Impulsividade salvadora
Pedro J. Bondaczuk
A pessoa impulsiva, a que age sem premeditação e nem plano prévio, quase sempre dá com os burros n’água e fracassa em seus empreendimentos, seja qual for sua natureza. Mas nem sempre isso acontece. Não existe regra geral e inflexível, tida como dogma, que garanta, com absoluta certeza, sucesso ao indivíduo certinho, desses que trazem as vidas rigorosamente planejadas e que jamais, em circunstância alguma, dão saltos no escuro.
Estas considerações vêm a propósito do personagem central do romance “Trem noturno para Lisboa”, do suíço Pascal Mercier (pseudônimo do filósofo Peter Bieri, nascido em Berna, professor de Filosofia da Universidade de Berlim), um dos fenômenos editoriais da temporada. O referido protagonista central do enredo é Raimundo Gregorius, pessoa culta e sumamente metódica, dessas nunca dadas a aventuras ou arroubos de ousadia, que leciona línguas clássicas, e que, subitamente, num desses impulsos que todos às vezes temos na vida (mas que raros agem movidos por eles), mergulha de cabeça em uma incrível jornada sem limites e descobre uma série de verdades sobre o mundo e, principalmente, sobre si mesmo.
O livro, esclareça-se, não é novo, embora tenha sido lançado apenas recentemente no Brasil pela Editora Record. Na Alemanha, já vendeu mais de dois milhões de exemplares e está há alguns anos em todas as listas dos mais vendidos país afora. Tudo indica que, entre nós, terá idêntica trajetória. É uma obra que lhes recomendo sem pestanejar.
Gregorius, personagem emblemático (que, provavelmente tem tudo a ver com Mercier), tem o apelido de “Mundus”, por sua erudição, notadamente na matéria de sua especialidade: línguas clássicas. Tendo fracassado no casamento, leva vida pacata de “solteirão”, (que é o que ocorre com boa parte dos que se divorciam), dedicada quase que exclusivamente à disciplina que leciona e aos seus alunos.
Um encontro casual, todavia, muda tudo isso. Numa determinada manhã chuvosa, o vetusto mestre, folclórico entre professores e alunos da instituição em que trabalha, impede que uma linda mulher se jogue da ponte em Berna e ponha, dessa forma, fim à própria vida. Em rápido diálogo com a potencial suicida, Gregorius encanta-se com a sonoridade da língua (estrangeira) que ela fala para tentar justificar seu gesto que, na verdade, ele não entende. Esse idioma é... o português.
Fascinado pela sonoridade das palavras dessa linguagem, para ele insólita, vai a uma livraria e compra um livro, assim a esmo, de um autor qualquer do país em que se adota esse mavioso linguajar. Trata-se do escritor português Amadeu Inácio de Almeida Prado.
É praticamente aí que começa a verdadeira história, o enredo central desse tão bem urdido romance. De posse de um dicionário, Gregorius traduz trechos do referido livro e, à medida que vai lendo (e entendendo) as reflexões do autor, mais envolvido e curioso fica. É aí que entra o tal impulso. Fica obcecado para saber quem era o autor das judiciosas palavras que lia, qual a sua realidade pessoal, onde vivia, o que fazia além de escrever etc.. Enfim, quais eram as circunstâncias da sua vida.
No dia seguinte ao do encontro com a portuguesa, bem no meio de uma aula, interrompe uma explanação que faz e, para espanto de toda a classe, deixa subitamente a sala e a faculdade. Vai até a estação ferroviária de Berna, e sem planos prévios e sem avisar ninguém, parte no primeiro trem com destino a Lisboa.
Bem, ficarei por aqui em minhas dicas sobre o enredo para não estragar o prazer da surpresa na leitura desse intrigante romance. Leiam-no e tenho a certeza de que irão gostar, da primeira à derradeira página. Trata-se de fascinante aventura intelectual e estética, como é a do próprio Mundus, personagem central da obra.
