólogo e filósofo belga Claude Lévi-Strauss, cuja relevância sequer é necessário destacar, que teve fortes vínculos com o Brasil, onde morou por bom período, tendo lecionado na Universidade de São Paulo.
O outro escritor que nos deixou foi o espanhol Francisco Ayala, falecido em 3 de novembro de 2009, nem tanto conhecido entre nós, mas reverenciado não somente na Espanha, sua terra natal, mas também na Argentina, onde se exilou no início da Guerra Civil espanhola (1936-1939) e lá permaneceu até 1950.
Uma característica especial liga essas duas mortes. Ambos morreram com mais de cem anos de idade. Lévi-Stauss iria completar 101 anos no dia 28 de novembro de 2009. Ayala faria 104 em janeiro de 2010. Os dois, portanto, já deram ao mundo o que tinham para dar e colhiam, agora, o justo fruto do seu talento e trabalho (diria genialidade). Ambos entram para o panteão dos “imortais”.
Uma pergunta, porém, se impõe: quantos anos um escritor precisa viver para produzir uma obra consistente, valiosa e consolidá-la? Não há limites. Um sujeito pode viver pouco e ainda assim produzir muito, e bem.
Exemplos? Há inúmeros por aí. Mas aceito o desafio e aponto alguns. Um deles foi Guy de Maupassant, um dos maiores escritores de todos os tempos, que morreu com apenas 43 anos de idade. Quanto poderia produzir a mais se vivesse, digamos, pelo menos até os 65? Talvez muito, talvez nada.
Querem outro exemplo? O de Charles Baudelaire. É impossível contestar a qualidade da sua obra. Escreveu muito e bem. Viveu, no entanto, apenas 46 anos, deixando-nos a impressão de que, se vivesse mais, sua produção seria multiplicada e proporcional aos anos a mais que vivesse. Alguém, contudo, tem certeza que isso aconteceria? Claro que não!
Mais um? Honoré de Balzac. .Só a sua “A comédia humana” reúne 88 obras em que mostra profundo senso de observação e arguto conhecimento da natureza deste estranho animal que somos nós. Uma produção dessas exigiu pelo menos 60 anos, pensarão os desavisados. Engano. Balzac morreu com apenas 51 anos de idade.
Por falar em precocidade produtiva e pouquíssimo tempo de vida, o que dizer, por exemplo, de um Álvares de Azevedo, que morreu antes de completar 21 anos? No entanto, nos encanta, homens e mulheres de pedra do século XXI, com a magia dos seus versos, em que compensa a falta de experiência e de maturidade, que só se obtém com muitos anos de vida, com uma sensibilidade raríssima até mesmo em poetas. O que aconteceria se vivesse, digamos, até os 65 anos? Talvez muito, talvez nada. Jamais iremos saber.
O mesmo se pode dizer de Antonio Castro Alves. O genial poeta baiano legou-nos uma obra rica e consistente. Foi, sobretudo, emérito abolicionista colocando, portanto, seu talento a serviço de nobilíssima causa. Todavia, a exemplo de Álvares de Azevedo, viveu pouco, pouquíssimo. Morreu com 24 anos de idade. Repito a mesma pergunta que fiz em relação aos exemplos anteriores: o que aconteceria se vivesse pelo menos até os 65 anos? E dou, óbvio, igual resposta: talvez muito, talvez nada.
Francisco Ayala aproveitou bem os muitos anos que viveu. Legou à posteridade uma obra vasta, consistente e de alta qualidade. Tanto que, ao morrer, era considerado um dos maiores intelectuais da Espanha (para onde regressou em 1960, após uma passagem de dez anos nos Estados Unidos tão logo deixou a Argentina) do século XX.
Conquistou, ao longo de vitoriosa carreira, os principais prêmios literários do seu país, como o Cervantes e o Príncipe das Astúrias. Chegou a ser cogitado para o Prêmio Nobel, embora nunca tivesse a candidatura lançada para essa grande honraria literária.
Seus livros não são lá muito conhecidos no Brasil, ao contrário do que ocorre em relação à Argentina e, logicamente, ao seu país de origem. Destacam-se “El boxeador y um angel”, Historia de la libertad”, “Muertes de perro”, “Historia de macacos”, “Gloriosos triunfos del principe Arjuna” e “Cervantes y Quevedo”.

Tuesday, March 30, 2010




O escritor D. H. Lawrence, célebre por seu romance "O Amante de Lady Chaterley", que teve sua obra censurada como "pornográfica" e "atentatória à moral" e que não viu o livro ser publicado na íntegra (o que ocorreria apenas após a sua morte), criticou os pressupostos baseados no "ter", em detrimento do "ser". Escreveu: "O que queremos é destruir nossas falsas, inorgânicas relações, especialmente com o dinheiro, e restabelecer nossa relação orgânica e viva com o cosmos, o Sol e a Terra, com a raça humana e com a nação e a família". Imoral não é falar sobre sexo e erotismo, mas deixar pessoas morrendo à míngua, enquanto temos mais do que precisamos e desperdiçamos. Qual a razão do patrimônio da humanidade – que são os recursos do Planeta – estar entregue a pessoas tão medíocres, sem princípios e sem idéias, que os vêm depredando de forma estúpida e sistemática?



