Thursday, October 14, 2010




Seleção envelhecida

Pedro J. Bondaczuk

O técnico da Seleção Brasileira Dunga, não há como negar, fez excelente trabalho de preparação para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Os resultados obtidos nos quase quatro anos que permaneceu à frente da equipe falam por si sós. O treinador tinha tudo, pois, para se consagrar e conseguir o tão sonhado hexa, que o tornaria o segundo brasileiro a conquistar um título tanto como jogador, quanto como o técnico (o primeiro, e até aqui único, é o Velho Lobo, ou seja, Mário Jorge Lobo Zagallo).
E o que deu errado? Dunga foi rígido demais em seus conceitos, principalmente nos que se referiam a comprometimento e orgulho de vestir a camisa amarelinha como representante do futebol mais vezes vencedor em todo o mundo. Transformou isso quase que num dogma, “proibido” de ser mudado. Convocou uma seleção que, vista no papel, antes da competição, parecia até aceitável (e em condições normais, de fato era, com uma ou outra restrição). Isso era verdadeiro pelo menos no que se referia ao time titular.
Estivessem os convocados no auge da forma física e técnica, como estiveram um ano antes da Copa, não tenho dúvidas de que o sucesso estaria garantido, ou quase (afinal, trata-se de um jogo). O Brasil não faria partidas ridículas, como as que fez contra a Coréia do Norte e Portugal, e superaria a Holanda com um pé nas costas, pois tinha, tem e sempre terá mais futebol do que ela. Disso não tenho dúvidas.
Ocorre que seus homens de confiança não estavam 100%. Alguns estavam “baleados”. Outros, como Elano, machucaram-se ao longo da competição. Kaká, por exemplo, apresentou-se contundido e, apesar dos desmentidos do médico da seleção, jogou o Mundial inteiro sentido fortes dores, em especial no joelho. Tanto que, 15 dias depois do término da competição, teve que ser submetido a uma cirurgia. Ainda assim, foi nosso atleta mais lúcido e regular. E não é segredo para ninguém a importância que ele sempre teve para o esquema de Dunga (e, ademais, teria, se em forma, para qualquer treinador do mundo).
Além do jogador do Real Madrid, outro que chegou visivelmente fora de forma foi justamente nosso homem-gol, aquele que garantiu resultados importantes e fundamentais para o Brasil quer na Copa América, quer nas eliminatórias, quer na Copa das Confederações: Luís Fabiano. O centroavante do Sevilha atuou poucos jogos pelo seu clube na temporada, por motivo de contusão. E mesmo que tenha chegado à Copa zerado em termos musculares, estava, nitidamente, sem ritmo.
Mas o erro maior de Dunga sequer foi o de depositar todas suas fichas em jogadores que não estavam no auge do condicionamento físico. Não foi o time-base que ele convocou errado, mesmo que se faça uma ou outra restrição a ele. Foram os reservas. Chamou para o Mundial jogadores comuns, muitos dos quais na reserva de seus próprios clubes (casos de Doni, Júlio Batista e principalmente de Kleberson), e deixou de fora os que vinham se destacando no começo do ano e se constituindo em sensações. As burradas mais escandalosas e gritantes do marrudo treinador gaúcho foram as de deixar de fora da convocação atletas como Neymar, Paulo Henrique Ganso e até Ronaldinho Gaúcho. Poderíamos citar outros, como Vítor, Marcelo, Alexandre Pato, Lucas, Anderson e vai por aí afora.
“É, mas eu não testei esses atletas”, justificou-se Dunga, na entrevista coletiva dada em 11 de maio de 2010, quando da convocação final para a Copa. E precisava tanto testar, pelo menos Ganso, Neymar e Ronaldinho? Ele não assiste televisão? Não ouve rádio? Não lê jornais? Não conversa com amigos sobre futebol?
Parece que não! Dunga mostrou-se desinformado – o que é grave para quem ocupa o cargo que ocupava – ao justificar porque não chamou Paulo Henrique Ganso. “Ele fracassou no Mundial sub-20”. Ao dizer isso, perdeu rara oportunidade de ficar calado.
O armador do Santos, uma das raras e melhores novidades surgidas no futebol brasileiro nos últimos vinte anos, foi titular, titularíssimo da jovem seleção que disputou aquela competição na Nigéria. Recorde-se que o Brasil, mesmo não sendo campeão, não perdeu para ninguém na oportunidade. Terminou como vice-campeão, perdendo o título somente na loteria dos pênaltis para Gana (seleção que, embora eu não possa provar, tenho a convicção que tinha um monte de “gatos”). E Ganso foi um dos destaques brasileiros.
Neymar, por seu turno, não se saiu bem na Seleção Brasileira Sub-17, é verdade. Mas nenhum jogador brasileiro se destacou no Mundial dessa categoria em que o Brasil foi eliminado ainda na segunda fase, se não me falha a memória. E o garoto do Santos, pelo qual o Chelsea ofereceu uma fortuna (e creio que os dirigentes do clube inglês entendem, nem que for apenas um pouquinho, de futebol e não são malucos a ponto de queimarem dinheiro), foi e continua sendo uma das grandes atrações do futebol brasileiro na atualidade.
Em vez de rejuvenescer a equipe, Dunga levou para a África do Sul uma seleção de veteranos, com a segunda maior média de idade de todas as 32 participantes. Ainda se fossem atletas rodados, mas que fizessem a diferença (como eram os casos de Pelé, Gerson e Jairzinho, em 1970), vá lá. Mas não era o caso. O treinador brasileiro pecou por falta de flexibilidade e de coerência, por não ter jogo de cintura.
Dos convocados, é verdade, apenas oito eram remanescentes de 2006: Júlio César, Lúcio, Juan, Luisão, Gilberto, Gilberto Silva, Kaká e Robinho. Mas dos quinze “novatos” em copas, a maioria era de jogadores rodados e que pouca coisa conquistaram em seus clubes e nada acrescentaram à seleção: Gomes, Doni (terceiro reserva no Roma), Maicon, Daniel Alves, Michel Bastos, Thiago Silva, Josué, Kleberson, Elano, Felipe Melo, Ramires, Júlio Batista (também reserva da Roma), Luís Fabiano, Nilmar e Grafite.
Embora duvide que Dunga venha algum dia a dar o braço a torcer, tenho convicção íntima de que ele, ao repassar tudo o que aconteceu nos últimos quase quatro anos, certamente se arrepende dessa convocação esdrúxula, maluca e incompetente, dessa decisão equivocada (na verdade desastrosa) que tomou, e justo na reta final daquela que poderia ter sido uma gloriosa conquista.
Deve ser complicado, num jogo como aquele, contra a Holanda, com o placar adverso, o tempo correndo e a eliminação se aproximando, olhar para o banco de suplentes e, em vez de Ganso, ver Júlio Batista; em vez de Neymar, ter que lançar mão de Kleberson ou em vez de Ronaldinho Gaúcho, precisar se contentar com Josué. Com a agravante de ter Felipe Melo expulso, Kaká à meia boca e Luís Fabiano absolutamente sem ritmo de jogo e inoperante. Eu, no lugar dele, ficaria maluco. Porque com aquelas opções ao seu dispor, não daria para virar nem em cima, digamos, da medíocre Coréia do Norte, caso esta estivesse nos vencendo, quanto mais sobre a Holanda. Ou vocês acham que daria?

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