Medida de arrojo de Alfonsin
Pedro J. Bondaczuk
O chamado Plano Austral, que é o nome do tratamento de choque dado pelo presidente argentino, Raul Alfonsin, à hiperinflação de seu país, completa hoje meio ano de existência, com resultados expressivos em termos de queda das taxas inflacionárias.
Nesse aspecto, os maiores técnicos em economia têm feito os mais rasgados elogios a essa experiência. Entre esses está o ganhador do Prêmio Nobel da disciplina em 1985, Franco Modigliani, que esteve recentemente em Buenos Aires, para verificar in loco a reação da sociedade argentina a essas medidas.
A inflação do país, que em junho havia registrado intoleráveis 30,5%, baixou dramaticamente. A taxa de novembro (por sinal, outra vez em ascensão), foi de somente 2,4%. A diferença fica ainda mais marcante quando se compara os índices acumulados desses dois meses, tomados como parâmetros.
Em junho, a taxa era de 1.128%. No mês passado, havia decrescido para 463,1%. Olhando os números assim, friamente, sem maiores considerações, não resta qualquer dúvida que o Plano Austral, pelo menos até aqui, foi um retumbante sucesso. Resta saber qual será o seu custo social.
Informações procedentes da Argentina dão conta da existência de uma recessão para FMI nenhum botar defeito. O desemprego na indústria, que antes da aplicação da medida já era de 36,4%, teve acrescentados em seu balanço mais alguns pontinhos percentuais, representados por milhares de pais de família sem condições de prover de recursos os seus lares.
Mas o povo argentino está demonstrando uma confiança sem limites no seu presidente. Alfonsin, hoje, pode ser classificado como um fenômeno político. Afinal, não é qualquer líder que pode impor, numa violenta América Latina (onde a visão de conjunto da sociedade sempre é distorcida e onde, via de regra, cada um quer apenas puxar a sardinha para a própria brasa, sem se importar com o que vai acontecer aos demais), um programa dessa natureza e ainda assim se manter popular.
A maior prova desse respaldo da população foram as recentes eleições parlamentares na Argentina. Ninguém tem qualquer sombra de dúvida de que a notável (em vista das circunstâncias) performance eleitoral da União Cívica Radical não se deveu a nenhum prestígio pessoal de eventuais caciques desse partido. O que definiu o pleito foi a presença do presidente na campanha, se fazendo presente em vários comícios, nos dias que antecederam a consulta ao eleitorado.
E mesmo na véspera do comparecimento às urnas, tendo o presidente lançado mão de um impopular instrumento de exceção, como é o estado de sítio, o seu partido ainda assim acabou contemplado com a maioria dos deputados.
Só mesmo alguém com tamanha credibilidade teria condições para implantar o Plano Austral, principalmente porque ele congelou completamente os salários, que nos últimos três anos haviam perdido, pasmem, 57% do seu poder de compra. Se a medida vai mesmo dar certo é muito cedo para se afirmar.
Em princípio, pessoalmente, somos contrários aos congelamentos. A experiência tem demonstrado que eles funcionam apenas na aparência, pois na verdade dão motivo para o desenvolvimento de uma economia subterrânea (chamada entre nós de invisível, ou informal), representada pelo mercado negro. Nele, os principais produtos desaparecem misteriosamente da praça.
Nessas ocasiões sempre surgem os tais que sabem onde eles poderão ser adquiridos, mas se “pagando um pouquinho mais caro”. E esse “pouquinho” tanto pode ser 10% como 100%. Países que conheceram o flagelo da guerra sabem muito bem como é isso. Sabem de que forma funciona essa desavergonhada exploração por parte dos parasitas.
É evidente que a cota de sacrifício popular tem suas limitações. Como bom político que é, Alfonsin, certamente, saberá detectar esse instante de saturação e afrouxar o cinto, especialmente do trabalhador assalariado. Será nesse momento que o decantado Plano Austral passará por seu teste definitivo.
Caso não ocorra uma corrida desenfreada às lojas, gerando insuportável pressão de demanda, realimentando a inflação, pode até ser que a economia argentina esteja finalmente saneada e a hiperinflação definitivamente vencida.
Em caso contrário, será o prestígio do presidente que poderá sofrer severos arranhões. Portanto, é um ato de extrema ousadia de Raul Alfonsin esse tratamento de choque num paciente combalido. Trata-se de uma cartada jogada na autêntica base do “tudo ou nada”.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 14 de dezembro de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
O chamado Plano Austral, que é o nome do tratamento de choque dado pelo presidente argentino, Raul Alfonsin, à hiperinflação de seu país, completa hoje meio ano de existência, com resultados expressivos em termos de queda das taxas inflacionárias.