Tributo a um gênio generoso

Pedro J. Bondaczuk

Os gênios tendem a ser generosos e reconhecer méritos alheios, que os invejosos e medíocres buscam denegrir. Sabem ver o valor de quem tem e não se desmancham em críticas face às fragilidades das outras pessoas.
O jornalismo e a literatura brasileiros perderam, ontem, 29 de março de 2010, um desses gênios generosos, um de seus maiores expoentes, com a morte, aos 83 anos, de mestre Armando Nogueira. E uso esse designativo não de forma hipócrita, para agradar a quem quer que seja, mas porque se tratou, de fato, de figura magistral, na mais lídima acepção do termo.
Falar de sua brilhante trajetória jornalística torna-se redundante e desnecessário, já que a totalidade dos meios de comunicação está tratando, nesta segunda-feira, dela, o que dá, inclusive, a exata dimensão da nossa perda. Afinal, trata-se de um modelo, de um símbolo, de um marco, de um referencial, de um jornalista competente, íntegro e inigualável. Seus feitos falam por ele. Entre suas realizações mais visíveis, por exemplo, está aí o “Jornal Nacional” da Rede Globo, que concebeu e no qual apostou.
Armando Nogueira, todavia, foi também prolífico, criativo e original escritor. Foi, pois, como nós (e mais do que nós, ouso dizer) homem de letras. Deixa-nos, como legado, uma obra relativamente vasta e consolidada, de dez livros, a maioria versando sobre sua maior paixão, o esporte e, notadamente, sobre futebol.
Tempos atrás, reclamei que esse tema era pouco explorado em literatura, em um país em que as crianças já nascem chutando bolas. E é mesmo. Há muito, mas muito mesmo a se dizer a respeito. Afinal, o futebol é há já mais de um século e meio a grande paixão nacional, fenômeno de massas e modalidade em que o Brasil é, sem sombra de dúvida, o melhor do mundo. Basta citar as cinco Copas do Mundo que conquistou, feito que até pode ser igualado em 2010 (não creio que o será), mas jamais superado.
Armando Nogueira foi o grande “poeta” da crônica esportiva, talvez mundial. Fugiu do lugar comum da maioria dos que escrevem sobre o tema e estabeleceu um parâmetro de qualidade na abordagem do tema do qual, ouso dizer, ninguém conseguirá sequer se aproximar.
Escreveu, certa feita: “O esporte é uma das mais ricas manifestações de vida que eu conheço. Contém todas as virtudes e todos os pecados da criatura humana, dos mais sublimes aos mais subalternos”.
Os dez livros, com que Armando Nogueira presenteou não somente os amantes do futebol, mas, sobretudo, os que apreciam textos inteligentes, instigantes, criativos e bem escritos, não raro líricos, mas sem jamais perder a objetividade do bom jornalista, são: “A ginga e o jogo”, coletânea de 78 crônicas, confissões, histórias e apreciações das 15 Copas do Mundo a que assistiu (além de sete Olimpíadas); “A copa que ninguém viu e a que não queremos lembrar”, análise das derrotas do Brasil nos mundiais de 1950 e 1954, escrito com Jô Soares e Roberto Muylaert; “Drama e glória dos bicampeões”, sobre o bicampeonato de 1958 e 1962, em parceria com Araújo Neto; “Na grande área”, com prefácio de Otto Lara Resende; “Bola na rede”; “O homem e a bola”; “Bola de cristal”; “O vôo das gazelas”; “O canto dos meus amores” e “A chama que não se apaga”.
Fossem reunidos todos os textos que Armando Nogueira publicou na imprensa, em 60 anos de carreira, estes perfariam, sozinhos, toda uma biblioteca, com centenas, quiçá com milhares de volumes. Foi, de fato, homem de letras e genial. E, acima de tudo, generoso com seus tantos e tantos personagens.
Nem tudo o que escreveu, porém, foi sobre futebol. Em “O vôo das gazelas”, por exemplo, reuniu crônicas, poemas e textos comunicativos com toques de humor. Em “O canto dos meus amores”, mostrou todo seu conhecimento e sua apreciação por modalidades esportivas como vôlei, basquete, atletismo, tênis (do qual era praticante), natação, automobilismo etc. Em “A chama que não se apaga”, registra casos curiosos e pitorescos de Jogos Olímpicos.
Apesar da sua inegável paixão pelo futebol, Armando Nogueira, generoso reitero, reverenciou ídolos de outros esportes, como Gustavo Kuerten, Hortência, Ayrton Senna, Rodrigo Pessoa, Magic Paula e tantos e tantos outros. Suas crônicas fizeram justiça com mitos, alguns já quase esquecidos pela falta de memória popular, como Garrincha, Vavá, Newton Santos, Romário, Ademir da Guia e, sobretudo, esse incomparável gênio dos gramados, que foi Pelé.
Para encerrar estas resumidas (mas emotivas) considerações sobre quem mereceria um tratado, cito o que Armando Nogueira escreveu sobre este objeto fascinante, miniatura do planeta em que vivemos, instrumental de boa parte dos esportes praticados mundo afora: “Bola é magia, bola é movimento. Brincar com ela é descobrir a harmonia e o equilíbrio do universo”. Foi ou não foi um magnífico poeta? Claro que sim!
Descanse em paz, companheiro de paixões e preferências! E muito obrigado pelo inegável legado de competência, talento, responsabilidade e zelo que você nos deixou. Mestre Armando Nogueira, a saudade de você já começa a doer e sua ausência passa a se constituir em dor sem remédio! Até um dia, companheiro!

Monday, March 29, 2010




Em treze milênios de civilização, o homem ainda não se conscientizou do seu verdadeiro papel, "brincando" de viver, transformando o mundo em um circo de horrores, onde imperam o crime, a violência (física e principalmente social) e o desmedido egoísmo. No fundo, bem no íntimo da consciência, todos sabemos que os paradigmas que norteiam as relações humanas são errados. No entanto... relutamos em abrir mão deles ou nos insurgimos contra a sua modificação.



Privacidade ou promiscuidade?

