Gênio de três corações
Pedro J. Bondaczuk
A paixão, em si, é cega, e, a priori, nem é um bem e nem um mal. Cabe-nos direcioná-la corretamente, para que se torne força irresistível e benigna que atue exclusivamente a nosso favor. Sem ela, nada do que fizermos atingirá a excelência e a perfeição. É possível fazer isso? Sim! Muitos e muitos o fizeram. Exemplo? Um tal de Edison Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé. Antes que me corrijam, esclareço que o nome dele é com “i” mesmo e não com “d” mudo antes do “s”, como a maioria grafa. Foi uma homenagem dos seus pais ao inventor da lâmpada elétrica, Thomas Alva Edison.
Pois bem, esse gênio do esporte, apaixonado por sua atividade, que exerceu com excelência como ninguém, está completando 70 anos de idade, esbanjando vitalidade, simpatia, otimismo e bom humor. Por estes dias surgiu, até, uma controvérsia sobre a data correta de nascimento do atleta do século passado. Em sua certidão consta que é 21 de outubro, ao que ele e a mãe, Dona Celeste contestam. E nesse tipo de controvérsia, convenhamos, ninguém está mais habilitado a saber desse detalhe do que eles, protagonistas do fato. Pelé garante que nasceu em 23 de outubro de 1940 e acredito nele. Mas, para acabar com a celeuma, que tal se comemorar duplamente seu aniversário? Ele merece!
Quem viu esse mago da bola jogar não contesta o fato de ter sido o melhor do mundo, mas não somente numa temporada, mas em todos os tempos. Poucos nunca viram, pelo menos em filmes muito antigos, seus gols mais famosos. Qual? Muitos e muitos e muitos. Literalmente, milhares. Mas que tal o do 1 a 0 contra o País de Gales, na Copa do Mundo de 1958, em que deu um chapéu no zagueiro galês na pequena área, antes de chutar de sem-pulo para a meta adversária? Ou que tal a “reprise” desse lance, no mesmo Mundial, mas na final, contra a Suécia, igualzinho ao primeiro, que muita gente afirmava que jamais seria repetido em qualquer tempo, mas foi, e no intervalo, creio, de apenas duas semanas? Coisa de gênio, claro. E nessa ocasião tinha apenas dezessete anos!
Creio que falar da genialidade de Pelé como atleta é redundante, já que milhões falaram, falam e vão falar muito ainda, a despeito dele haver se despedido dos gramados há 34 anos. Nem parece que parou de jogar bola. Seu prestígio continua intacto, a despeito de seus detratores que, não achando defeitos nele em sua condição de jogador de futebol, se arrogam em “árbitros do comportamento” e condenam algumas de suas atitudes, sem lhe dar, ao menos, direito de resposta. Às favas com esses sujeitinhos medíocres, frustrados, complexados e infelizes, que precisam encontrar defeitos nos outros para se sentirem bem!! Já fui vítima inúmeras vezes desses tipos e desprezo-os de coração, mente, corpo, alma e vísceras.
Como contestar a categoria de um sujeito que, bem antes dos 40 anos de idade, marcou 1.382 gols?! Quem sequer se aproximou dessa marca? Maradona? Messi? Zidane? Platini? Ora, não me façam rir. Então, estamos combinados. Não façamos mais comparações, para não cair em ridículo. Mesmo quem nunca viu Pelé jogar tem a plena convicção de que ele foi inigualável.
Sei de histórias deliciosas envolvendo esse gênio da bola. Um dia ainda hei de realizar o projeto de escrever um livro a respeito (a exemplo do que fiz em relação às copas do mundo que tive o privilégio de acompanhar). Quem me conhece, sabe que sou pontepretano ferrenho e fiel e que não torço para outro clube qualquer, aconteça o que acontecer. Mas... durante muito tempo, abri uma exceção. Vibrei com aquele Santos quase imbatível, que jogava cento e cinqüenta partidas ou mais por ano, nos cinco continentes da Terra, e vencia por volta de cento e quarenta (sem nenhum exagero), e que tinha como estrela da companhia, claro, o fenômeno Pelé. E este era (e ainda é) de fato fenomenal, no sentido mais positivo do termo.
