Thursday, January 13, 2011




Diga sim à vida

Pedro J. Bondaczuk


Viver é bem diferente de meramente “sobreviver”, embora muitos não percebam e nem admitam diferenças. É, entre tantas outras coisas, ser pleno, ativo, realizador e satisfazer tanto aos sentidos quanto ao intelecto; tanto ao corpo quanto à mente; tanto aos instintos quanto à razão, à alma, em sua lata acepção. É priorizar o “ser” em detrimento do “ter”, ou seja, remar exatamente contra a maré. Nem todos (eu diria que é a minoria) vivem com essa plenitude e grandeza. Mas... todas as pessoas vivas, enquanto ostentem essa condição, lutam para “sobreviver”. Isso é instintivo. Trata-se do instinto número um e não apenas do homem, mas de todos os seres vivos. A menos, claro, que se trate de suicidas, virtuais ou potenciais.

Viver é ter objetivos, funções, sonhos e ideais. É pensar, intuir e agir. É dar a vida por algo ou alguém. E o que isso significa? Muito! O escritor norte-americano Michael Drury detalha melhor do que eu esse significado, mesmo que de forma um tanto retórica: “Dar a vida significa escolher um motivo entre um mundo de possibilidades e então trabalhar pacientemente por ele, mesmo quando estamos cansados, perplexos ou amedrontados. Significa amar o que fazemos, não apenas em seus pontos altos, mas também no esforço cotidiano. Significa o apego a um objetivo, através de milhares de tempestades e incêndios, apego interior e exterior. Significa experimentar de novo até que o objetivo e a pessoa que o buscam estejam aperfeiçoados e prontos”.

Gosto desse autor. Li, há anos (na verdade, há quase meio século), um contundente artigo que escreveu, intitulado “Diga sim à vida”, publicado na edição de fevereiro de 1965 da revista "Seleções do Reader's Digest", que teve influência decisiva na minha formação e, por conseqüência, na minha maneira de pensar. Destaco, em particular, este trecho, pelo seu profundo conteúdo: "A vida é um processo de descobrir o que somos e o que podemos vir a ser. É muito possível que as coisas que dizemos tão decisivamente que nunca havemos de fazer sejam exatamente as coisas de que precisamos para nos completarmos. O esforço para romper padrões estabelecidos nos estimula – é um ato de criação. Se você quer conhecer-se a si mesmo, diga 'sim' à vida".

Tais recomendações podem não ser a receita, a fórmula infalível (que ademais não existe) para a felicidade. Mas não deixa de ser maneira inteligente e criativa de viver. Claro que “ser feliz” tem significados bastante diversos, dependendo de cada pessoa. Para uns, a felicidade concentra-se basicamente (e em alguns casos, exclusivamente) no ter. Este acham que contando com recursos materiais para satisfazer suas necessidades primárias e suas fantasias (o consumo do supérfluo), não precisarão de mais nada para se sentirem realizadas. Estão enganadas, claro. Porém... É o pensamento prevalente no mundo contemporâneo.

O filósofo chinês Lao-Tsé, define, por seu turno, o que muitos e m uitos entendem por "ser feliz": "Ter o suficiente significa felicidade; ter mais que o necessário é desdita. Isto vale para todas as coisas, principalmente para o dinheiro". O problema, neste caso, é definir essa tal da "suficiência". O que é suficiente para uns (se é que exista alguém que se satisfaça com alguma coisa), não é para outros. Tenho pena dos gananciosos que acumulam e veneram bugigangas, não importa de que tipo ou espécie e que não poderão, queiram ou não, levar para o túmulo.

Da minha parte, prefiro investir no verbo "ser"... Quem me conhece e convive comigo sabe que não estou fazendo “tipo”. Claro que não sou maluco de sair por aí esbanjando o que consigo com grande sacrifício. Nem recomendo aos outros que façam isso. Também não rasgo e nem ponho fogo em dinheiro. Mas não faço dele, ou de qualquer bem material, objetivo dos meus esforços e ações. Não dou a vida por eles.

O escritor D. H. Lawrence – célebre por seu romance "O Amante de Lady Chaterley", que teve sua obra censurada como "pornográfica" e "atentatória à moral" e que não chegou a ver o livro ser publicado na íntegra (o que ocorreria apenas após a sua morte) – criticou acerbamente (e, diga-se de passagem, com sapiência e competência) os pressupostos baseados no "ter", em detrimento do "ser".

Escreveu: "O que queremos é destruir nossas falsas, inorgânicas relações, especialmente com o dinheiro, e restabelecer nossa relação orgânica e viva com o cosmos, o Sol e a Terra, com a raça humana e com a nação e a família". E esse era o intelectual cujas idéias foram classificadas de imorais! Quem o classificou dessa forma, todavia, mostrou, apenas, não ter a mais remota noção do significado de moralidade (além de uma burrice monumental). Ser imoral não é falar sobre sexo e erotismo, mesmo que se use linguagem escatológica ou que se recorra até à pornografia explícita, mas é deixar pessoas morrendo à míngua, enquanto temos mais do que precisamos e desperdiçamos. Isso, sim, é imoralidade.

Imoral é a paternidade (e maternidade, claro) irresponsável. É não se sentir vinculado a nada e ninguém, principalmente a pais e filhos e, por isso, deixá-los à míngua quando precisarem de auxílio. Enfim, há uma infinidade de ações imorais praticadas pelos que se arrogam em árbitros do comportamento alheio sem atentarem às próprias patifarias. Pergunto (embora sem esperar resposta): “Qual a razão do patrimônio da humanidade – que são os escassos recursos do Planeta – estar entregue a pessoas tão medíocres, sem princípios e sem idéias, que os vêm depredando de forma estúpida e sistemática? Isso não é viver. Pode, até, significar uma tentativa de sobreviver, posto que equivocada. Mas é uma sobrevivência rasteira, tacanha, indigna e viciosa, que redunda, apenas, em sofrimento e vergonha. Faça, pois, à sua maneira, o que Michael Drury recomenda: “Diga sim à vida”!!!

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