Pedro J. Bondaczuk

A morte do escritor norte-americano J. D. Salinger – ocorrida em 27 de janeiro de 2010 (26 dias após completar 91 anos de idade, a maior parte dos quais vividos em rigoroso e absoluto isolamento em uma propriedade rural do Estado de New Hampshire) – suscita, na opinião pública, série interminável de indagações, a respeito não somente do seu livro “O apanhador em campo de centeio” (campeoníssimo de vendas), como também, e principalmente, acerca dele, seu excêntrico autor. O que teria motivado, de verdade, o seu afastamento dos holofotes da imprensa, e ainda por cima, no auge do sucesso, quando a maioria procuraria gozar ao máximo a fama, que é efêmera e passageira?
As especulações são inúmeras. Algumas, fazem sentido, outras são tão estapafúrdias (ou mais) como esse comportamento, inexplicável para a maioria. Há quem diga, por exemplo, que o isolamento dele se tratou de um golpe de mestre, em termos de marketing. Que Salinger tinha consciência que, enquanto persistisse o mistério em torno da sua figura, permaneceria na crista da onda. Expondo-se, logo as pessoas se enjoariam dele e procurariam outro para endeusar e assediar. Não acredito nessa hipótese, mesmo sendo possível.
Para nós, escritores (e não importa nossa projeção ou obscuridade), temos no leitor a figura central da nossa atividade. O argentino Ricardo Piglia chegou a escrever um livro inteiro (excelente e instigante, por sinal) explicando a razão da nossa necessidade radical desse personagem anônimo e sem rosto, que determina nosso sucesso ou fracasso no mundo editorial.
Ninguém escreve, salvo uma ou outra raríssima exceção, para o próprio deleite. Via de regra escrevemos para que outros leiam nossas idéias, pensamentos, sentimentos, descrições, criações e informações. Isso é tido, consensualmente, como “normal”.
Salinger, porém, ao que se deduz de uma suas raras declarações à imprensa, não agia dessa forma. Declarou, certa feita (há algumas décadas), por telefone, a repórteres: “Tenho paixão pela escrita. Nada me agrada mais do que escrever. Escrevo, todavia, para o meu deleite, não para outros lerem. A leitura, por parte de terceiros, é, para mim, intolerável invasão da minha privacidade!”. “Mas como?!”, perguntará, aturdido, o leitor dessas considerações. “Mas como?!”, pergunto, igualmente atônito, aos meus botões.
Salinger estaria sendo sincero? Como saber? Impossível! Só podemos especular a respeito. Outra indagação que fica é se deixou textos inéditos, quantos, a respeito do que etc. Afinal, para um sujeito que confessou ter obsessão pela escrita, seria improvável que tenha passado os últimos quarenta anos de vida, rigorosamente afastado do mundo, sem escrever uma única e reles linha. Deve ter escrito, e muito. Mas escreveu? Quanto? O que? O que foi feito desses textos, caso os tenha escrito?
Se existirem, certamente virão a público (valem uma fortuna!) e haverão de saciar a curiosidade, não raro até mórbida, das multidões. É verdade que um sujeito excêntrico, como ele, pode ter destruído tudo o que escreveu. Não seria, sequer, caso único na literatura. O russo Nikolai Gogol, por exemplo, escreveu uma infinidade de contos, que teve o capricho de queimar posteriormente, um a um. Por que? Só ele sabia.
Fica a questão para ser respondida pelos escritores que me dão a honra da sua leitura: o que você prefere, a privacidade ou a promiscuidade com os leitores? Ou seja, sua opção é a de escrever para o próprio deleite ou você produz textos para o mundo, mais especificamente, para essa figura anônima e sem rosto, não importando quem seja, se sábio ou néscio, se sadio ou lunático, se gênio ou burro? Afinal, após publicados, você jamais saberá em que mãos foram parar os seus escritos.
Os críticos, que escreveram textos e mais textos sobre Salinger nos últimos dias, lembraram um fato que à primeira vista nada tem a ver com a decisão do escritor para tentar colocar toda a distância possível dos leitores. Revelaram que tanto o sujeito que tentou assassinar o ex-presidente Ronald Reagan em 30 de março de 1981, ou seja, John Hincley Jr.; quanto o assassino do beatle John Lennon, a quem abateu à saída do edifício Dakota, em Nova York, em 8 de dezembro de 1980, Mark David Chapman, portavam consigo o livro “O apanhador em campo de centeio”.
A novela de Salinger teria influenciado a ambos (ou algum deles) a cometer os desatinos que cometeram? Vai saber! Pode ser que sim, pode ser que não. É tarefa para titãs tentarem entender a mente de um psicopata. Que ao menos teoricamente essa promiscuidade com os leitores pode trazer esse tipo de risco, isso pode mesmo.
Como saber de que forma as idéias que expus serão devidamente entendidas, no contexto adequado que pretendi que fossem entendidas? Não se pode saber. Afinal, reitero, nunca saberemos em quantas e em quais mãos nossos livros cairão e em que ocasiões.
Hinckley teria tentado matar Reagan, em frente ao Washington Hilton Hotel supostamente motivado por doentia paixão por Jody Foster, por quem se apaixonara perdidamente após vê-la atuando no filme “Táxi Driver”, em 1970. Na película, a então atriz-mirim interpretou o papel de uma prostituta de 12 anos. Seu parceiro, para conquistá-la, tenta assassinar um senador, candidato à Presidência dos Estados Unidos.
O livro de Salinger teve alguma coisa a ver com isso? Vá saber! Reitero, é impossível decifrar o que se passa na mente de um psicopata. Mais maluca ainda foi a motivação de Mark Davi Chapman para assassinar John Lennon. Afinal, confessou, na época (e sustenta até hoje essa versão), que adorava de tal forma o controvertido beatle, que o tinha como um deus. E por que o matou? Ele respondeu: “Porque pensei que ele fosse de mentira”. E complementou, em tom que me soa como de triunfo: “Eu era ninguém até que matei o maior alguém da Terra”. É aterrorizante!
Cá pra nós, amigo escritor, não o assusta a idéia de um livro seu cair em mãos de um imbecil como este? A mim, me apavora. Vá que descubra nas entrelinhas o que nunca escrevi e nem em sonhos cogitei escrever e saia por aí cometendo atrocidades como as cometidas por Hinckley e por Chapman, em meu nome! Vá que nutra, por mim, adoração como a nutrida por John Lennon e queira testar se sou de verdade ou de mentira! Deus que me livre!

Sunday, March 28, 2010




Os pressupostos em que se baseia a civilização não resistem à mínima análise. Disfarçada sob tênue camada de verniz civilizatório, o que ainda impera é a lei da selva: a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. A riqueza é o disfarce que se usa para dissimular a força bruta. Hoje não é o indivíduo com maior massa muscular, ou mais perito no manejo de armas, o que prevalece sobre os que lhe são mais frágeis ou indefesos. É o rico. É o que pode "comprar" essa montanha de músculos, ou essa máquina de coagir e matar, para impor e assegurar os seus interesses. E a maioria, consciente ou inconscientemente, apóia tal sistema. A sociedade atual, tirando os recursos tecnológicos que facilitam a vida de milhões (vedados a dois terços da humanidade, que vegetam sob o espectro da fome, sem acesso à educação, moradia, saúde e segurança), é a reprodução fidelíssima do inferno, pintado por furibundos pregadores do passado.



Armamentismo no Terceiro Mundo

Pedro J. Bondaczuk

O indiano Marayan Desai, discípulo do Mahatma Gandhi, que esteve em fevereiro passado no Rio de Janeiro participando da Sexta Conferência do Serviço de Paz e Justiça na América Latina, fez uma previsão à qual pouca gente deu a devida importância, mas que parece que vai ser a tendência predominante nesta derradeira década do século XX. Ele alertou: "Com as mudanças no Leste europeu e o conseqüente desarmamento na Europa, a corrida armamentista vai se deslocar para o Terceiro Mundo". Evidentemente, para que isto ocorra, os agentes da lucrativa (para eles) "indústria da morte" tentarão fomentar conflitos e desavenças de toda a sorte, para justificar uma procura maior por armas que lhes garanta a manutenção dos seus imensos lucros.

Na mesma entrevista, Desai observou: "Os conflitos bélicos, depois da Segunda Guerra Mundial, vêm acontecendo sempre em países do Terceiro Mundo e com um agravante: o número de mortos civis é muito maior". Basta que se observe os últimos confrontos armados que se registraram, ou que ainda estão em andamento, para se concluir da exatidão da observação: Golfo Pérsico, Sudeste Asiático, Sul da África, América Central e subcontinente indiano. Países sumamente endividados, alguns passando por graves dificuldades de abastecimento de alimentos às suas populações, como é o caso específico da Etiópia, investem fortunas em armamentos. Desperdiçam, com isso, preciosos recursos, dos quais são carentes, que deveriam ser usados para guerras muito mais urgentes, que são as contra o analfabetismo, contra a subnutrição, contra as drogas, contra as doenças originadas pela miséria e contra a perpetuação do seu subdesenvolvimento.