Lembro-me de um episódio que, sempre que me vem à mente, me induz a boas risadas e que até parece mentira, de tão insólito que foi. Ocorreu em 16 de agosto de 1961. Nesse dia, o Santos massacrou o Corinthians, no velho e bom Pacaembu, aplicando-lhe impiedosa goleada, por 5 a 1, com atuação soberba (o que é redundante) da dupla Pelé e Coutinho. A torcida corintiana culpou o goleiro Gilmar pelo vexame, o que determinou sua saída do clube e contratação, tempos depois, pela máquina de jogar futebol da Vila Belmiro.
Nesse dia, eu estava atrás do gol dos portões principais do estádio. Ao meu lado, estava um sujeito simples que, pelo linguajar, deduzi se tratar de pessoa de pouca cultura, pouco mais velho do que eu (que tinha, na ocasião, 18 anos de idade). A cada jogada do rei, ele se contorcia, de nervoso, pois aquele “sujeitinho” estava arrebentando com o seu time. No intervalo, o tal torcedor olhou para o meu lado e perguntou, como se não acreditasse no que viu e não soubesse de onde o carrasco do Corinthians procedia, se da Terra ou de outro planeta: “De onde é esse cara?”.
Demorei para responder e ele estava se afastando, provavelmente para ir ao banheiro, quando lhe disse. “É de Três Corações”. Não sei se essa pessoa estava brincando comigo ou se era ingênua mesmo (que é o que acredito). O cara olhou para mim atônito, pois interpretou minha resposta literalmente, como se Pelé tivesse três órgãos responsáveis pela circulação. O craque era um fenômeno, reitero, mas... nem tanto! Ou seria tanto?! Meu interlocutor olhou-me espantadíssimo e respondeu: “Não diga! É por isso que corre mais que todo mundo, salta mais do que os outros e parece até um beija-flor quando pára no ar”. Como se vê, antes que Dadá Maravilha dissesse que fazia isso, Pelé já usava e abusava dessa façanha.
Tentei dizer-lhe que o jogador “nasceu” na cidade de Três Corações e não “com” três corações, mas não deu tempo. O tal sujeito já estava longe e certamente não me ouviu. E não assistiu o resto do jogo ao meu lado, mas o fez misturado a um grupo de corintianos que protestava sem parar, a uns trinta ou quarenta metros de onde eu estava.
Nesse mesmo dia, entusiasmado com a sua atuação, cismei que queria o autógrafo do rei. Sabia das dificuldades para conseguir isso, pois nos arredores do vestiário do Santos não cabia uma agulha. Eram repórteres a dar com pau e torcedores eufóricos, buscando chegar perto dos seus ídolos, notadamente do maior deles. Pelé, de longe, percebeu minha aflição. Veio em minha direção, afastando os que estavam no caminho e, com a maior gentileza e camaradagem, como se me conhecesse há anos e fosse meu amigo de longa data, deu o autógrafo que eu tanto queria, que guardo como relíquia em parte nobre da casa. Não só não se fez de difícil, como tomou a iniciativa de chegar até mim.
Quando que Maradona me atenderia tão solicitamente?! Nunca me atendeu, aliás. Como era amigo de Careca (que jogou no Guarani), ele esteve várias vezes em Campinas. E mesmo eu sendo jornalista com nome firmado, jamais consegui passar sequer do saguão do prédio em que se hospedava, quanto mais chegar perto do controvertido jogador argentino. Quanto a Messi... duvido que me tratasse diferente do que seu compatriota me tratou (ou não tratou, pois nunca me deixou chegar perto). Às favas com os dois! Quem quer saber deles? Tenho o autógrafo do maior de todos os tempos, do gênio da bola que, não duvido, é bem capaz de ter mesmo três corações, como parece que o torcedor corintiano acreditou que tinha!
Será que é por isso que chegou aos setenta com aparência de trinta? Em 1970, a extinta e saudosa revista “Realidade” fez, na edição de outubro daquele ano, matéria central, com projeção de como Pelé seria 40 anos depois, em 2010. Na capa, colocou uma foto bem grande do rei, maquiado evidentemente, com muitas rugas e cabelos grisalhos, da forma como o repórter achava que seria sua aparência aos setenta anos.
Querem saber? Não parece nada, nada com essa figura humana carismática, fantástica, extraordinária, que não perdeu a compostura, a simplicidade e a modéstia, com tudo o que conquistou, e que está, fisicamente, exatamente como era quando parou de jogar bola, no Cosmos de Nova York, em 1976: com cara de 30 anos. Fico, pois, em dúvida: Pelé nasceu “em” Três Corações ou “com” três corações?...