Quanto a Mercier... Também agiu por impulso ao elaborar esse texto. Sem planejar e nem avisar ninguém, decidiu, de repente, escrever “Trem noturno para Lisboa”. Tornou-se, para sua surpresa, best-seller, e não pára mais de vender, o que transformou, óbvio, toda a sua vida. Entre outras coisas, largou o magistério, que lhe rendia migalhas perto do que a literatura lhe rende agora. Em vez de passar seus dias às voltas com alunos, não raro entediados, sonolentos e desinteressados de suas preleções, passa-os, agora, à frente da telinha do computador, a escrever novos romances. Tudo leva a crer que, de certa forma, Mundus é o próprio perfil de Mercier.
Quanto ao pseudônimo que adotou, o ora bem-sucedido romancista explica: “Enquanto professor, receei colocar a minha reputação acadêmica em causa quando comecei a escrever ficção. Precisava me esconder atrás de pseudônimo para ter coragem de me libertar na escrita. Só sabia que queria um nome com sonoridade francesa, mas que não fosse extravagante. É uma experiência fantástica escolher um outro nome, porque o kitsch que há em nós surge no seu máximo.Os primeiros nomes que nos surgem são extraordinários”.
Se você, leitor amigo, tem secretas e inconfessáveis ambições de se tornar escritor, mas não tem coragem de abandonar sua “santa rotina”, seu empreguinho chato – mas que lhe rende o suficiente para custear seus caprichos – e nem o cronograma “certinho” que elaborou, decida-se. Vá à luta!
Da próxima vez que lhe bater o impulso de jogar tudo para o alto, faça-o. Claro que você jamais terá certeza do acerto da decisão. Nunca temos. Siga, porém, seus instintos e, sobretudo, sua intuição. Faça o que o coração lhe ditar. Mas arque sozinho com as conseqüências. Aí é que está a graça desse tipo de aventura. Se forem boas, a glória será sua. Se forem ruins... azar o seu. Quem sabe, todavia, se daqui a algum tempo, não estarei comentando, neste espaço, seu sensacional best-seller? Quem sabe? Afinal, quem não arrisca...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A pessoa impulsiva, a que age sem premeditação e nem plano prévio, quase sempre dá com os burros n’água e fracassa em seus empreendimentos, seja qual for sua natureza. Mas nem sempre isso acontece. Não existe regra geral e inflexível, tida como dogma, que garanta, com absoluta certeza, sucesso ao indivíduo certinho, desses que trazem as vidas rigorosamente planejadas e que jamais, em circunstância alguma, dão saltos no escuro.
Estas considerações vêm a propósito do personagem central do romance “Trem noturno para Lisboa”, do suíço Pascal Mercier (pseudônimo do filósofo Peter Bieri, nascido em Berna, professor de Filosofia da Universidade de Berlim), um dos fenômenos editoriais da temporada. O referido protagonista central do enredo é Raimundo Gregorius, pessoa culta e sumamente metódica, dessas nunca dadas a aventuras ou arroubos de ousadia, que leciona línguas clássicas, e que, subitamente, num desses impulsos que todos às vezes temos na vida (mas que raros agem movidos por eles), mergulha de cabeça em uma incrível jornada sem limites e descobre uma série de verdades sobre o mundo e, principalmente, sobre si mesmo.
O livro, esclareça-se, não é novo, embora tenha sido lançado apenas recentemente no Brasil pela Editora Record. Na Alemanha, já vendeu mais de dois milhões de exemplares e está há alguns anos em todas as listas dos mais vendidos país afora. Tudo indica que, entre nós, terá idêntica trajetória. É uma obra que lhes recomendo sem pestanejar.
Gregorius, personagem emblemático (que, provavelmente tem tudo a ver com Mercier), tem o apelido de “Mundus”, por sua erudição, notadamente na matéria de sua especialidade: línguas clássicas. Tendo fracassado no casamento, leva vida pacata de “solteirão”, (que é o que ocorre com boa parte dos que se divorciam), dedicada quase que exclusivamente à disciplina que leciona e aos seus alunos.