Nesse aspecto, os maiores técnicos em economia têm feito os mais rasgados elogios a essa experiência. Entre esses está o ganhador do Prêmio Nobel da disciplina em 1985, Franco Modigliani, que esteve recentemente em Buenos Aires, para verificar in loco a reação da sociedade argentina a essas medidas.
A inflação do país, que em junho havia registrado intoleráveis 30,5%, baixou dramaticamente. A taxa de novembro (por sinal, outra vez em ascensão), foi de somente 2,4%. A diferença fica ainda mais marcante quando se compara os índices acumulados desses dois meses, tomados como parâmetros.
Em junho, a taxa era de 1.128%. No mês passado, havia decrescido para 463,1%. Olhando os números assim, friamente, sem maiores considerações, não resta qualquer dúvida que o Plano Austral, pelo menos até aqui, foi um retumbante sucesso. Resta saber qual será o seu custo social.
Informações procedentes da Argentina dão conta da existência de uma recessão para FMI nenhum botar defeito. O desemprego na indústria, que antes da aplicação da medida já era de 36,4%, teve acrescentados em seu balanço mais alguns pontinhos percentuais, representados por milhares de pais de família sem condições de prover de recursos os seus lares.
Mas o povo argentino está demonstrando uma confiança sem limites no seu presidente. Alfonsin, hoje, pode ser classificado como um fenômeno político. Afinal, não é qualquer líder que pode impor, numa violenta América Latina (onde a visão de conjunto da sociedade sempre é distorcida e onde, via de regra, cada um quer apenas puxar a sardinha para a própria brasa, sem se importar com o que vai acontecer aos demais), um programa dessa natureza e ainda assim se manter popular.
A maior prova desse respaldo da população foram as recentes eleições parlamentares na Argentina. Ninguém tem qualquer sombra de dúvida de que a notável (em vista das circunstâncias) performance eleitoral da União Cívica Radical não se deveu a nenhum prestígio pessoal de eventuais caciques desse partido. O que definiu o pleito foi a presença do presidente na campanha, se fazendo presente em vários comícios, nos dias que antecederam a consulta ao eleitorado.
E mesmo na véspera do comparecimento às urnas, tendo o presidente lançado mão de um impopular instrumento de exceção, como é o estado de sítio, o seu partido ainda assim acabou contemplado com a maioria dos deputados.
Só mesmo alguém com tamanha credibilidade teria condições para implantar o Plano Austral, principalmente porque ele congelou completamente os salários, que nos últimos três anos haviam perdido, pasmem, 57% do seu poder de compra. Se a medida vai mesmo dar certo é muito cedo para se afirmar.
Em princípio, pessoalmente, somos contrários aos congelamentos. A experiência tem demonstrado que eles funcionam apenas na aparência, pois na verdade dão motivo para o desenvolvimento de uma economia subterrânea (chamada entre nós de invisível, ou informal), representada pelo mercado negro. Nele, os principais produtos desaparecem misteriosamente da praça.
Nessas ocasiões sempre surgem os tais que sabem onde eles poderão ser adquiridos, mas se “pagando um pouquinho mais caro”. E esse “pouquinho” tanto pode ser 10% como 100%. Países que conheceram o flagelo da guerra sabem muito bem como é isso. Sabem de que forma funciona essa desavergonhada exploração por parte dos parasitas.
É evidente que a cota de sacrifício popular tem suas limitações. Como bom político que é, Alfonsin, certamente, saberá detectar esse instante de saturação e afrouxar o cinto, especialmente do trabalhador assalariado. Será nesse momento que o decantado Plano Austral passará por seu teste definitivo.
Caso não ocorra uma corrida desenfreada às lojas, gerando insuportável pressão de demanda, realimentando a inflação, pode até ser que a economia argentina esteja finalmente saneada e a hiperinflação definitivamente vencida.
Em caso contrário, será o prestígio do presidente que poderá sofrer severos arranhões. Portanto, é um ato de extrema ousadia de Raul Alfonsin esse tratamento de choque num paciente combalido. Trata-se de uma cartada jogada na autêntica base do “tudo ou nada”.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 14 de dezembro de 1985).
No comments:
Post a Comment