A situação torna-se mais dramática, adquirindo colorações trágicas, se atentarmos para o fato que armas sofisticadíssimas, outrora privativas apenas dos arsenais das potências, estão sendo negociadas, ostensiva ou veladamente, no comércio armamentista mundial. A corrida nuclear está chegando a países que sequer venceram a etapa que os tire da condição de subdesenvolvidos. Ainda recentemente, houve o incidente da apreensão de 40 detonadores eletrônicos de bomba atômica em Londres, que se destinavam para o Iraque, bem como a controvérsia acerca de um possível supercanhão, o maior jamais construído no mundo, que essa devastada nação do Golfo Pérsico estaria fazendo.

Casos assim tendem a se multiplicar e isto os que chegam à luz da opinião pública mundial. Quantos mais não existem por aí, mantidos em absoluto segredo, impedindo, dessa forma, que se possa tomar qualquer providência? O alerta de Desai, portanto, antes de ser mera declaração alarmista, como muitos podem querer interpretar, fala de um perigo iminente, dos mais inquietadores e que precisa ser levado muito a sério.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 21 de abril de 1990)

Saturday, March 27, 2010




Nelson Rodrigues, com sua conhecida irreverência, expressou, com a crueza que lhe era peculiar, como agem as massas e o quanto são vulneráveis, influenciáveis e volúveis. Escreveu, em uma de suas polêmicas crônicas: "Ponha o cretino fundamental em cima de um caixote de querosene jacaré e mande-o falar. Ele dá um berro e, imediatamente, milhares de cretinos fundamentais se arregimentam". A única forma de dificultar essa manipulação é fazer o povo pensar. Castro Alves via no livro o instrumento para tornar isso possível. Mas como convencer insensatos, acomodados, lerdos de raciocínio, os que sequer sabem a razão de estarem no mundo e que têm como supremo objetivo (e na maioria das vezes o único) a satisfação dos sentidos, da importância da leitura? Como fazer esse povo pensar?



Soneto à doce amada-LXIII

Pedro J. Bondaczuk


Aura, ágil, veloz dançava,
entre os meus cabelos revoltos
a dança de Agar, a escrava,
com mil trejeitos desenvoltos.

Ao lado, um mercador falsário,
abrindo o seu manto de estrelas,
ao perceber-me solitário,
me queria, a custo, vendê-las.

Porém tudo quedou silente,
nesta tarde parada e quieta,
cheia de cuidados, desvelos,

quando apareceu, de repente,
como se a atender a meus apelos,
a diva dos louros cabelos.

(Soneto composto em Campinas, em 2 de março de 1967).

Friday, March 26, 2010




A civilização, em seus aspectos mais nobres, como a ética, o direito, a justiça social e a solidariedade, só evolui quando líderes iluminados e lúcidos conseguem conduzir esse imenso rebanho humano na direção do bem comum. Poucos, porém, são os povos e períodos que contam com essa felicidade. Daí a história apresentar recuos e avanços que se sucedem e se mostram intermináveis através de gerações. As pessoas consideradas "comuns" sequer têm culpa disso. São frutos da educação que recebem, determinada pela elite. Esta é que decide como e "para o quê" os indivíduos devem ser educados. Ou seja, condicionados. Sejamos nós esses líderes lúcidos, inteligentes e competentes que os povos tanto precisam.
.



Viagens de férias

Pedro J. Bondaczuk

As pessoas, face à massacrante rotina do cotidiano, por mais que gostem do que fazem, não vêem a hora de chegar um feriado para relaxar e contam nos dedos os dias que faltam para suas férias. Outras tantas, sonham com a aposentadoria e fantasiam esse período, achando que nele irão colher os frutos do que plantaram. Se forem trabalhadores do serviço público, e estiverem numa faixa salarial de razoável para boa, até que têm certa razão em sonhar com esse período.
Afinal, receberão o mesmo que recebiam quando estavam na ativa. Mas se forem da iniciativa privada... Em três tempos perceberão a roubada em que entraram. Os mais ativos e experientes jogarão a aposentadoria para o alto e voltarão à ativa rapidinho, enquanto a saúde lhes permitir. Os mais acomodados... Irão morrendo aos poucos, definhando, apodrecendo em vida e aborrecendo os parentes.
Entre os que fazem contagem regressiva para as férias, estão muitos escritores, aqueles que são obrigados a dividir a atenção que dão à literatura com outras atividades remuneradas que lhes garantam o sustento (a maioria). Afinal, manter dupla jornada, e indefinidamente, é façanha para poucos. A maioria, se tem condições financeiras para tal, programa viagens: ou para Miami, ou para Cancun, ou para alguma cidade da Europa ou um cruzeiro pelas ilhas gregas, quem sabe. O destino varia, claro, de acordo com a conta bancária.
Quem não é tão abonado contenta-se (no caso dos paulistas), com uma descida para as praias, ou de Santos e Guarujá, ou do Litoral Norte, como São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba, Ubatuba, com uma esticadinha até Parati. Se o dinheiro não der nem para isso... Paciência!
Pode um escritor, em plena fase produtiva, com idéias e mais idéias borbulhando na cabeça, sequer cogitar de férias? Poder, pode. Mas creio que estará cometendo uma bobagem sem tamanho. Afinal, quase sempre, por ironia, as fases férteis são sucedidas pelo que os artistas (e escritores também, claro) mais temem: as crises de criatividade.
Estou saindo de férias da minha atividade remunerada, aquela que me garante o pão nosso de cada dia. A partir de amanhã, e pelos próximos vinte dias (dez eu vendi para a empresa) o tempo que dedicava ao trabalho, contando, claro, os deslocamentos de ida e volta, estará ao meu inteiro dispor, para que eu faça dele o que melhor me aprouver.
Um amigo dileto, que freqüenta minha casa e priva da minha intimidade, me perguntou, no início da semana: “Você vai viajar, Pedrão?”. Respondi-lhe, meio que distraído: “Vou”. “Posso saber para onde?”, tornou a questionar o xereta. “Para muitos lugares”, foi minha resposta, absolutamente evasiva.
Depois, para satisfazer sua curiosidade, complementei: “Vou para Pasárgada. Afinal lá, sou amigo do rei! Depois, darei uma passadinha no Paraíso Perdido. Talvez, quem sabe, me encontre com John Milton. E, se der tempo, visitarei o Admirável Mundo Novo, onde espero trocar idéias com Aldou Huxley”.
O amigo olhou-me com fúria homicida e murmurou um palavrão entredentes (daqueles bem cabeludos, que a bem da moral e dos bons costumes, não devo reproduzir neste espaço), achando que eu estava zombando dele, que estava chasqueando da sua pergunta (há tempos que eu não usava essa palavra que ainda consta no dicionário). Não estava.
Pretendo, sim, viajar nas férias, mas serão viagens nada cansativas e absolutamente gratuitas. Vou para o interior da minha alma, em busca de tesouros. Claro que gostaria, por exemplo, de voltar à Praia da Boa Viagem, ou a Porto de Galinhas, ou à cidade de Caruaru, onde tive experiências que me marcaram (positivamente, óbvio) para sempre. Caso pudesse, continuaria subindo o Nordeste, pois acima de Pernambuco não conheço mais nenhum outro lugar. Gostaria de fazer tudo isso, e demais.
Só que se o fizesse estaria cometendo uma baita traição comigo mesmo, com a minha vocação. Atravesso, atualmente, uma das fases mais férteis desde que me conheço por gente. Isso vai render boa literatura, ou pelo menos literatura? Não sei. Mas se não tentar, se não aproveitar esse tempo para produzir, tenho absoluta certeza de que me arrependerei, e muito.
Um ex-chefe meu, o Josias Favacho, costumava dizer a propósito: “A oportunidade é um cavalo encilhado que passa por nós raramente, às vezes uma única vez. Se não subirmos na sela e não o cavalgarmos, talvez fiquemos a pé para sempre, a lamentar a imensidão do caminho que teremos que percorrer andando”.
É isso. O fogoso corcel está passando nesse instantinho por mim, como que me convidando a subir em suas ancas. Não posso deixá-lo seguir adiante, a pretexto de precisar de descanso. E preciso? Provavelmente sim. Mas lembro-me de uma frase que ouvi certa feita de um veterano publicitário: “Para descansar, terei, um dia a eternidade”. E não terei?

