Foi assim que nasceu
Pedro J. Bondaczuk
Estive matutando, esta manhã, sobre a oportunidade da crônica. Esse é o gênero por excelência para um escritor ocupado, mas que tenha compromisso de produzir, diariamente, um texto literário para algum jornal, site, blog ou seja lá que tipo de mídia for. Não requer pesquisa, consulta a arquivos, visita a bibliotecas, nada disso. Basta ser observador e estar sempre atento a tudo o que acontece ao redor, que o tema do dia surge, por si só, sem que seja necessário forçar a barra. Aliás, via de regra, aparecem vários.
Mesmo nos dias mais monótonos, desses parados e rotineiros, em que parece que o mundo parou e que não acontece nada em lugar algum, não falta assunto ao cronista. Às vezes, é o lixo acumulado nas calçadas das ruas que suscita considerações. Ou o mau atendimento recebido de caixas de bancos ou funcionários de repartição. Ou, então, algum gari pitoresco, que faça o seu trabalho simulando dança com vassoura. E vai por aí afora.
Isso que é o legal na crônica. É um tipo de criação literária dedicado ao comum, ao trivial, ao simples, ao aparentemente banal e, portanto, sem importância. Ocorre que tudo é importante para alguém.
Essa trivialidade, é fato, atua como desafio à criatividade do escritor. Uma das melhores crônicas que li de Rubem Braga (mestre dos mestres nesse ofício), foi sobre o florir das árvores de algumas ruas da Paulicéia Desvairada (ele que pouco escreveu sobre São Paulo, mas quando o fez, fez de forma inigualável) anunciando outra Primavera. Querem coisa mais trivial do que essa?
Todos os anos, óbvio, temos esta estação. E nela, as árvores que dão flores, florescem. Onde a novidade, pois? Ocorre que a crônica não se destina a trazer ao leitor nada de novo, a não ser a perícia do cronista em destrinchar acontecimentos e situações triviais, corriqueiros, banais até. E isso Rubem Braga fazia como ninguém. Ele e mais uma infinidade de escritores geniais da rica (e pouco valorizada) literatura brasileira.
E pensar que a crônica, como gênero, nasceu de meras fofocas! Não, não estou maluco, paciente leitor. E nem fui eu que saí com essa. Quem fez essa constatação foi ninguém menos do que Machado de Assis. Sim, foi ele mesmo, foi o nosso sublime Bruxo do Cosme Velho. E nele, creio, vocês acreditam (eu, pelo menos, acredito).
Machadão escreveu, a propósito, em sua coluna “Histórias de quinze dias”, publicada (quinzenalmente, já se vê, claro) em 1° de novembro de 1877 no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro: “Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil natural e possível do mundo”.
Viram? A crônica nasceu da mania de fofocar de vizinhas! Claro que ganhou roupagens soberbas, ao ser exercitada por talentosíssimos escritores, que lhe deram charme e, sobretudo, permanência. Ganhou, pois, status, inclusive de gênero literário (houve um tempo em que era meramente utilizada por editores de jornais para tapar buracos de páginas de edições, mas com criatividade e põe criatividade nisso!).
Como sou um sujeito ocupado (aqui sou forçado a usar o superlativo ocupadíssimo), mas tenho “n” compromissos diários com diversos veículos de comunicação, jogo conversa fora à beça em textos descontraídos, como convêm a amigos que trocam idéias sobre o tempo, a saúde, a bolsa, o bolso e outras tantas amenidades e asperezas que a vida nos impõe. E, na maioria dos casos, ainda sou remunerado por isso! Bendita crônica que, volta e meia, salva o meu pescoço e prestígio e, de quebra, engorda um pouquinho (na verdade, quase nada) a minha magérrima conta bancária!
Pedro J. Bondaczuk
Estive matutando, esta manhã, sobre a oportunidade da crônica. Esse é o gênero por excelência para um escritor ocupado, mas que tenha compromisso de produzir, diariamente, um texto literário para algum jornal, site, blog ou seja lá que tipo de mídia for. Não requer pesquisa, consulta a arquivos, visita a bibliotecas, nada disso. Basta ser observador e estar sempre atento a tudo o que acontece ao redor, que o tema do dia surge, por si só, sem que seja necessário forçar a barra. Aliás, via de regra, aparecem vários.
Mesmo nos dias mais monótonos, desses parados e rotineiros, em que parece que o mundo parou e que não acontece nada em lugar algum, não falta assunto ao cronista. Às vezes, é o lixo acumulado nas calçadas das ruas que suscita considerações. Ou o mau atendimento recebido de caixas de bancos ou funcionários de repartição. Ou, então, algum gari pitoresco, que faça o seu trabalho simulando dança com vassoura. E vai por aí afora.
Isso que é o legal na crônica. É um tipo de criação literária dedicado ao comum, ao trivial, ao simples, ao aparentemente banal e, portanto, sem importância. Ocorre que tudo é importante para alguém.
Essa trivialidade, é fato, atua como desafio à criatividade do escritor. Uma das melhores crônicas que li de Rubem Braga (mestre dos mestres nesse ofício), foi sobre o florir das árvores de algumas ruas da Paulicéia Desvairada (ele que pouco escreveu sobre São Paulo, mas quando o fez, fez de forma inigualável) anunciando outra Primavera. Querem coisa mais trivial do que essa?
Todos os anos, óbvio, temos esta estação. E nela, as árvores que dão flores, florescem. Onde a novidade, pois? Ocorre que a crônica não se destina a trazer ao leitor nada de novo, a não ser a perícia do cronista em destrinchar acontecimentos e situações triviais, corriqueiros, banais até. E isso Rubem Braga fazia como ninguém. Ele e mais uma infinidade de escritores geniais da rica (e pouco valorizada) literatura brasileira.
E pensar que a crônica, como gênero, nasceu de meras fofocas! Não, não estou maluco, paciente leitor. E nem fui eu que saí com essa. Quem fez essa constatação foi ninguém menos do que Machado de Assis. Sim, foi ele mesmo, foi o nosso sublime Bruxo do Cosme Velho. E nele, creio, vocês acreditam (eu, pelo menos, acredito).
Machadão escreveu, a propósito, em sua coluna “Histórias de quinze dias”, publicada (quinzenalmente, já se vê, claro) em 1° de novembro de 1877 no jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro: “Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil natural e possível do mundo”.
Viram? A crônica nasceu da mania de fofocar de vizinhas! Claro que ganhou roupagens soberbas, ao ser exercitada por talentosíssimos escritores, que lhe deram charme e, sobretudo, permanência. Ganhou, pois, status, inclusive de gênero literário (houve um tempo em que era meramente utilizada por editores de jornais para tapar buracos de páginas de edições, mas com criatividade e põe criatividade nisso!).
Como sou um sujeito ocupado (aqui sou forçado a usar o superlativo ocupadíssimo), mas tenho “n” compromissos diários com diversos veículos de comunicação, jogo conversa fora à beça em textos descontraídos, como convêm a amigos que trocam idéias sobre o tempo, a saúde, a bolsa, o bolso e outras tantas amenidades e asperezas que a vida nos impõe. E, na maioria dos casos, ainda sou remunerado por isso! Bendita crônica que, volta e meia, salva o meu pescoço e prestígio e, de quebra, engorda um pouquinho (na verdade, quase nada) a minha magérrima conta bancária!
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