Sem carregar nas tintas
Pedro J. Bondaczuk
Victor Hugo escreveu, certa feita, que “não há nem ervas daninhas, nem homens maus. Há apenas maus cultivadores”. Talvez tenha exagerado, sei lá. É possível que haja sido excessivamente otimista e exageradamente complacente com as taras e fraquezas humanas. No fundo, no fundo, todavia, concordo com ele. Somos produtos do ambiente em que nascemos, crescemos e vivemos, das circunstâncias positivas e negativas que envolvem nossas vidas e da educação, no sentido amplo do termo, que recebemos (ou deixamos de receber, quando o caso).
Não creio em maldade inata e latente. Ninguém nasce bom ou mau. Nasce vulnerável e desamparado e tem que aprender desde como sugar o leite materno para se alimentar, até a sentar-se, engatinhar, andar, falar etc.. Se quisermos, de fato, melhorar o mundo, temos que ser peritos “cultivadores” de virtudes e atitudes sadias. Para tanto, óbvio, precisamos tê-las. É questão não apenas de prudência, mas até de lógica, educarmos as novas gerações para a solidariedade e o bem.
Se alimentarmos o mal – quer por ação, quer por omissão – é possível, se não provável, que venhamos a ser vítimas dele. Nada nos garante, por exemplo, que um desses tantos malucos de pedra que circulam por aí, com a mente intoxicada de ódio, revolta e cobiça, não nos suprima, subitamente, a vida, pondo fim a todos nossos sonhos e ilusões. Por mais que venhamos a nos prevenir, jamais estaremos totalmente a salvo desse aleatório evento.
Há, pois, tanto ódio, tanta miséria, tanto preconceito e tanta violência no mundo por obra apenas dos próprios homens. O mal não está no ar que respiramos, nem na água que bebemos, muito menos no alimento que ingerimos e sequer na terra em que pisamos, que um dia acolherá nossos restos mortais. Está no interior do coração humano. Por isso, pode ser controlado, quando não extirpado. Pelo menos teoricamente.
Para isso, o homem conta com o livre arbítrio. Pode decidir, livremente, soberanamente, sobre a natureza dos seus sentimentos e ações. Mas tem que arcar com as conseqüências. O escritor William Thackeray observa que "o mundo é um espelho. Devolve a cada homem o reflexo de seu próprio rosto. Encare-o carrancudo e ele o olhará com amargura; ria para ele e com ele, e ele lhe será alegre e gentil companheiro".
Quais são os verdadeiros males que nos afligem, os inevitáveis, os que existem desde o surgimento do homem e que sempre existirão? De acordo com a escritora Marguerite Yourcenar, com a qual concordo, são “a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não correspondido, a amizade recusada ou traída, a mediocridade de uma vida menos vasta que os nossos projetos e mais enevoada que os nossos sonhos”.
Há outros, sem dúvida, como a violência, a brutalidade, o crime, a marginalidade etc.etc.etc. Embora haja quem não concorde, todavia, todos eles são perfeitamente evitáveis. Podem ser eliminados da Terra com uma educação generalizada, universal e correta. E com o cultivo de valores, com a consciência da necessidade da solidariedade em relação aos mais frágeis, com o irrestrito respeito aos direitos alheios, com o cuidado à natureza e ao Planeta em que habitamos e, sobretudo, com a substituição do insensato egoísmo pelo absoluto altruísmo. Tudo isso é possível? Potencialmente, sim! Mas na prática...
E por que trago esse assunto à baila num espaço de literatura e não de comportamento? Porque nós, escritores, trabalhamos, a todo o momento, com esses conceitos a princípio abstratos: o bem e o mal. Criamos personagens ora bondosos, ora maldosos, aos quais procuramos dar o devido equilíbrio, para torná-los, mesmo que minimamente, verossímeis. Para tanto, temos que encontrar a “medida certa”, o que, convenhamos, não é tarefa nada fácil. Não podemos “carregar nas tintas” nem num e nem noutro sentido. As pessoas comuns não são nem totalmente más e nem revestidas de absoluta santidade (salvo raríssimas exceções, se é que existem).
Não sei como vocês procedem, todavia eu levo, às vezes, até meses para criar os personagens das minhas histórias. É um processo lento e penoso de elaboração para o qual valho-me, além da observação, da memória, ou seja, de ingredientes meus, próprios, e de leituras etc.etc.etc. Não raro, alguns têm que ser “abortados” e recriados, por não apresentarem a desejada verossimilhança. Conta muito, nesse processo, o “tempo” em que o enredo transcorre. Mas há que se ter cuidado nesse aspecto para não superestimar as gerações anteriores à atual, num sentido ou em outro..