Thursday, March 25, 2010




A maioria da humanidade é integrada por pessoas comuns. É composta pelos que são incapazes de iniciativas ousadas ou de juízos mesmo que rudimentares. Necessitam de quem as oriente, proteja e guie. Fazem parte do padrão comum e são necessárias e indispensáveis. Constituem-se na força que concretiza as idéias da elite. Devem, portanto, ser credoras, em uma sociedade equilibrada e justa, dos mesmos direitos fundamentais dos que constituem a "nata" social. Os estudiosos de ciências humanas convencionaram denominar essa multidão de "massa". É o conjunto passivo de ser moldado – ou por idéias tidas por consensuais, ou pela tirania – ao bel-prazer dos condutores. Em geral é manipulado, mediante os mais variados expedientes: pela força, pelo engodo, pelo suborno (o "panem et circenses") etc. O recurso mais utilizado nesta época dita "de comunicação total" é o da propaganda.



Cascata de idéias

Pedro J. Bondaczuk

Há pessoas que, a pretexto de serem seletivas em suas leituras, desdenham livros de ficção, como romances, contos e novelas. Argumentam que lêem com o objetivo de aprender e não de se divertir. Quem age assim, todavia, não sabe o que está perdendo. Nem toda ficção tem seu ponto forte apenas no enredo.
Há romances, por exemplo, que pela profundidade, valem mais do que anos de aulas de filosofia. Seus autores não se limitam a inventar determinadas histórias, a criar personagens marcantes e a descrever cenários, vestimentas, pessoas etc.
Seus livros contêm profundas reflexões, autêntica cascata de idéias que nos induzem não somente a refletir sobre o que declaram (em geral, na boca dos seus heróis e heroínas), mas a escrever nossas próprias observações a respeito.
Há romances que lemos num só sopro, sem nos deter para anotar o que quer que seja. São fluentes, dinâmicos, bem escritos, mas pouco reflexivos. São factuais, como se fossem uma reportagem de jornal. Divertimo-nos com eles, mas aprendemos muito pouco com sua leitura.
Há outros, todavia, que não dá para ler sem uma caneta nas mãos, para grifar seus principais trechos. Ou, se quem os lê não quiser estragar o volume, deve trazer sempre ao alcance uma agenda (como costumo fazer) para anotar suas sábias reflexões.
Cito, de memória, sem ter que refletir muito, Machado de Assis, Fedor Dostoievski, Leon Tolstoi, Jorge Luís Borges, Eça de Queiroz, John Steinbeck e Aldous Huxley, entre os tantos ficcionistas que se enquadram nessa seleta relação de escritores.
Tenho anotados trechos e mais trechos de romances desses autores (e de centenas de outros), que já me proporcionaram idéias para uma infinidade de crônicas e de ensaios. É como se travássemos diálogos, em que na maioria das vezes concordo com suas reflexões, acrescentando-lhes as minhas ou, em alguns casos, até as contesto, o que é mais raro, confesso.
Há romances que nos sugerem idéias já a partir do próprio título. Quando li, por exemplo, “Ronda grotesca”, de Aldous Huxley, pela primeira vez (reli-o pelo menos três vezes), escrevi todo um livro, tendo por tema o tempo e a morte (que nos ronda a cada segundo de vida, sem que a percebamos, até nos colher súbita e traiçoeiramente e pôr fim a essa aventura inexplicável e breve).
Desse mesmo autor, o livro “Sem olhos em Gaza” sugeriu-me a alegoria de Sansão, aquele cuja força descomunal estava nos cabelos e que a perdeu quando Dalila cortou-lhe as madeixas. Prisioneiro dos filisteus, na cidade de Gaza, teve os olhos vazados, numa tentativa dos adversários de neutralizá-lo de vez.
Entendi o título como metáfora da nossa obsessão por glória e fortuna, o que nos cega, literalmente, e não permite que vejamos o que de fato importa. Ademais, o romance não tem nada a ver com a alegoria bíblica de Sansão, como o título pode sugerir. Mas não foram apenas os títulos dos romances de Huxley que me fascinaram, claro. Foram suas reflexões, dignas de serem repetidas e citadas nos mais variados textos e ocasiões.
Ler ficção, portanto, desde que escolhamos o autor adequado, está longe de se constituir em mero lazer, como muitos pensam, e muito menos em perda de tempo. Colhi, por exemplo, preciosas pérolas de sabedoria e verdade no romance “A cidade e a serra”, de Eça de Queiroz.
“Guerra e paz”, de Leon Tolstoi, rendeu-me mais de duzentas anotações e dezenas de crônicas. Reitero, pois, que muitos romances acabam sendo mais úteis para nós, que vivemos de texto, do que centenas de aulas de filosofia.
Para ficar em âmbito doméstico, menciono o nosso maior escritor de todos os tempos, Machado de Assis. Recentemente, li uma antologia de seus contos, editada, em dois volumes, pela Companhia das Letras, que reuniu cerca de duzentas histórias do “Bruxo do Cosme Velho”. E não há uma única pela qual tenha passado batido e não haja anotado alguma reflexão útil e soberba.
Quanto aos seus romances, todos, sem exceção, me encheram de idéias e me ensejaram textos e mais textos, alguns publicados em livros e outros tantos circulando internet afora, em sites e blogs os mais variados.

