Talento bruto
Pedro J. Bondaczuk
O escritor inglês, Samuel Johnson, escreveu, certa ocasião, que “é preciso folhear meia biblioteca para fazer um livro”. Concordo com ele, mas apenas em parte. Ler é bom, é útil, é saudável e nos torna melhores escritores, caso saibamos, claro, escolher adequadamente nossas leituras.
Conheço, todavia, pessoas que leram como ninguém e nunca escreveram nada. Não era a sua praia. Como conheço, também, quem nunca leu coisíssima alguma, mas já tem livro escrito, de excelente qualidade literária, e publicado, obviamente. Tudo, nessa área, é relativo. Não se pode, pois, generalizar. Até porque, como Nelson Rodrigues não se cansava de alertar, “toda generalização é burra”.
Recebi, há uns dois meses, de um amigo jornalista, um livro de poesias de um tal Aparecido Marques, poeta do qual nunca ouvira falar. Li-o de supetão e fiquei encantado com seus sonetos, bem no estilão parnasiano. Caso não soubesse, de antemão, de quem eram, diria que o autor era Olavo Bilac, tamanha a perfeição das rimas, da métrica e do ritmo.
Telefonei ao amigo para agradecer o presente e aproveitei para elogiar o autor. E aí, veio a primeira surpresa. Fui informado que Aparecido Marques era humilde lavrador, semi-analfabeto, que mal sabia “desenhar” o nome.
“Mas como?!”, indaguei, perplexo, duvidando da informação. “E o livro?!”. Meu interlocutor explicou que cada soneto lhe foi “ditado” pelo poeta e que ele se limitou a transcrever o que Cidão (este é o apelido pelo qual o dito cujo é conhecido) lhe ditava. Mas jurou que não acrescentou mísera palavra sua que fosse. Os sonetos eram todos, e da primeira à última linha, do Aparecido. Claro que me mostrei incrédulo.
“Esse cara é um gênio!”, exclamei, entusiasmado, no final das contas. “Nem tanto!”, respondeu-me o amigo. E narrou-me um fato que até agora não sei se é anedota ou se caso real. Como quem me narrou se trata de um jornalista sério, desses sisudos, não dados a brincadeiras, posto que com relutância, acreditei nele.
Contou-me que tão logo o livro ficou pronto (foi bancado do seu bolso), começou sua romaria por redações de jornais da região para divulgá-lo. Embora a tiragem fosse de somente 500 exemplares, tinha esperança de recuperar, pelo menos, o investimento.
De tanto insistir, recebeu a promessa de um crítico literário de prestígio de publicar em sua coluna, em um jornal de boa circulação na região, uma avaliação sobre a obra. E fez. Mas... desancou Aparecido, sem dó e nem piedade. Pura questão de preconceito, claro. Disse que Cidão era “parnasiano”, mas com conotação de deboche, e ressaltou que hoje não se escreve mais poesia dessa forma. Tolice dele, claro! Cada qual escreve como melhor lhe aprouver. E se o texto for de qualidade, nada importa em que escola possa ser enquadrado. Mas não é o que pensa o tal crítico esnobe.
Lá um belo dia, meu amigo jornalista cismou de apresentar o tal sujeito ao Aparecido. Antes não o fizesse. Foi péssima idéia! Eles cumprimentaram-se, com as formalidades de praxe, e o tal analista, a título de justificativa por ter falado mal do livro, sapecou, logo de cara, na bucha, ao atarantado poeta: “Você é um parnasiano!”.
Para que?!!! O Cidão ficou uma fera! Encarou o tal sujeito, foi ficando vermelho, tenso, cenho carregado e avançou na sua direção. Foram necessárias três pessoas para segurá-lo, para evitar que desse boas bolachadas no atrevido do crítico que, estrategicamente, se escafedeu. Saiu de fininho e correu como nem o jamaicano Usain Bolt correria pelas ruas estreitas e acanhadas da cidadezinha.
Encerrado o incidente, meu amigo questionou o poeta, via de regra bonachão, agora mais calmo, sobre sua atitude intempestiva e sem sentido. “Esse cara é muito folgado”, respondeu. “Nem me conhece e sai por aí escrevendo um montão de besteira sobre mim. Você ouviu o que ele disse? Disse que sou parnasiano! Nem conheço esse time! Deve ser um palmeirense despeitado. Todos aqui da cidade sabem que sou corintiano, desde pequenininho!”, completou Cidão, para pasmo do meu amigo, que jura que a história é rigorosamente verdadeira. Da minha parte, vendo o peixe da forma que o comprei.