Afinal, o homem contemporâneo é tão, ou na verdade muito mais brutal do que nossos mais remotos ancestrais, inclusive os primitivos habitantes das cavernas. Teoricamente, a educação e o crescente acesso às informações, ditados pela fantástica evolução da tecnologia, deveriam reduzir, se não eliminar, todo e qualquer tipo de brutalidade. Não é, porém, infelizmente, o que acontece. Muito pelo contrário.
A História registra, por exemplo, guerras e mais guerras, ferocíssimas e sanguinárias, pelo menos desde a invenção da escrita. As que ocorreram anteriormente ficam, apenas, por conta da nossa imaginação. Mas nenhuma das atrocidades de um Átila, de um Alarico, de um Genserico ou de tantos e tantos outros ferozes matadores sequer se compara, e nem de longe, ao Holocausto, da Segunda Guerra Mundial, ou aos massacres ocorridos ainda recentemente na Bósnia, em Kosovo, na Chechênia e, notadamente, no Iraque e no Afeganistão. Isso para não falar do lançamento das duas bombas atômicas que arrasaram em minutos as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, matando, instantaneamente, quase duzentas mil pessoas em dois únicos ataques.
Por isso, não tenho como deixar de dar razão ao escritor peruano, Mário Vargas Llosa, que constatou: “A brutalidade constitui uma das mais constantes heranças humanas, que o desenvolvimento absolutamente não elimina”. E aduziria, desolado: “infelizmente”. É a esse aspecto que nós, escritores, temos que ficar atentos ao criarmos nossos vilões, para que eles não sejam ridiculamente “bonzinhos” e nem perversos e incontroláveis homicidas além da conta. Nosso papel, afinal de contas, não é o de fazer apologia do mal, mas de contar uma história que, se possível, traga algum proveito ao leitor. Voltarei a tratar do assunto.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Victor Hugo escreveu, certa feita, que “não há nem ervas daninhas, nem homens maus. Há apenas maus cultivadores”. Talvez tenha exagerado, sei lá. É possível que haja sido excessivamente otimista e exageradamente complacente com as taras e fraquezas humanas. No fundo, no fundo, todavia, concordo com ele. Somos produtos do ambiente em que nascemos, crescemos e vivemos, das circunstâncias positivas e negativas que envolvem nossas vidas e da educação, no sentido amplo do termo, que recebemos (ou deixamos de receber, quando o caso).
Não creio em maldade inata e latente. Ninguém nasce bom ou mau. Nasce vulnerável e desamparado e tem que aprender desde como sugar o leite materno para se alimentar, até a sentar-se, engatinhar, andar, falar etc.. Se quisermos, de fato, melhorar o mundo, temos que ser peritos “cultivadores” de virtudes e atitudes sadias. Para tanto, óbvio, precisamos tê-las. É questão não apenas de prudência, mas até de lógica, educarmos as novas gerações para a solidariedade e o bem.
Se alimentarmos o mal – quer por ação, quer por omissão – é possível, se não provável, que venhamos a ser vítimas dele. Nada nos garante, por exemplo, que um desses tantos malucos de pedra que circulam por aí, com a mente intoxicada de ódio, revolta e cobiça, não nos suprima, subitamente, a vida, pondo fim a todos nossos sonhos e ilusões. Por mais que venhamos a nos prevenir, jamais estaremos totalmente a salvo desse aleatório evento.
Há, pois, tanto ódio, tanta miséria, tanto preconceito e tanta violência no mundo por obra apenas dos próprios homens. O mal não está no ar que respiramos, nem na água que bebemos, muito menos no alimento que ingerimos e sequer na terra em que pisamos, que um dia acolherá nossos restos mortais. Está no interior do coração humano. Por isso, pode ser controlado, quando não extirpado. Pelo menos teoricamente.
Para isso, o homem conta com o livre arbítrio. Pode decidir, livremente, soberanamente, sobre a natureza dos seus sentimentos e ações. Mas tem que arcar com as conseqüências. O escritor William Thackeray observa que "o mundo é um espelho. Devolve a cada homem o reflexo de seu próprio rosto. Encare-o carrancudo e ele o olhará com amargura; ria para ele e com ele, e ele lhe será alegre e gentil companheiro".