Wednesday, March 24, 2010




As sociedades humanas, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de líderes, de pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com capacidade inata de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima dessa necessidade é que se estruturaram as hierarquias – desde as familiares (nos clãs), às tribais e posteriormente comunitárias e nacionais. Como ocorre com todos os animais, possivelmente até por questões genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores do que outros. São os que normalmente constituem as elites. Quando não, se transformam em rebeldes, em contestadores, em questionadores que não se submetem ao status vigente. São os revolucionários, fatores essenciais de mudanças, para o bem e para o mal. Sejamos líderes na construção de um mundo de justiça e de paz.



Clima e ânimo

Pedro J. Bondaczuk

O ano de 2010 começou de forma não muito alvissareira para boa parte das pessoas. Nas regiões sul e sudeste do Brasil, por exemplo, algumas cidades (inclusive a que resido) ainda não viram um único dia pleno de sol e de céu azul, do alvorecer ao entardecer. As chuvas, ou melhor, os temporais, até já viraram rotina para nós.
Fossem mansas e na medida certa para a época, seria fato para se comemorar. Mas não é o que vem ocorrendo. A temporada chuvosa bate recordes sobre recordes de índices pluviométricos, causando desastres, mortes e contratempos de todos os tipos. Alguns paulistanos, a exemplo do que fazem os moradores de Belém, no Pará, até já vêm marcando encontros para “depois da chuva”.
Os meteorologistas atribuem a excessiva pluviosidade desta temporada ao fenômeno El Nino, que se caracteriza pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico (que, a rigor, nem faz jus ao seu nome). Muita gente (e me incluo entre essas pessoas), no entanto, desconfia que já sejam os primeiros resultados catastróficos do “efeito estufa”. Tomara que estejamos equivocados.
E o que esse verão líquido, aquoso, molhado, úmido etc. tem a ver com literatura? Nada e tudo. Especificamente, as artimanhas do clima são assunto para os especialistas e, por extensão, para quem lida com notícias, os jornalistas e não para literatos. Todavia, esse cenário permanentemente sombrio, com nuvens escuras reduzindo ou até suprimindo a quantidade de luz, afeta direta e profundamente quem vive de escrever.
Notem, amigos escritores, como seus textos soam “diferentes” em um cenário como este que caracterizou janeiro. A tendência, ao redigirmos notadamente crônicas, é a de refletirmos nosso estado de espírito no resultado final da produção. Se estivermos alegres, se o ambiente ao nosso redor for bonito e agradável, o que escrevermos terá, mesmo que sutilmente (e embora nem seja nossa intenção) tons de alegria, descontração e felicidade. Caso contrário...
Somos animais “meteorológicos”. Ou seja, o clima afeta diretamente nossos sentimentos e emoções. Em dias belos e amenos de outono e de primavera, nossa produção tende a ser mais copiosa e de melhor qualidade. Aliás, todos os animais são afetados pela maior ou menor quantidade de luz e calor. Basta observar seu comportamento. No inverno, é um. No verão, é outro muito diferente. Em dias de sol, reagem de uma certa maneira. Nos nublados e chuvosos, a reação é diametralmente oposta. Provavelmente isso tem a ver com os níveis de melanina no organismo. Ou não, sei lá. Pelo menos, é o que suponho.
Aliado ao clima, que nos estragou metade do verão, o noticiário, desde finais de dezembro, é dos mais sombrios e desanimadores. Tragédias e mais tragédias se sucedem e pouca coisa positiva (não me lembro de nenhuma) ocorreu para contrabalançar.
Os norte-americanos fizeram uma interpretação pitoresca e, acima de tudo, otimista deste ano. Denominaram-no de “vinte dez”. Ou seja, deixaram implícito que teríamos duas dezenas de ocorrências perfeitas, com grau absoluto de excelência, a ponto de merecerem nota dez. Convenhamos, ainda não tivemos nenhuma. E o primeiro mês já foi pras cucuias.
É certo que vem aí o Carnaval. Quem aprecia (e pode aproveitar) essa festa popular certamente não estará nem aí se estiver chovendo ou fazendo sol de rachar mamona. Tenho minha maneira peculiar de participar da folia. Não é, óbvio, pulando nos bailes de salão ou torcendo por alguma escola in loco, na avenida.
Pular até que pulo, mas nos lençóis do meu leito. E não perco um único desfile na Marquês de Sapucaí. Calma, leitor, não há nenhuma contradição nessa confidência. Participo do Carnaval, sim, mas não comparecendo ao sambódromo. Faço-o de forma mais barata (na verdade gratuita), segura e confortável: assistindo este que é um dos maiores (senão o maior) espetáculos da Terra pela televisão.
Não deixa de ser, também, um sacrifício, pois uma noite sem dormir sempre cobra seu preço, principalmente se levar em conta que já não sou tão garoto assim. O festival de sons, luzes e cores, todavia, mais do que compensa tudo isso. Ademais, como estou de férias, posso perfeitamente trocar a noite pelo dia e repor minha cota, de oito horas batidinhas, de sono sem qualquer problema.
Quem sabe, o Carnaval será o primeiro dez, dos vinte que este ano sugere. O outro, espero, deve ser a conquista do hexacampeonato, por parte da Seleção Brasileira, nos gramados da África do Sul. Faltarão, pois, outros dezoito. Espero que sejam surpreendentes e marquem, não somente a minha vida, como a de todos os brasileiros. Evidentemente para melhor, claro, pois ninguém é de ferro para suportar tantas chateações e desgraças.

Tuesday, March 23, 2010




Jorge Luís Borges, com a experiência dos que viveram muitos anos e acumularam sabedoria – não a livresca que se recita como papagaio, mas a proveniente da vivência e da experiência – constatou, no livro "Elogio da sombra": "Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar a esses desígnios, que não nos serão revelados". E não serão mesmo. Aliás, o homem não sabe de coisa alguma com certeza. O que chama de ciência é um conjunto de hipóteses para explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais explicações podem ou não ser verdadeiras, mesmo que convincentes. Teorias, ditas científicas, postas como dogmas num passado não muito remoto, hoje são objetos de riso. Da mesma forma, muita coisa aceita atualmente como verdade pode ser desmentida já amanhã. “Só sei que nada sei”, diria, pois, o filósofo, consciente das suas limitações e, por isso, sábio.