Um encontro casual, todavia, muda tudo isso. Numa determinada manhã chuvosa, o vetusto mestre, folclórico entre professores e alunos da instituição em que trabalha, impede que uma linda mulher se jogue da ponte em Berna e ponha, dessa forma, fim à própria vida. Em rápido diálogo com a potencial suicida, Gregorius encanta-se com a sonoridade da língua (estrangeira) que ela fala para tentar justificar seu gesto que, na verdade, ele não entende. Esse idioma é... o português.
Fascinado pela sonoridade das palavras dessa linguagem, para ele insólita, vai a uma livraria e compra um livro, assim a esmo, de um autor qualquer do país em que se adota esse mavioso linguajar. Trata-se do escritor português Amadeu Inácio de Almeida Prado.
É praticamente aí que começa a verdadeira história, o enredo central desse tão bem urdido romance. De posse de um dicionário, Gregorius traduz trechos do referido livro e, à medida que vai lendo (e entendendo) as reflexões do autor, mais envolvido e curioso fica. É aí que entra o tal impulso. Fica obcecado para saber quem era o autor das judiciosas palavras que lia, qual a sua realidade pessoal, onde vivia, o que fazia além de escrever etc.. Enfim, quais eram as circunstâncias da sua vida.
No dia seguinte ao do encontro com a portuguesa, bem no meio de uma aula, interrompe uma explanação que faz e, para espanto de toda a classe, deixa subitamente a sala e a faculdade. Vai até a estação ferroviária de Berna, e sem planos prévios e sem avisar ninguém, parte no primeiro trem com destino a Lisboa.
Bem, ficarei por aqui em minhas dicas sobre o enredo para não estragar o prazer da surpresa na leitura desse intrigante romance. Leiam-no e tenho a certeza de que irão gostar, da primeira à derradeira página. Trata-se de fascinante aventura intelectual e estética, como é a do próprio Mundus, personagem central da obra.
Quanto a Mercier... Também agiu por impulso ao elaborar esse texto. Sem planejar e nem avisar ninguém, decidiu, de repente, escrever “Trem noturno para Lisboa”. Tornou-se, para sua surpresa, best-seller, e não pára mais de vender, o que transformou, óbvio, toda a sua vida. Entre outras coisas, largou o magistério, que lhe rendia migalhas perto do que a literatura lhe rende agora. Em vez de passar seus dias às voltas com alunos, não raro entediados, sonolentos e desinteressados de suas preleções, passa-os, agora, à frente da telinha do computador, a escrever novos romances. Tudo leva a crer que, de certa forma, Mundus é o próprio perfil de Mercier.
Quanto ao pseudônimo que adotou, o ora bem-sucedido romancista explica: “Enquanto professor, receei colocar a minha reputação acadêmica em causa quando comecei a escrever ficção. Precisava me esconder atrás de pseudônimo para ter coragem de me libertar na escrita. Só sabia que queria um nome com sonoridade francesa, mas que não fosse extravagante. É uma experiência fantástica escolher um outro nome, porque o kitsch que há em nós surge no seu máximo.Os primeiros nomes que nos surgem são extraordinários”.
Se você, leitor amigo, tem secretas e inconfessáveis ambições de se tornar escritor, mas não tem coragem de abandonar sua “santa rotina”, seu empreguinho chato – mas que lhe rende o suficiente para custear seus caprichos – e nem o cronograma “certinho” que elaborou, decida-se. Vá à luta!
Da próxima vez que lhe bater o impulso de jogar tudo para o alto, faça-o. Claro que você jamais terá certeza do acerto da decisão. Nunca temos. Siga, porém, seus instintos e, sobretudo, sua intuição. Faça o que o coração lhe ditar. Mas arque sozinho com as conseqüências. Aí é que está a graça desse tipo de aventura. Se forem boas, a glória será sua. Se forem ruins... azar o seu. Quem sabe, todavia, se daqui a algum tempo, não estarei comentando, neste espaço, seu sensacional best-seller? Quem sabe? Afinal, quem não arrisca...
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