Saturday, January 01, 2011




Povo forte para um país forte



Pedro J. Bondaczuk

Luís Inácio Lula da Silva conclui, hoje, seu segundo mandato no auge da popularidade. A aprovação ao seu governo oscila entre as taxas estratosféricas de 80% a 87%. É um fenômeno!!! Todos sabem que o exercício do poder desgasta (e como!), pois não há quem agrade, e simultaneamente, a “gregos e troianos”. Barak Obama que o diga. Se fosse disputar reeleição hoje, sofreria derrota das mais contundentes e humilhantes.
Entre os que aprovam Lula como gestor do destino do nosso país me incluo, gostosamente, sem pestanejar. E tenho orgulho disso. Daí dar este testemunho público (para desgosto e irritação dos, digamos, “conservadores” e que certamente irá desagradar a muitos dos leitores deste espaço). E por que desse meu apoio? Porque sou filho de operário. E porque quando vejo um representante que emergiu da classe trabalhadora demonstrar a competência e a responsabilidade que Lula demonstrou, só posso, mesmo, aplaudir e me orgulhar.
Seu governo foi perfeito? Claro que não! Mas quem, algum dia, e em qual lugar, sequer remotamente se aproximou da perfeição? O presidente, todavia, fez algo que o marcará, para sempre, na História (e no coração da maioria dos brasileiros). Suas ações fizeram com que cerca de 20 milhões de pessoas, de gente humilde, do que se convencionou chamar genericamente de “povo”, deixassem a linha da miséria (alguns da indigência) e adquirissem, finalmente, o status de cidadãos, de fato e de direito, que nunca antes tiveram (talvez sequer cogitaram). É surpresa, pois, que goze de tamanha popularidade? Surpreendente seria se não gozasse!
É certo que esse avanço social foi apenas um passo para que o País deixe a condição de uma das sociedades nacionais mais desiguais, injustas e excludentes do mundo. Ainda falta muito para que nos aproximemos do “tolerável”, quanto mais do ideal. Mas Lula, pelo menos, não só teve coragem, mas, sobretudo, competência e vontade política para dar esse passo. Daí ser um mito. Daí conseguir, até, façanha que muitos consideravam inviável (se não impossível), que foi a de transferir prestígio e fazer sucessor. Ou melhor, sucessora.
Quando pela primeira vez se aventou o nome de Dilma Roussef para suceder o agora ex-presidente, “gregos e troianos” achavam que ele estava dando um passo equivocado. Os opositores festejaram, pois garantiam que popularidade não se transfere e que as eleições presidenciais deste ano seriam um “passeio” do seu candidato, frente a um adversário (ou adversária) sem carisma, relativamente desconhecida e ainda por cima “mulher”. Os aliados, por sua vez, temerem e se prepararam para a perspectiva de terem que atuar na oposição, nos próximos quatro anos.
Ninguém acreditava que algum dia uma mulher chegaria ao poder numa sociedade acusada de machista, como a nossa, a despeito delas serem maioria da população. E muito menos que esta fosse Dilma Roussef. Todos viram, no entanto, o que aconteceu. E não foi por falta de obstáculos que a apadrinhada de Lula ganhou. Muitíssimo pelo contrário. A campanha contra ela foi feroz, implacável e não raro desleal. Foi uma barra! Mas o então presidente provou que, quando o prestígio é sólido e quando quem o detém conta com credibilidade popular, ele é passivo, sim, de transferência.
Para entender porque esse ex-retirante nordestino tornou-se um dos maiores, se não o maior mito político da recente história brasileira, é mister conhecer como a maioria do nosso povo sempre foi tratada por uma tal de “elite”. Para tanto, trago o testemunho de três figuras de envergadura moral e intelectual incontestáveis. O mineiro Otto Lara Resende, por exemplo, foi uma espécie de guru e ídolo de Nelson Rodrigues que, inclusive, fez dele personagem de várias de suas histórias. E ele escreveu a propósito, em crônica que publicou na Folha de S. Paulo, em 9 de agosto de 1992: “Pode-se dizer sem erro que, ainda que sem o exagero da exploração demográfica que tem hoje, o povo, povo mesmo, povão, só apareceu em 1930. Antes estava por aí escondido na senzala das poucas favelas, no campo latifundiário, nos pés descalços da miséria não tão ostensiva, porque ainda meio envergonhada. Como o povo o século 20 também só deu entrada no Br4asil em 1930”.