Pedro J. Bondaczuk
A paixão, em si, é cega, e, a priori, nem é um bem e nem um mal. Cabe-nos direcioná-la corretamente, para que se torne força irresistível e benigna que atue exclusivamente a nosso favor. Sem ela, nada do que fizermos atingirá a excelência e a perfeição. É possível fazer isso? Sim! Muitos e muitos o fizeram. Exemplo? Um tal de Edison Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé. Antes que me corrijam, esclareço que o nome dele é com “i” mesmo e não com “d” mudo antes do “s”, como a maioria grafa. Foi uma homenagem dos seus pais ao inventor da lâmpada elétrica, Thomas Alva Edison.
Pois bem, esse gênio do esporte, apaixonado por sua atividade, que exerceu com excelência como ninguém, está completando 70 anos de idade, esbanjando vitalidade, simpatia, otimismo e bom humor. Por estes dias surgiu, até, uma controvérsia sobre a data correta de nascimento do atleta do século passado. Em sua certidão consta que é 21 de outubro, ao que ele e a mãe, Dona Celeste contestam. E nesse tipo de controvérsia, convenhamos, ninguém está mais habilitado a saber desse detalhe do que eles, protagonistas do fato. Pelé garante que nasceu em 23 de outubro de 1940 e acredito nele. Mas, para acabar com a celeuma, que tal se comemorar duplamente seu aniversário? Ele merece!
Quem viu esse mago da bola jogar não contesta o fato de ter sido o melhor do mundo, mas não somente numa temporada, mas em todos os tempos. Poucos nunca viram, pelo menos em filmes muito antigos, seus gols mais famosos. Qual? Muitos e muitos e muitos. Literalmente, milhares. Mas que tal o do 1 a 0 contra o País de Gales, na Copa do Mundo de 1958, em que deu um chapéu no zagueiro galês na pequena área, antes de chutar de sem-pulo para a meta adversária? Ou que tal a “reprise” desse lance, no mesmo Mundial, mas na final, contra a Suécia, igualzinho ao primeiro, que muita gente afirmava que jamais seria repetido em qualquer tempo, mas foi, e no intervalo, creio, de apenas duas semanas? Coisa de gênio, claro. E nessa ocasião tinha apenas dezessete anos!
Creio que falar da genialidade de Pelé como atleta é redundante, já que milhões falaram, falam e vão falar muito ainda, a despeito dele haver se despedido dos gramados há 34 anos. Nem parece que parou de jogar bola. Seu prestígio continua intacto, a despeito de seus detratores que, não achando defeitos nele em sua condição de jogador de futebol, se arrogam em “árbitros do comportamento” e condenam algumas de suas atitudes, sem lhe dar, ao menos, direito de resposta. Às favas com esses sujeitinhos medíocres, frustrados, complexados e infelizes, que precisam encontrar defeitos nos outros para se sentirem bem!! Já fui vítima inúmeras vezes desses tipos e desprezo-os de coração, mente, corpo, alma e vísceras.
Como contestar a categoria de um sujeito que, bem antes dos 40 anos de idade, marcou 1.382 gols?! Quem sequer se aproximou dessa marca? Maradona? Messi? Zidane? Platini? Ora, não me façam rir. Então, estamos combinados. Não façamos mais comparações, para não cair em ridículo. Mesmo quem nunca viu Pelé jogar tem a plena convicção de que ele foi inigualável.
Sei de histórias deliciosas envolvendo esse gênio da bola. Um dia ainda hei de realizar o projeto de escrever um livro a respeito (a exemplo do que fiz em relação às copas do mundo que tive o privilégio de acompanhar). Quem me conhece, sabe que sou pontepretano ferrenho e fiel e que não torço para outro clube qualquer, aconteça o que acontecer. Mas... durante muito tempo, abri uma exceção. Vibrei com aquele Santos quase imbatível, que jogava cento e cinqüenta partidas ou mais por ano, nos cinco continentes da Terra, e vencia por volta de cento e quarenta (sem nenhum exagero), e que tinha como estrela da companhia, claro, o fenômeno Pelé. E este era (e ainda é) de fato fenomenal, no sentido mais positivo do termo.