Fecham-se as cortinas

Pedro J. Bondaczuk

Um dos campeoníssimos de vendas de livros em todo o mundo (e talvez em todos os tempos), o escritor norte-americano J. D. Salinger, acaba de deixar o palco principal da vida para se encerrar, em definitivo, nos “bastidores” – que ninguém sabe se na verdade existem e como são.
As cortinas se fecharam de vez à sua frente, aos 91 anos, mas sua novela “O apanhador em campo de centeio”, fenômeno editorial surpreendente, continua uma trajetória vitoriosa, iniciada há mais de meio século e dificilmente será esquecida, pelo menos não tão cedo e, por conseqüência, seu pitoresco e excêntrico autor (e põe excentricidade nisso!).
A data de 27 de janeiro de 2010, portanto, constitui-se no fecho de uma marcante biografia, de um escritor dos mais peculiares, quer na maneira de escrever, quer (e principalmente) na forma de se relacionar com o mundo.
A bem da verdade, Salinger já estava afastado dos holofotes há muito tempo. Onde estava (em espírito)? Só ele poderia responder. Nunca respondeu. Odiava dar entrevistas e queria apenas distância, muita distância, a maior possível, de câmeras, microfones e dos jornalistas.
O escritor, que morreu em sua casa, em New Hampshire – conforme os médicos, de “causas naturais”, eufemismo para “morte por velhice” – havia declarado, recentemente (numa das suas raríssimas e extraordinárias declarações que vieram a público) que “estava no mundo, mas não era parte dele”. Há tempos já havia se exilado do Planeta, em outra dimensão, levando vida digna de um ermitão, posto que com todo o conforto que o dinheiro pode comprar. Assim, até eu.
Seu filho, que comunicou a morte de Salinger ao mundo, afirmou que, apesar do pai haver fraturado a bacia em maio de 2009, estava com excelente saúde. Havia se recuperado totalmente do problema e não restara nenhuma sequela.
É verdade que depois do ano novo, começou a definhar, e sem explicações. Os médicos, contudo, garantiram que o escritor morreu sem sentir dores, nem antes e nem na hora da morte. Partiu, pois, sem sofrimentos e nem lamentações, discretamente, como sempre viveu.
José Castello, comentando a morte, afirmou: “Salinger foi um dos casos extremos de escritores engolidos pela própria obra. Arredio, invisível, ele se escondeu dentro de seus escritos e por isso foi não só um escritor genial, mas um personagem inesquecível”.
Marco Antonio Bart, por seu turno, assegurou que “O apanhador em campo de centeio” foi “o livro que inventou uma geração”. Essa novela foi lançada em 1951. Deu origem, como muitos asseveram, à chamada “juventude transviada”, rebelde e voluntariosa, cujo símbolo maior foi o ator norte-americano James Dean. Para Bart, o livro foi “um marco na longa estrada que os jovens trilharam (e ainda trilham) para provar que têm direito a uma voz e uma visão de mundo próprias”,
Salinger praticamente não produziu mais nada depois de “O apanhador em campo de centeio”. E precisava? O livro causou tamanho impacto no público, que melhor era, mesmo, não escrever mais nada. Se escrevesse, o que produziria? Qualquer resposta, óbvio, não passaria de especulação.
A rigor, Salinger brindou o público, doze anos após sua obra-prima, com um único conto, estranho até no título, “Hapworth 16, 1924”, que foi publicado na revista “The New Yorker”, em 1963, e que só foi lançado em formato de livro em 1997.
Depois disso.... nada. Nem artigos em jornais e revistas, nem palestras em universidades e escolas, nem crônicas na imprensa, nem coisa alguma. Manteve silêncio, rigoroso, absoluto e total. Fez questão de não manter nenhum contato com a imprensa, que parecia temer Sabe-se lá!).
Cinema? Odiava! Provavelmente por isso, nunca autorizou a filmagem de “O apanhador em campo de centeio”. Nem precisava. O livro teve trajetória de vendas impressionante (diria, alucinante). Vendeu mais de 18 milhões de exemplares, esgotando edição após edição e agora, com a morte do autor, venderá só Deus sabe mais quanto. Podem estar certos que ocorrerão inúmeros re-lançamentos mundo afora, com vendas (salvo engano) garantidas e excepcionais.
Reitero que Salinger desabafou que “estava no mundo, mas não era parte dele”. E precisava ser? Sua obra-prima há décadas fala por ele. E falará por anos e anos mais, estou seguro. Porquanto este é o destino dos escritores que extrapolam a normalidade, que superam o mero grau de excelência (já tão raro no mundo editorial) e descambam para a genialidade: sua obra é tão valiosa e perfeita que engole (e, mais do que isso, digere) o autor.

Monday, March 22, 2010




O homem convive com mistérios, alimenta-se deles, é um mistério... Tenta explicar (em vão) tudo, desde o maior deles, que é o da natureza e finalidade da sua vida, a detalhes corriqueiros do cotidiano, aos quais dá interpretações pessoais, mais ou menos lógicas de acordo com seu preparo intelectual, mas ainda assim empíricas, sujeitas a mudanças ao sabor dos acontecimentos. Temos que construir nossa personalidade. Precisamos compor nossa biografia com atos e fatos, com obras e idéias, com paixão e emoção.



Felicidade Interna Bruta

Pedro J. Bondaczuk

As sociedades contemporâneas, notadamente as dos países tidos e havidos como de Primeiro Mundo, eufemismo utilizado para denominar os povos supostamente desenvolvidos, baseiam sua idéia de progresso na quantidade de riquezas que juntam.
Pouco importa que os bens sejam mal-distribuídos, que alguns tenham em excesso e por isso esbanjem e outros não contem, sequer, com o suficiente para lhes garantir três refeições diárias, um abrigo decente e condições de higiene e de instrução dignas de um ser humano. Essa é uma distorção que duvido que algum dia venha a mudar. Ouso afirmar que não mudará.
É certo que há sociedades mais sábias, onde não é a riqueza que importa. Assisti um documentário, no canal de TV a cabo National Geographic, que deu o que pensar. Ele mostra, sobretudo, um choque de culturas e, quem assistiu, atento, a essa exibição, conclui que há gritante distorção de valores na avaliação de comportamentos. Os que consideramos civilizados são os verdadeiros selvagens e vice-versa.
O documentário a que me refiro foi feito com base numa viagem de alguns nativos da ilha de Tana, invisível pontinho no mapa, pertencente ao Arquipélago da Melanésia, esquecida por todos na imensidão do Oceano Pacífico, à Inglaterra. Naquela remotíssima localidade cultuam-se, ainda, os valores que, de fato, são “valiosos”, como a solidariedade, o respeito mútuo, o amor ao trabalho e a perfeita distribuição dos parcos bens que esse povo tem. Ali não há ricos e nem pobres. Há pessoas integradas e felizes e (como em todo o lugar que se preze), os que sonham com esse tipo de vida que nós levamos e que nos oprime e judia.
Interessante nesse filme é o pasmo dos visitantes face aos costumes e procedimentos dos ingleses que, guardadas as devidas proporções, são também os nossos. Uma das coisas que mais lhes causaram espanto foi o fato de haverem pessoas sem-teto, tendo que “morar” nas ruas, e sobreviver da piedade alheia, enquanto viram numa das cidades que visitaram, no caso Manchester, uma infinidade de prédios vazios, à espera de pessoas que comprem seus apartamentos e toneladas de comida sendo jogadas no lixo.
Nós consideramos isso “normal” e lícito. A sociedade em que vivemos instituiu, como parâmetro de progresso, o Produto Interno Bruto. Os habitantes de Tana acham isso a suprema das tolices e a mais cruel das injustiças. Sobretudo quando lhes foi mostrado como os animais de estimação são tratados, em gritante contraste com o tratamento dado aos “excluídos” Para eles, o que conta é a .Felicidade Interna Bruta. Quem está certo, nós ou eles? Quem é primitivo e selvagem, nós, ou eles?
“E onde entra a Literatura em tudo isso?”, você deve, certamente, estar perguntando. É ela que nos proporciona a possibilidade de pelo menos uma consciência mínima do nosso equívoco. Ela nos induz a pensar. Ela nos apresenta “n” alternativas de um modo melhor de viver. Ela é, conforme Cesare Pavese declarou com muita lucidez, “nossa defesa contra as ofensas da vida”.
Foi de propósito, pois, que intitulei este texto descompromissado e informal da mesma forma que Leonardo Boff o fez com magnífica crônica que acabo de ler, uma das mais lúcidas que li nos últimos tempos.
Damos excessiva importância ao Produto Interno Bruto, que ademais não será nunca distribuído equitativamente e do qual nosso quinhão será sempre ínfimo, quando não nulo e não damos nenhuma ao parâmetro que deveria nos nortear: a Felicidade Interna Bruta.
Repito, pois, meu questionamento: quem é o selvagem, nós ou os habitantes de Tana? Ou, baseados nas considerações de Leonardo Boff: quem é o “atrasado”, nós ou o povo do Butão?

