Sunday, January 30, 2011




Ação com intenção e sentido

Pedro J. Bondaczuk.

Há, principalmente entre o vulgo (e até mesmo entre pessoas cultas e supostamente bem-informadas), uma série de equívocos e interpretações errôneas sobre o significado da poesia e por consequência daquele que a faz. Volta e meia sou interpelado, ora com azedume, ora com ar de galhofa, quando afirmo que os poetas têm visão mais lúcida e objetiva da vida do que as demais pessoas, mesmo que sua postura pareça insólita, incoerente ou utópica.

“Mas como?!”, interrogam-me admirados, como se eu estivesse dizendo o maior dos disparates, “se eles se alimentam de fantasias vivem fora da realidade”? Os poetas são, como se vê, estereotipados. São rotulados como incorrigíveis sonhadores, como os que mantêm a cabeça permanentemente nas nuvens e, por conseqüência, os pés fora do sólido solo da realidade. Enganam-se os que os vêem dessa maneira. Os poetas são, na verdade, homens de ação. Às vezes, agem até demais, impulsivamente, movidos exclusivamente pela emoção, em detrimento da reflexão. Mas agem.

A professora de Teoria Literária da USP/UNICAMP, Adélia Bezerra de Meneses, observa a propósito: “Sabemos que na Grécia as funções de adivinho, poeta e sábio muitas vezes se sobrepunham no mesmo poder mântico, na capacidade excepcional de ver e de viver para além das aparências sensíveis. Nas palavras de Vernant (Jean-Pierre, historiador e antropólogo francês, 1990), eles possuiriam ‘uma espécie de extra-sentido, que lhes descobre o acesso a um mundo normalmente interdito aos mortais’. E desde longa tradição, não apenas os adivinhos são cegos, como por exemplo Tirésias, pois têm o dom de ‘ver o invisível’, mas também os poetas, de Homero aos cantadores do Nordeste, passando por Camões. Cegos dos olhos do corpo, porque têm uma outra visão, normalmente interdita aos mortais”.

Há, em contrapartida, pessoas que refletem muito, são especialistas em dar palpites, mas na hora de agir... É aquela tragédia! Não são poetas. Omitem-se, acovardam-se, transferem tarefas que lhes competem fazer para outros. Não cometem erros, é verdade (ou os têm em menor quantidade do que outros), mas, pudera: nada fazem! Os poetas (salvo exceções), por sua vez, não são assim. Não por acaso, em grego, “fazer poesia” tinha o significado de agir, de atuar, de realizar, de construir. Portanto, até semanticamente, não há nenhum exagero na reflexão de André Maurois, quando afirma que “o homem de ação é, antes de tudo, um poeta”.

Um “poema” (poiema em grego) era, para os “pais da civilização ocidental”, “coisa feita”. Ou seja, era fruto de uma ação. A palavra “poeta” provém de “poietés”, significando fabricante, produtor, criador, ou aquele que faz. Sonhador? Até pode ser. Mas é o homem de ação por excelência, o que sabe transformar o sonho em realidade e transforma.

Hilda Hilst escreveu, em matéria sobre o Dia Mundial dos Poetas (publicada em 21 de setembro de 1983, pelo Correio Popular de Campinas, (cidade em que viveu e onde morreu): “O poeta tem os olhos no espírito do homem, no possível infinito. Quando o poeta fala, não fala do palanque, não está no comício, não deseja riqueza, não barganha, sabe que o ouro é sangue, sabe de cada um a própria fome. Enquanto vive o poeta, o homem está vivo!”.

Carecemos, nos dias atuais, de uma certa rebeldia face à corrupção, aos desmandos e à violência que campeiam e se multiplicam, arruinando as nossas vidas. Onde foram parar os grandes sonhos da juventude? Onde estão os valores éticos defendidos com destemor? Foram substituídos pelo comodismo? Foram trocados por posições? Foram abastardados? O pior de tudo é que aqueles idealistas da década de 60 renegaram por completo seus ideais a ponto de sequer passá-los a seus filhos. Daí o cínico desalento de hoje, o individualismo inconseqüente, a busca por meras miragens, estas sim “caretices” de quem não tem rumo e nem sonhos pelos quais batalhar. Faltam homens de ação. Carecemos de poetas, no sentido original.

As sociedades humanas, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de líderes, de pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com capacidade inata de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima dessa necessidade é que se estruturaram as hierarquias – desde as familiares (nos clãs), às tribais e posteriormente comunitárias e nacionais. Como ocorre com todos os animais, possivelmente até por questões genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores do que outros. São os que normalmente constituem as elites. Quando não, se transformam em rebeldes, em contestadores, em questionadores que não se submetem ao status vigente. São os revolucionários, fatores essenciais de mudanças, para o bem e para o mal. São os poetas na verdadeira acepção do termo. Não da do vulgo e dos pseudo-intelectuais, acomodados e mal-informados. Mas no sentido original, dos que agem com intenção e sentido e cujas ações apresentam resultado. Conceitualmente, pois, eu não preciso escrever versos para ser poeta. Talvez os mais legítimos foram os que nunca escreveram uma reles linha. Possivelmente nem mesmo sabiam escrever. Mas foram gigantes. Deixaram suas marcas. Agiram. Atuaram positivamente para o avanço da civilização.

Para ser poeta e merecer essa designação tenho é que “sentir” a poesia (a obra, portanto). Tenho que ter os olhos no infinito. Tenho que falar não a linguagem dos palanques, mas a da sensibilidade e da razão. Sejamos, pois, este tipo de poeta, ou seja, líderes na construção de um mundo de justiça e de paz. Ainda há tempo. Só não se sabe quanto!

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