Humildade e ignorância
Pedro J. Bondaczuk
A ignorância, ou seja, a incapacidade de entender o que quer que seja, mesmo que o objeto do não entendimento não seja muito complexo (que pode ser relativa ou absoluta), é a suprema das misérias. Nada é mais precioso do que o potencial de compreensão, a facilidade de entender o concreto e o abstrato, que convencionamos denominar de “inteligência”.
É mister admitir que todos somos ignorantes de algo, embora em graus variáveis, uns mais, outros menos e outros, ainda, de forma absoluta. Não conheço o gênio que entenda de todas as disciplinas, todas as artes, todas as ciências etc. que seja, em suma, onisciente.
Os sensatos admitem sua ignorância em determinados assuntos e procuram um jeito de entender o que lhes seja ininteligível, desde que necessitem desse entendimento. Quando não, deixam esses temas, para eles obscuros e além do seu alcance de entendimento, para os que são especializados neles. Com isso, evitam, com certeza, no mínimo, de descambar para o ridículo. Já os insensatos... Nem é bom falar!
Ainda quando o “ignorante” é humilde e reconhece suas dificuldades, há certa esperança. Pior quando se trata de alguém arrogante, que acha que sabe mais do que os outros, quando desconhece até o que é mais comezinho e elementar, mas sai por aí ditando normas a propósito. Há muitos desses tipos, vários dos quais, até mesmo, com diplomas acadêmicos e títulos de doutor. Esses são insuportáveis.
Outro conceito, em torno do qual há muita confusão, é o da humildade. Escrevi, não faz muito, a propósito, destacando as diferenças entre ser humilde e humilhar-se. Há quem ache que se trate da mesma atitude. Não se trata, evidentemente.
A escritora portuguesa Agustina Bessa Luís esclarece a respeito: “Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida – e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus”.
Quem age dessa maneira não é humilde. É, sobretudo, ignorante do que não pode e não deve ser ignorado. Abrir mão da dignidade e expor-se ao ridículo não é ser humilde. É humilhar-se. Não se trata, pois, de postura nobre, mas de posição ridícula face aos semelhantes. É uma forma de autolinchamento.
O padre Antonio Vieira, em memorável sermão, estendeu um pouco mais sua definição de humildade, ao ressaltar que ela é “essencialmente o conhecimento da própria dependência, da própria imperfeição e da própria miséria”.
Quem não tem essa consciência é ignorante e em grau superlativo. Todos somos dependentes de alguém (e de não poucos, por sinal). Desconheço os absolutamente auto-suficientes. Contudo, quem ainda não ouviu alguém dizer: ” não preciso de ninguém, sei me virar sozinho?” Claro que precisa. Se não admite isso é, sobretudo, ignorante.
Outro aspecto destacado por Vieira é o da imperfeição. Todos somos imperfeitos (igualmente em graus variáveis, uns mais e outros menos). A atitude sábia, nesse caso, todavia, não é a do cômodo conformismo, mas a da incansável busca da perfeição, mesmo conscientes de que jamais chegaremos a ela.
Finalmente, o magnífico pregador destacou nossa miserabilidade. Aqui não se refere, obviamente, à posse de bens materiais, mas à nossa extrema fragilidade e contundente transitoriedade.Todos somos, até certo ponto, miseráveis, dada a nossa condição humana: efêmera e mortal. A não admissão dessa miséria é outro sintoma, e não o menos grave, de ignorância.
Em um outro sermão, Vieira traz à baila a seguinte questão: “Demócrito ria porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heráclito chorava porque todas lhe pareciam misérias; logo maior razão tinha Heráclito de chorar, que Demócrito de rir, porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria”. Deixo-lhes, hoje, essa importante lição como tema de reflexão.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A ignorância, ou seja, a incapacidade de entender o que quer que seja, mesmo que o objeto do não entendimento não seja muito complexo (que pode ser relativa ou absoluta), é a suprema das misérias. Nada é mais precioso do que o potencial de compreensão, a facilidade de entender o concreto e o abstrato, que convencionamos denominar de “inteligência”.
É mister admitir que todos somos ignorantes de algo, embora em graus variáveis, uns mais, outros menos e outros, ainda, de forma absoluta. Não conheço o gênio que entenda de todas as disciplinas, todas as artes, todas as ciências etc. que seja, em suma, onisciente.
Os sensatos admitem sua ignorância em determinados assuntos e procuram um jeito de entender o que lhes seja ininteligível, desde que necessitem desse entendimento. Quando não, deixam esses temas, para eles obscuros e além do seu alcance de entendimento, para os que são especializados neles. Com isso, evitam, com certeza, no mínimo, de descambar para o ridículo. Já os insensatos... Nem é bom falar!
Ainda quando o “ignorante” é humilde e reconhece suas dificuldades, há certa esperança. Pior quando se trata de alguém arrogante, que acha que sabe mais do que os outros, quando desconhece até o que é mais comezinho e elementar, mas sai por aí ditando normas a propósito. Há muitos desses tipos, vários dos quais, até mesmo, com diplomas acadêmicos e títulos de doutor. Esses são insuportáveis.
Outro conceito, em torno do qual há muita confusão, é o da humildade. Escrevi, não faz muito, a propósito, destacando as diferenças entre ser humilde e humilhar-se. Há quem ache que se trate da mesma atitude. Não se trata, evidentemente.
A escritora portuguesa Agustina Bessa Luís esclarece a respeito: “Humilde é a pessoa que não afasta de si a crença do Infinito, a realidade das suas pequenas pegadas na vida – e não aquela que se desmerece, que insulta o seu corpo e a sua alma, que se enfurece contra si mesma. Aceitar sua humilhação é consentir na humilhação do seu próprio Deus”.
Quem age dessa maneira não é humilde. É, sobretudo, ignorante do que não pode e não deve ser ignorado. Abrir mão da dignidade e expor-se ao ridículo não é ser humilde. É humilhar-se. Não se trata, pois, de postura nobre, mas de posição ridícula face aos semelhantes. É uma forma de autolinchamento.
O padre Antonio Vieira, em memorável sermão, estendeu um pouco mais sua definição de humildade, ao ressaltar que ela é “essencialmente o conhecimento da própria dependência, da própria imperfeição e da própria miséria”.
Quem não tem essa consciência é ignorante e em grau superlativo. Todos somos dependentes de alguém (e de não poucos, por sinal). Desconheço os absolutamente auto-suficientes. Contudo, quem ainda não ouviu alguém dizer: ” não preciso de ninguém, sei me virar sozinho?” Claro que precisa. Se não admite isso é, sobretudo, ignorante.
Outro aspecto destacado por Vieira é o da imperfeição. Todos somos imperfeitos (igualmente em graus variáveis, uns mais e outros menos). A atitude sábia, nesse caso, todavia, não é a do cômodo conformismo, mas a da incansável busca da perfeição, mesmo conscientes de que jamais chegaremos a ela.
Finalmente, o magnífico pregador destacou nossa miserabilidade. Aqui não se refere, obviamente, à posse de bens materiais, mas à nossa extrema fragilidade e contundente transitoriedade.Todos somos, até certo ponto, miseráveis, dada a nossa condição humana: efêmera e mortal. A não admissão dessa miséria é outro sintoma, e não o menos grave, de ignorância.
Em um outro sermão, Vieira traz à baila a seguinte questão: “Demócrito ria porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heráclito chorava porque todas lhe pareciam misérias; logo maior razão tinha Heráclito de chorar, que Demócrito de rir, porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria”. Deixo-lhes, hoje, essa importante lição como tema de reflexão.
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