Quais são os verdadeiros males que nos afligem, os inevitáveis, os que existem desde o surgimento do homem e que sempre existirão? De acordo com a escritora Marguerite Yourcenar, com a qual concordo, são “a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não correspondido, a amizade recusada ou traída, a mediocridade de uma vida menos vasta que os nossos projetos e mais enevoada que os nossos sonhos”.
Há outros, sem dúvida, como a violência, a brutalidade, o crime, a marginalidade etc.etc.etc. Embora haja quem não concorde, todavia, todos eles são perfeitamente evitáveis. Podem ser eliminados da Terra com uma educação generalizada, universal e correta. E com o cultivo de valores, com a consciência da necessidade da solidariedade em relação aos mais frágeis, com o irrestrito respeito aos direitos alheios, com o cuidado à natureza e ao Planeta em que habitamos e, sobretudo, com a substituição do insensato egoísmo pelo absoluto altruísmo. Tudo isso é possível? Potencialmente, sim! Mas na prática...
E por que trago esse assunto à baila num espaço de literatura e não de comportamento? Porque nós, escritores, trabalhamos, a todo o momento, com esses conceitos a princípio abstratos: o bem e o mal. Criamos personagens ora bondosos, ora maldosos, aos quais procuramos dar o devido equilíbrio, para torná-los, mesmo que minimamente, verossímeis. Para tanto, temos que encontrar a “medida certa”, o que, convenhamos, não é tarefa nada fácil. Não podemos “carregar nas tintas” nem num e nem noutro sentido. As pessoas comuns não são nem totalmente más e nem revestidas de absoluta santidade (salvo raríssimas exceções, se é que existem).
Não sei como vocês procedem, todavia eu levo, às vezes, até meses para criar os personagens das minhas histórias. É um processo lento e penoso de elaboração para o qual valho-me, além da observação, da memória, ou seja, de ingredientes meus, próprios, e de leituras etc.etc.etc. Não raro, alguns têm que ser “abortados” e recriados, por não apresentarem a desejada verossimilhança. Conta muito, nesse processo, o “tempo” em que o enredo transcorre. Mas há que se ter cuidado nesse aspecto para não superestimar as gerações anteriores à atual, num sentido ou em outro..
Afinal, o homem contemporâneo é tão, ou na verdade muito mais brutal do que nossos mais remotos ancestrais, inclusive os primitivos habitantes das cavernas. Teoricamente, a educação e o crescente acesso às informações, ditados pela fantástica evolução da tecnologia, deveriam reduzir, se não eliminar, todo e qualquer tipo de brutalidade. Não é, porém, infelizmente, o que acontece. Muito pelo contrário.
A História registra, por exemplo, guerras e mais guerras, ferocíssimas e sanguinárias, pelo menos desde a invenção da escrita. As que ocorreram anteriormente ficam, apenas, por conta da nossa imaginação. Mas nenhuma das atrocidades de um Átila, de um Alarico, de um Genserico ou de tantos e tantos outros ferozes matadores sequer se compara, e nem de longe, ao Holocausto, da Segunda Guerra Mundial, ou aos massacres ocorridos ainda recentemente na Bósnia, em Kosovo, na Chechênia e, notadamente, no Iraque e no Afeganistão. Isso para não falar do lançamento das duas bombas atômicas que arrasaram em minutos as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, matando, instantaneamente, quase duzentas mil pessoas em dois únicos ataques.
Por isso, não tenho como deixar de dar razão ao escritor peruano, Mário Vargas Llosa, que constatou: “A brutalidade constitui uma das mais constantes heranças humanas, que o desenvolvimento absolutamente não elimina”. E aduziria, desolado: “infelizmente”. É a esse aspecto que nós, escritores, temos que ficar atentos ao criarmos nossos vilões, para que eles não sejam ridiculamente “bonzinhos” e nem perversos e incontroláveis homicidas além da conta. Nosso papel, afinal de contas, não é o de fazer apologia do mal, mas de contar uma história que, se possível, traga algum proveito ao leitor. Voltarei a tratar do assunto.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
1 comment:
MUITO BOM O TEXTO, CLARO E DENSO. É SEMPRE DIFÍCIL FALAR SOBRE O BEM E O MAL, FORÇAS OPOSTAS QUE, CONTUDO, CONSTITUEM A FORMA DA NATUREZA HUMANA. PARABÉNS!
Post a Comment