Ponderou, a respeito, todavia, ao mesmo tempo em que recordou: “Se foi com a Revolução ou não é uma controvérsia para historiadores. Ou para intelectuais. Em 1930 o Brasil era, e pelo jeito, pretendia continuar sendo para sempre, o país do café, ou seja, da monocultura e quase ainda do trabalho escravo. País essencialmente agrícola, como se dizia, vivia da exportação de um produto de sobremesa”.
Outro que escreveu a respeito foi o jornalista Cláudio Abramo, guru de toda uma geração de profissionais da imprensa (inclusive meu, que o terei sempre como modelo de coerência e responsabilidade), que o fez em artigo publicado na Folha de S. Paulo, publicado, curiosamente também num 9 de agosto (como Otto Lara Resende), mas cinco anos antes, em 1987. Afirmou: “Devemos lembrar que o povo brasileiro é um povo constituído de indivíduos que passaram a vida se desculpando não apenas por estarem vivos, perturbando assim a tranqüila existência dos que vivem à sua custa, como por serem obrigados, por exigência mínima e modesta de seu metabolismo, a consumir um pouco de calorias e de proteínas, impedindo dessa forma que todo o alimento vá parar no estômago da classe dominante".
Quando se trata dessa questão, porém, o ideal é dar voz a um antropólogo. E, mais do que isso, ao maior que este país já produziu e um dos mais ilustres, competentes e lúcidos do mundo. Refiro-me, claro, a Darcy Ribeiro, ferozmente combatido pelos, digamos (apenas para sermos elegantes) “conservadores”, que fizeram fortuna e queriam continuar fazendo à custa do sacrifício e do trabalho alheios, antes, durante e depois dos “anos de chumbo”. Esse, quando opina a respeito, sabe o que diz e por que o faz.
Em um artigo, comentando sobre o golpe militar de 1964, publicado também na Folha de S. Paulo, em 30 de março de 1982, Darcy Ribeiro escreveu: “A velha classe infecunda – dos que não plantam nem deixam plantar – que infelicitou nosso país ao longo da História, impedindo que o povo brasi9leiro realizasse suas potencialidades, só queria perpetuar a velha ordem. Vale dizer, este estilo de prosperidade não generalizável aos trabalhadores que, no passado, dava nominalmente a negros que duravam menos de dez anos no eito a renda per capita mais alta do mundo. Este mesmo estilo que, perpetuado e ampliado, faz do Brasil de hoje um grande produtor de soja, reduzindo simultaneamente de forma tão drástica a produção de alimentos que condena o povo à fome”. Para perpetuar os interesses desta velha classe é que Goulart foi derrubado e se impôs a política econômica oposta, no curso da qual se ampliavam exorbitantemente os latifúndios. Em lugar de milhões de pequenos proprietários rurais, o que se viu foi multiplicarem-se superlatifúndios de milhões de hectares”.
Não quero me alongar, mas devo ressaltar que o grande feito de Lula foi, mediante ações sociais simples, mas continuadas, o de dar perspectivas de futuro, após conferir dignidade e condições decentes de vida no presente, a um contingente de brasileiros que equivale à população total do Peru. Convenhamos, não é pouco, embora seja insuficiente. Embora pudesse e devesse ser muito maior. Tenho esperanças de que será.
A grande façanha do ex-presidente foi a de promover a maior mobilidade sócio-econômica da história mundial recente. Tanto que hoje Lula é mundialmente admirado, respeitado e acatado, por intelectuais, políticos e chefes de Estado e governo mundo afora, das mais diversas tendências ideológicas e cotado, inclusive, para se tornar o futuro secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). É preciso que todos se conscientizem, de uma vez por todas, que é impossível haver país forte com povo fraco. E o nosso se fortaleceu (certamente não o suficiente ainda, reitero) muito mais do que havia acontecido no correr dos 510 anos de existência do Brasil, quando chegou até mesmo a sequer ser reconhecido como ente social.

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