Sunday, March 21, 2010




Tenho a convicção de que somente estou progredindo não quando estou ganhando bastante dinheiro, multiplicando os meus bens e subindo na escala social. Evoluo quando melhoro minha capacidade de entender o que vejo, ouço ou leio (inteligência). Quando desenvolvo a minha criatividade e produzo melhor. Quando aperfeiçôo meus relacionamentos com as pessoas e torno-me cada vez mais apto a servir sem nada querer em troca. A riqueza, o prestígio e a fama são meras conseqüências dessa evolução. E, no entanto, também têm um preço...



Estímulo aos mais capazes

Pedro J. Bondaczuk

O presidente Fernando Collor de Mello acaba de tomar uma decisão que, se implementado de fato – já que entre nós muitas das iniciativas louváveis acabam nem mesmo saindo do papel – vai igualar, num prazo não muito longo, a tecnologia aplicada no País aos parâmetros em vigor no Primeiro Mundo.
Trata-se do Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria, que prevê investimentos da ordem de US% 5,1 bilhões até 1994, quando do término do seu mandato. A pesquisa, voltada para a aplicação prática, nunca foi privilegiada no Brasil. Nem tanto pelo Estado, mas mais pela iniciativa privada. Tanto é que nosso processo de industrialização foi retardado, exatamente, em virtude dessa dependência.
Pesquisadores de alta competência até que nós temos. Mas uma quantidade enorme deles está prestando serviços em outros países, dada a falta de condições que encontra por aqui. E os que ficam, só esperam convite para também saírem.
A despeito de precisarmos desesperadamente encontrar uma fórmula para o nosso desenvolvimento, e em ritmo acelerado, para recuperar o tempo perdido, em especial na década passada, vemos, desolados, nossos melhores cérebros emigrando, em busca de um futuro individual promissor que, convenhamos, não se conseguia vislumbrar muito por aqui até pouquíssimo tempo.
Universidade e empresa, por exemplo, salvo raríssimas exceções, nunca falaram a mesma língua. Pesquisas notáveis são desenvolvidas em nossos centros universitários que consomem tempo e dinheiro e acabam relegadas ao esquecimento, em algum arquivo qualquer, por falta de quem aposte nelas, num insensato desperdício. É evidente a ausência de comunicações entre as duas partes, como se cada uma delas se encontrasse num planeta diferente.
Nos países do Primeiro Mundo, notadamente nos Estados Unidos, muitas dessas instituições de ensino superior são financiadas e mantidas por companhias particulares. Os maiores talentos que tais escolas revelam têm toda a espécie de estímulo possível para o aperfeiçoamento, inclusive com emprego, regiamente remunerado, garantido antes mesmo de receberem o diploma.
Entre nós, ao que se saiba, isto jamais ocorreu. Nossa indústria ainda depende, como nos tempos heróicos dos seus pioneiros, de tecnologias vindas de fora, cedidas, mediante o pagamento de altíssimos royalties – quando não, simplesmente pirateadas – na maioria dos casos, quando já estão ultrapassadas.
O programa que, mal-anunciado, já vem recebendo críticas, tanto dos setores ligados às universidades, quanto das empresas, pode não ser (e de fato não é) perfeito. Mas está muitos furos à frente das regras até aqui existentes no setor de capacitação tecnológica da indústria.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 14 de setembro de 1990)

Saturday, March 20, 2010




Corman Burke afirmou: "`Progresso' é uma palavra bonita, mas pode ter diversos significados. Será que uma sociedade está progredindo porque adquiriu a capacidade de produzir armas atômicas ou porque suas naves são capazes de chegar ao planeta Marte ou mais longe, ou por que podemos discar diretamente para a Austrália...? As técnicas de guerra podem ter progredido, a velocidade da comunicação intercontinental ou interplanetária pode ter progredido, mas...o homem estará progredindo? Esta é certamente a pergunta fundamental". A resposta às questões levantadas por Burke é, evidentemente, não! Suponhamos, como muitos entendem, que progresso signifique avanço tecnológico, entre outras coisas. Como tudo na vida, tal evolução tem um preço, muitas vezes alto demais, proibitivo e portanto não compensador. É o caso, citado por Burke, da fabricação de armas nucleares.



Soneto à doce amada-LXII

Pedro J. Bondaczuk

No meu mundo de ilusão,
triste, de porte curvado,
eu seguia, assaz cansado,
só, com minha solidão.

Durante todos teus dias,
em serena e calma andança,
como onda de esperança,
mansamente tu seguias.

Mas a tristeza esqueci
ao mirar no teu olhar,
de uma beleza sem par.

Nossos caminhos cruzaram,
nossos sonhos se encontraram
e...em seu corpo me perdi...


(Soneto composto em Campinas, em 13 de novembro de 1965).

Friday, March 19, 2010




O conceito de progresso está no rol daqueles ideais vagos que nutrimos, como felicidade, esperança, amor etc. Para cada pessoa esses conceitos têm um significado, uma definição, uma conotação, muitas vezes, diametralmente opostos. Tais palavras prestam-se, sobretudo, à retórica dos políticos e dos escritores pedantes. Ensejam a elaboração de textos pomposos, esteticamente bem colocados, porém sem preocupação com a substância. Progredir, para a maioria, continua sendo caracterizado pelo acúmulo de bens materiais, daquelas bugigangas que as pessoas acham que não podem prescindir, quando em verdade podem sobreviver, e muito bem, sem elas.