Velhos são grandes vítimas
Pedro J. Bondaczuk
O monstruoso caso das quatro enfermeiras austríacas que, mediante uma superdose de insulina, ou de barbitúricos, causaram a morte de pelo menos 49 pacientes do Hospital Lainz, de Viena, traz à baila, novamente, a questão da eutanásia. Ou seja, a chamada “morte piedosa” para os doentes pretensamente desenganados.
A última vez em que tratamos deste assunto, neste espaço, em dezembro de 1988, recebemos um telefonema irritado de uma pessoa, que se recusou a dar sua identidade, afirmando que dizíamos “bobagem” ao condenar essa prática macabra, aliás, proibida em todas as legislações do mundo.
No caso da Áustria, a terrível decisão de decretar o fim prematuro da existência de quase cinco dezenas de seres humanos sequer foi tomada por médicos (raríssimos, se é que exista algum, aceitariam agir dessa maneira).
A maioria dos mortos era constituída de pessoas idosas, que as quatro enfermeiras julgavam ser incuráveis, como se tivessem competência para um diagnóstico dessa espécie. Há um preconceito, aliás, já de longa data, contra os anciãos. Apenas porque eles apresentam um certo e natural desgaste físico, muitos de julgam no direito de decretar sua extinção (senão como seres humanos, ao menos como cidadãos).
A antropóloga norte-americana Margaret Mead via nesse procedimento uma manifestação de pânico dos mais jovens. Ela firmou, num de seus livros: “Os que negligenciam os seus velhos, os segregam, são aqueles que morrem de medo de envelhecer – e que viverão dominados pelo pavor da idade e do amadurecimento. Como os americanos, que têm muito medo da morte”.
E prossegue: “Mas será preciso perguntar: se os velhos se repetem, não será por que ninguém os ouve? Se os velhos ficam diante da televisão (a maneira mais rápida e tétrica de envelhecer), não será por que ninguém fala com eles? O importante é que, a menos que tenhamos velhos com que possamos nos identificar positivamente, vamos passar a vida com medo da idade”.
Por outro lado, não é de se estranhar que haja gente defendendo a chamada “morte piedosa” (dos outros, é claro, nunca a própria), num mundo que tem tamanho desprezo pela vida. Numa sociedade robotizada e aturdida. Num planeta em que 300 mil cidadãos saem às ruas para exigir que se mantenha o direito de matar crianças indefesas, através da prática do aborto. Numa terra em que o desejo desmedido por lucro propicia desastres como o do Estreito Príncipe William, no Alasca, onde um vazamento de óleo atingiu diretamente um santuário biológico e está causando uma mortandade terrível de animais marinhos e de aves. Num mundo onde 40 menores morrem a cada minuto, em média, por falta do que comer, quando há tanto esbanjamento por aí. Como falar em “vida” em meio a tamanho quadro homicida?
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 11 de abril de 1989).
Pedro J. Bondaczuk
O monstruoso caso das quatro enfermeiras austríacas que, mediante uma superdose de insulina, ou de barbitúricos, causaram a morte de pelo menos 49 pacientes do Hospital Lainz, de Viena, traz à baila, novamente, a questão da eutanásia. Ou seja, a chamada “morte piedosa” para os doentes pretensamente desenganados.
A última vez em que tratamos deste assunto, neste espaço, em dezembro de 1988, recebemos um telefonema irritado de uma pessoa, que se recusou a dar sua identidade, afirmando que dizíamos “bobagem” ao condenar essa prática macabra, aliás, proibida em todas as legislações do mundo.
No caso da Áustria, a terrível decisão de decretar o fim prematuro da existência de quase cinco dezenas de seres humanos sequer foi tomada por médicos (raríssimos, se é que exista algum, aceitariam agir dessa maneira).
A maioria dos mortos era constituída de pessoas idosas, que as quatro enfermeiras julgavam ser incuráveis, como se tivessem competência para um diagnóstico dessa espécie. Há um preconceito, aliás, já de longa data, contra os anciãos. Apenas porque eles apresentam um certo e natural desgaste físico, muitos de julgam no direito de decretar sua extinção (senão como seres humanos, ao menos como cidadãos).
A antropóloga norte-americana Margaret Mead via nesse procedimento uma manifestação de pânico dos mais jovens. Ela firmou, num de seus livros: “Os que negligenciam os seus velhos, os segregam, são aqueles que morrem de medo de envelhecer – e que viverão dominados pelo pavor da idade e do amadurecimento. Como os americanos, que têm muito medo da morte”.
E prossegue: “Mas será preciso perguntar: se os velhos se repetem, não será por que ninguém os ouve? Se os velhos ficam diante da televisão (a maneira mais rápida e tétrica de envelhecer), não será por que ninguém fala com eles? O importante é que, a menos que tenhamos velhos com que possamos nos identificar positivamente, vamos passar a vida com medo da idade”.
Por outro lado, não é de se estranhar que haja gente defendendo a chamada “morte piedosa” (dos outros, é claro, nunca a própria), num mundo que tem tamanho desprezo pela vida. Numa sociedade robotizada e aturdida. Num planeta em que 300 mil cidadãos saem às ruas para exigir que se mantenha o direito de matar crianças indefesas, através da prática do aborto. Numa terra em que o desejo desmedido por lucro propicia desastres como o do Estreito Príncipe William, no Alasca, onde um vazamento de óleo atingiu diretamente um santuário biológico e está causando uma mortandade terrível de animais marinhos e de aves. Num mundo onde 40 menores morrem a cada minuto, em média, por falta do que comer, quando há tanto esbanjamento por aí. Como falar em “vida” em meio a tamanho quadro homicida?
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 11 de abril de 1989).
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