Pedro J. Bondaczuk
O escritor inglês, Samuel Johnson, escreveu, certa ocasião, que “é preciso folhear meia biblioteca para fazer um livro”. Concordo com ele, mas apenas em parte. Ler é bom, é útil, é saudável e nos torna melhores escritores, caso saibamos, claro, escolher adequadamente nossas leituras.
Conheço, todavia, pessoas que leram como ninguém e nunca escreveram nada. Não era a sua praia. Como conheço, também, quem nunca leu coisíssima alguma, mas já tem livro escrito, de excelente qualidade literária, e publicado, obviamente. Tudo, nessa área, é relativo. Não se pode, pois, generalizar. Até porque, como Nelson Rodrigues não se cansava de alertar, “toda generalização é burra”.
Recebi, há uns dois meses, de um amigo jornalista, um livro de poesias de um tal Aparecido Marques, poeta do qual nunca ouvira falar. Li-o de supetão e fiquei encantado com seus sonetos, bem no estilão parnasiano. Caso não soubesse, de antemão, de quem eram, diria que o autor era Olavo Bilac, tamanha a perfeição das rimas, da métrica e do ritmo.
Telefonei ao amigo para agradecer o presente e aproveitei para elogiar o autor. E aí, veio a primeira surpresa. Fui informado que Aparecido Marques era humilde lavrador, semi-analfabeto, que mal sabia “desenhar” o nome.
“Mas como?!”, indaguei, perplexo, duvidando da informação. “E o livro?!”. Meu interlocutor explicou que cada soneto lhe foi “ditado” pelo poeta e que ele se limitou a transcrever o que Cidão (este é o apelido pelo qual o dito cujo é conhecido) lhe ditava. Mas jurou que não acrescentou mísera palavra sua que fosse. Os sonetos eram todos, e da primeira à última linha, do Aparecido. Claro que me mostrei incrédulo.
“Esse cara é um gênio!”, exclamei, entusiasmado, no final das contas. “Nem tanto!”, respondeu-me o amigo. E narrou-me um fato que até agora não sei se é anedota ou se caso real. Como quem me narrou se trata de um jornalista sério, desses sisudos, não dados a brincadeiras, posto que com relutância, acreditei nele.
Contou-me que tão logo o livro ficou pronto (foi bancado do seu bolso), começou sua romaria por redações de jornais da região para divulgá-lo. Embora a tiragem fosse de somente 500 exemplares, tinha esperança de recuperar, pelo menos, o investimento.
De tanto insistir, recebeu a promessa de um crítico literário de prestígio de publicar em sua coluna, em um jornal de boa circulação na região, uma avaliação sobre a obra. E fez. Mas... desancou Aparecido, sem dó e nem piedade. Pura questão de preconceito, claro. Disse que Cidão era “parnasiano”, mas com conotação de deboche, e ressaltou que hoje não se escreve mais poesia dessa forma. Tolice dele, claro! Cada qual escreve como melhor lhe aprouver. E se o texto for de qualidade, nada importa em que escola possa ser enquadrado. Mas não é o que pensa o tal crítico esnobe.
Lá um belo dia, meu amigo jornalista cismou de apresentar o tal sujeito ao Aparecido. Antes não o fizesse. Foi péssima idéia! Eles cumprimentaram-se, com as formalidades de praxe, e o tal analista, a título de justificativa por ter falado mal do livro, sapecou, logo de cara, na bucha, ao atarantado poeta: “Você é um parnasiano!”.
Para que?!!! O Cidão ficou uma fera! Encarou o tal sujeito, foi ficando vermelho, tenso, cenho carregado e avançou na sua direção. Foram necessárias três pessoas para segurá-lo, para evitar que desse boas bolachadas no atrevido do crítico que, estrategicamente, se escafedeu. Saiu de fininho e correu como nem o jamaicano Usain Bolt correria pelas ruas estreitas e acanhadas da cidadezinha.
Encerrado o incidente, meu amigo questionou o poeta, via de regra bonachão, agora mais calmo, sobre sua atitude intempestiva e sem sentido. “Esse cara é muito folgado”, respondeu. “Nem me conhece e sai por aí escrevendo um montão de besteira sobre mim. Você ouviu o que ele disse? Disse que sou parnasiano! Nem conheço esse time! Deve ser um palmeirense despeitado. Todos aqui da cidade sabem que sou corintiano, desde pequenininho!”, completou Cidão, para pasmo do meu amigo, que jura que a história é rigorosamente verdadeira. Da minha parte, vendo o peixe da forma que o comprei.
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