Sunday, January 30, 2011




Democracia adiada, de novo

Pedro J. Bondaczuk


A Coréia do Sul, onde vão acontecer os próximos Jogos Olímpicos, apresenta um desequilíbrio marcante entre uma boa performance econômica e a ausência completa de democracia. Tal situação é fruto de uma guerra inacabada que, fatalmente, mais cedo ou mis tarde, a exemplo da que ocorreu no Vietnã, terá que ter seu desfecho, reunificando de novo esse país, próspero, porém marcado pela violência.
Em 1953, o conflito, no qual tropas norte-americanas participaram, para impedir que toda a Península Coreana caísse sob o domínio marxista, foi suspenso, sem vencedor e sem vencido. O acordo de trégua, que fez silenciarem as armas, estipulou o paralelo 38 como um marco divisor. E consagrou a existência de duas Coréias.
Ao Norte dessa linha imaginária foi estabelecido um regime afinado com Moscou (condição ostentada até hoje). Ao Sul, criou-se uma República, que se pretendeu democrática, depois de preenchidos determinados pré-requisitos. E foi aí que o processo emperrou.
Os militares, indispensáveis na circunstância para a conservação da independência nacional, face ao permanente perigo de uma invasão do país, não se conformaram com o papel meramente profissional que a Constituição lhes atribuiu. Resolveram estabelecer uma espécie de tutela em toda a vida nacional, assumindo o governo para não mais largarem até hoje.
Durante todo esse período, a Coréia do Sul experimentou um desenvolvimento notável em sua economia. Algo parecido com o “milagre econômico” brasileiro. Aliás, parece que foi lá que a fórmula usada anos depois no Brasil foi testada.
Há coincidências entre o nosso velho regime e o que ainda está em vigor nessa República asiática, inclusive nas nomenclaturas. E nos procedimentos políticos, institucionais e econômicos. Por exemplo, tanto lá, quanto cá, predominaram doutrinas muito parecidas de segurança nacional.
Os presidentes sul-coreanos (todos militares, desde o fim d guerra) são escolhidos (como eram os nossos) por um Colégio Eleitoral. Essa República é emérita exportadora, principalmente de produtos manufaturados, como calçados, tecidos, automóveis e autopeças.
Suas exportações anuais giram em torno de US$ 27 bilhões e o país tem uma dívida externa, cujo serviço é pago com os superávits da balança comercial, de US$ 47 bilhões. Notou o leitor quanta coincidência, inclusive de nomes? Até parece coisa saída de uma mesma cabeça ou decisão de um mesmo grupo.
No correr de todos esses anos, tem se falado, freqüentemente, em abertura política, nessa sociedade tutelada. Prometem-se eleições presidenciais livres e diretas. Mas sempre que a época da votação se aproxima, algum pretexto é utilizado e a população vê, invariavelmente, suas esperanças irem por água abaixo.
O general Singman Rhee exerceu quatro mandatos consecutivos, até 1961. Só não conseguiu um quinto porque foi acusado de corrupção, e forçado a deixar o governo, e o país. Seu sucessor, o general Park Shung Hee, apenas deixou o palácio presidencial dentro de um esquife, assassinado em 26 de outubro de 1979, por um agente do serviço secreto sul-coreano, a KCIA (notem que a diferença em relação à CIA norte-americana é, somente, a adição de uma letra), Kim Jae-Kyu. Cinco anos antes, um atentado semelhante ao que lhe custou a vida havia causado a morte da sua esposa.
Em 1980, o general Choo-Doo Hwan, na presidência até hoje, assumiu suas funções fazendo promessas mirabolantes. Passados sete anos, no entanto, todas elas foram para o espaço. Tudo voltou a ser como sempre foi (se é que algum dia, nas derradeiras três décadas e meia, algo chegou a mudar).
Os rumores sobre monumentais negociatas continuam. A repressão contra a oposição segue sendo de uma selvajaria inaudita. E a desculpa para que as eleições diretas sejam adiadas sine die, agora, reside na área esportiva.
Assim, a democracia fica, de novo, relegada a um futuro indeterminado e incerto, que talvez nunca chegue. É nesse país que desportistas do mundo todo estarão se enfrentando, em 1988, pretensamente na busca dos ideais do Barão de Coubertin (há muito esquecidos, mas mencionados “ad nausea” em vésperas de Olimpíadas). E estarão dando a desculpa ideal para que Choo-Doo Hwan continue aquecendo a cadeira presidencial, até que algum outro general o tire de lá.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 15 de maio de 1987).


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