Sunday, October 17, 2010




Exemplo de realismo diplomático

Pedro J. Bondaczuk

A Argélia, do período pós-Boummediene, é um país bem diferente daquele que se propunha a ser “o farol socialista da África”. Seu presidente atual, Chadli Bendjedid, empossado em 9 de fevereiro de 1979, resolveu, sabiamente, retirar-se com discrição da disputa estratégica entre Estados Unidos e União Soviética na África, mantendo uma prudente neutralidade, um não-alinhamento bem ao estilo de Tito, da Iugoslávia, ou do antigo premier indiano, Jawaharlal Nehru. Isto é, embora não favoreça nem a Washington, nem a Moscou e ajude aos dois ao mesmo tempo, procura manter o melhor relacionamento possível com ambos, obtendo vantagens dessas superpotências.
Os norte-americanos, mais do que os soviéticos, devem um enorme favor aos argelinos. Foi em razão da mediação serena, mas firme, do regime de Argel, que os reféns de “Tio Sam”, que permaneceram cativos por exatos 444 dias na antiga embaixada do seu país em Teerã, foram libertados pelos fundamentalistas iranianos.
O Irã de Khomeini, ao que parece, não reconheceu esse esforço diplomático, essa gentileza em o retirar dessa enorme enrascada em que se meteu, poucos meses após esse controvertido líder religioso ter deflagrado a sua revolução islâmica.
A julgar pelos incidentes protagonizados há dois anos por estudantes fundamentalistas argelinos (certamente inspirados na ”práxis” do velho aiatolá do Irã), esse favor foi pago com uma ação para desestabilizar o regime da Argélia, buscando transforma-lo na contrafação norte-africana caótica existente em território persa. Se intencional, porém, essa tentativa gorou.
Chadli Bendjedid contornou, com muita diplomacia, essas dificuldades e restabeleceu a ordem em seu país constituído de descendentes dos antigos berberes, povo nômade que no século X instituiu a dinastia dos Almorávidas e estabeleceu um vasto império, que ia do Marrocos até a Espanha, englobando o território onde hoje se localiza o Senegal. E isso sem recorrer a nenhum instrumento de exceção.
A Argélia deve, há muito, estar cansada de guerras. Afinal, foi um dos únicos países da África que precisou recorrer às armas para obter a sua independência da França, no período de 1954 a 1961.
Seu primeiro governante, após tornar-se independente, o chefe do gabinete no exílio, Bem Yussef Bem Kheda, não durou muito tempo no cargo, sendo deposto pelo radical Ahmed Bem Bella (que por sua vez experimentou a sua própria receita, sendo submetido a um longo confinamento, de 14 anos de duração, num presídio de Argel). Ou seja, os primeiros passos como nação não foram pacíficos, como os argelinos sonhavam que fossem.
País rico em petróleo, com quase 21 milhões de habitantes, a Argélia de hoje possui uma renda per capita anual superior à brasileira, de US$ 1.638 (contra os nossos US$ 1.627). Mas tem, por vizinho, a turbulenta Líbia, de origem, a exemplo da argelina, também berbere, o que equivale a dizer, gente de sangue quente. Contudo, o relacionamento com o irrequieto coronel Muammar Khadafy é dos melhores, por parte de Chadli Bendjedid, que consegue, dessa forma, também nesse caso, realizar um difícil malabarismo, o de se equilibrar entre sistemas, regimes e ideologias tão antagônicos, sem, todavia, ferir suscetibilidade de ninguém.
Isso até que é natural para quem conseguiu, com uma rara maestria, resolver a questão (que durante um ano e meio parecia insolúvel) dos reféns norte-americanos cativos na embaixada dos EUA em Teerã. Esse é um favor que certamente Washington jamais irá esquecer. Pelo menos, não deveria.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 17 de abril de 1985).

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