Monday, January 10, 2011




Viagem no tempo

Pedro J. Bondaczuk

Se me fosse exigido que eu fizesse uma escolha entre três disciplinas, Literatura, História e Ciências, escolheria, sem pestanejar, a primeira. Felizmente não preciso escolher e posso apreciar as três atividades simultaneamente. E por que faria essa opção caso fosse indispensável optar? Porque a Literatura permite ao escritor o procedimento que é vedado ao historiador e, principalmente, ao cientista. Ou seja, o de preencher os clarões da história humana, virtualmente infinitos, com o fruto da sua imaginação.
Ele tem, ao seu dispor, um campo de ação tão ilimitado quanto o universo, cujos limites ninguém conhece de fato. Tanto pode extrapolar no tempo para invadir as fronteiras de um futuro de milhares, se não milhões, de anos adiante, quanto retroagir a um passado quase que da mesma ordem, em busca da nossa verdadeira origem, que queiram ou não, é desconhecida. Ao cientista e ao historiador isto é interdito. O primeiro lida com o que possa ser comprovado e reproduzido. O segundo, com fatos que possam ser documentados.
Do escritor, não se exige nada disso. Ele pode, por exemplo, viajar no tempo e no espaço livremente, desde que confira verossimilhança ao que narra. Houve tempos em que o historiador delimitava a origem do homem, tal como o conhecemos (e nos conhecemos, já que somos espécimes dessa espécie), a não mais de oito milênios, sendo seis anteriores ao nascimento de Cristo e dois posteriores.
A ciência, todavia, veio em seu socorro. A datação através do Carbono 14 e as descobertas feitas por arqueólogos permitiram a ampliação desse tempo para, pelo menos, 13 mil anos. Recentemente, porém, foram descobertos ossos de alguns de nossos primitivos ancestrais que comprovam a existência do homo sapiens há pelo menos dez vezes mais do tanto que se pensava que existisse. Ou seja, há 140 mil anos!
E como eram aquelas pessoas? O historiador tem condições de responder? E o cientista? O escritor, todavia, pode fazer tal descrição e torná-la convincente, mesmo que não verdadeira. Como se organizavam aqueles hominídeos primitivos, o que comiam, como viviam? Não sabemos. Podemos, apenas, especular. O historiador, reitero, não pode fazer isso. O cientista, muito menos. Mas o escritor que fizer isso com perícia e criatividade e souber dar verossimilhança a tais especulações será tido como competente e original.
Tenho comigo que isso que conhecemos como “História”, não passa, em sua maior parte, de ficção e de má qualidade, com falta de imaginação. Guerras, cataclismos e outros tantos fatores fizeram com que vestígios de inúmeras civilizações desaparecessem por completo. O historiador foi privado da indispensável documentação. De algumas dessas remotas civilizações ágrafas (sem escrita), volta e meia os arqueólogos desenterram vilas, cidades, monumentos etc. Comprovam que existiram.
Como ficcionista, a busca das nossas origens, costumes, crenças e instituições me fascina muito mais do que extrapolações de como pode vir a ser o futuro da nossa espécie (caso ela não se destrua e nem seja destruída por forças descomunais da natureza).
A maior parte das histórias da chamada ficção científica (se não a totalidade) se baseia numa hipotética (não sei se possível ou não) conquista do espaço por parte do homem. Fala da descoberta e colonização de remotos planetas que orbitam estrelas de galáxias distantes da nossa Via Láctea. Admito que isso tem inspirado excelentes histórias.
Por que não, porém, em vez de avançar rumo a um futuro tão distante, o escritor de ficção científica não recua no tempo, ao remotíssimo passado da humanidade, na tentativa de descrever, mesmo que apenas hipoteticamente, ou ficcionalmente (na base da imaginação), como nossa espécie conquistou este nosso lar cósmico? A descoberta e conquista de supostos planetas do espaço sideral é uma possibilidade? Não sei. Com os recursos e conhecimentos atuais, afirmo que não. Suponhamos, porém, que seja.
Entretanto, a posse da Terra, o seu desenvolvimento e adaptação às necessidades humanas, a formação (e destruição) de civilizações podem ser encaradas como realidades. A mim me fascinam muito mais. Tenho intuição (embora sem base sólida) que a tradição esotérica – a que afirma que o progresso e o retrocesso humanos se dão mediante ciclos e que, na culminância de cada um deles, quando a espécie atinge o auge do desenvolvimento e do conhecimento, o apogeu é sucedido por abrupto declínio (na verdade, um despencar), geralmente em decorrência de algum cataclismo natural – tem lá seu fundo de verdade. Provas? Não as tenho, óbvio. Todavia, não preciso delas. Não sou historiador para ter que me documentar. Não sou cientista de quem se exige não só comprovação do que afirma, como reprodução a qualquer momento do fenômeno que descreve. Sou escritor! Tenho o direito (e o dever) de dar livre curso à imaginação.
Tenho comigo que, lendas e mitos, tidos e havidos como meros frutos da imaginação, são baseados em fatos reais. Parecem fantasias apenas em decorrência de equívocos de interpretação de quem os testemunhou e transmitiu oralmente (os homens passaram dezenas de milhares de milênios privados da escrita) . Não, claro, por vontade de distorcer o que viu, mas por causa do seu pequeno nível de compreensão.
Acho que os “deuses” e heróis mitológicos, das várias religiões primitivas, não são meros frutos de superstição e de ingênuas crenças, como se supõe, mas de fato existiram, posto que rigorosamente diferentes da maneira como foram descritos e passaram a ser admirados. O tema é amplo e fascinante e prometo voltar ao assunto, para expandi-lo um pouco mais.


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