Lembro-me de um episódio que, sempre que me vem à mente, me induz a boas risadas e que até parece mentira, de tão insólito que foi. Ocorreu em 16 de agosto de 1961. Nesse dia, o Santos massacrou o Corinthians, no velho e bom Pacaembu, aplicando-lhe impiedosa goleada, por 5 a 1, com atuação soberba (o que é redundante) da dupla Pelé e Coutinho. A torcida corintiana culpou o goleiro Gilmar pelo vexame, o que determinou sua saída do clube e contratação, tempos depois, pela máquina de jogar futebol da Vila Belmiro.
Nesse dia, eu estava atrás do gol dos portões principais do estádio. Ao meu lado, estava um sujeito simples que, pelo linguajar, deduzi se tratar de pessoa de pouca cultura, pouco mais velho do que eu (que tinha, na ocasião, 18 anos de idade). A cada jogada do rei, ele se contorcia, de nervoso, pois aquele “sujeitinho” estava arrebentando com o seu time. No intervalo, o tal torcedor olhou para o meu lado e perguntou, como se não acreditasse no que viu e não soubesse de onde o carrasco do Corinthians procedia, se da Terra ou de outro planeta: “De onde é esse cara?”.
Demorei para responder e ele estava se afastando, provavelmente para ir ao banheiro, quando lhe disse. “É de Três Corações”. Não sei se essa pessoa estava brincando comigo ou se era ingênua mesmo (que é o que acredito). O cara olhou para mim atônito, pois interpretou minha resposta literalmente, como se Pelé tivesse três órgãos responsáveis pela circulação. O craque era um fenômeno, reitero, mas... nem tanto! Ou seria tanto?! Meu interlocutor olhou-me espantadíssimo e respondeu: “Não diga! É por isso que corre mais que todo mundo, salta mais do que os outros e parece até um beija-flor quando pára no ar”. Como se vê, antes que Dadá Maravilha dissesse que fazia isso, Pelé já usava e abusava dessa façanha.
Tentei dizer-lhe que o jogador “nasceu” na cidade de Três Corações e não “com” três corações, mas não deu tempo. O tal sujeito já estava longe e certamente não me ouviu. E não assistiu o resto do jogo ao meu lado, mas o fez misturado a um grupo de corintianos que protestava sem parar, a uns trinta ou quarenta metros de onde eu estava.
Nesse mesmo dia, entusiasmado com a sua atuação, cismei que queria o autógrafo do rei. Sabia das dificuldades para conseguir isso, pois nos arredores do vestiário do Santos não cabia uma agulha. Eram repórteres a dar com pau e torcedores eufóricos, buscando chegar perto dos seus ídolos, notadamente do maior deles. Pelé, de longe, percebeu minha aflição. Veio em minha direção, afastando os que estavam no caminho e, com a maior gentileza e camaradagem, como se me conhecesse há anos e fosse meu amigo de longa data, deu o autógrafo que eu tanto queria, que guardo como relíquia em parte nobre da casa. Não só não se fez de difícil, como tomou a iniciativa de chegar até mim.
Quando que Maradona me atenderia tão solicitamente?! Nunca me atendeu, aliás. Como era amigo de Careca (que jogou no Guarani), ele esteve várias vezes em Campinas. E mesmo eu sendo jornalista com nome firmado, jamais consegui passar sequer do saguão do prédio em que se hospedava, quanto mais chegar perto do controvertido jogador argentino. Quanto a Messi... duvido que me tratasse diferente do que seu compatriota me tratou (ou não tratou, pois nunca me deixou chegar perto). Às favas com os dois! Quem quer saber deles? Tenho o autógrafo do maior de todos os tempos, do gênio da bola que, não duvido, é bem capaz de ter mesmo três corações, como parece que o torcedor corintiano acreditou que tinha!
Será que é por isso que chegou aos setenta com aparência de trinta? Em 1970, a extinta e saudosa revista “Realidade” fez, na edição de outubro daquele ano, matéria central, com projeção de como Pelé seria 40 anos depois, em 2010. Na capa, colocou uma foto bem grande do rei, maquiado evidentemente, com muitas rugas e cabelos grisalhos, da forma como o repórter achava que seria sua aparência aos setenta anos.
Querem saber? Não parece nada, nada com essa figura humana carismática, fantástica, extraordinária, que não perdeu a compostura, a simplicidade e a modéstia, com tudo o que conquistou, e que está, fisicamente, exatamente como era quando parou de jogar bola, no Cosmos de Nova York, em 1976: com cara de 30 anos. Fico, pois, em dúvida: Pelé nasceu “em” Três Corações ou “com” três corações?...
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