Monday, October 04, 2010




A família Scolari

Pedro J. Bondaczuk



Muitos chefes, sobretudo os mais experientes e competentes, com vários anos de janela, sabem, de sobejo, que as dificuldades tanto podem desagregar um grupo por mais unido que pareça, levando seus integrantes a se acusarem mutuamente pelos problemas enfrentados, quanto uni-lo e levá-lo à superação de todos os obstáculos e à obtenção do sucesso em sua respectiva atividade. Foi o que aconteceu com a Seleção Brasileira que representou o nosso futebol da Copa do Mundo de 2002, disputada na Ásia.
As eliminatórias sul-americanas haviam sido terríveis para o Brasil. Nossa equipe só garantiu classificação em seu derradeiro jogo que, por sorte, foi contra a fraca Venezuela. Agora, oito anos após esse Mundial, analisando, friamente, a relação dos 23 jogadores que participaram dessa campanha, nos admiramos (pelo menos eu me admiro), mesmo que apenas intimamente, de como as coisas deram certo. Muitos dos integrantes daquele grupo ocuparam o lugar que, em condições normais, seriam de outros, melhores do que eles tecnicamente. Mas futebol é momento (coisa que o Dunga não soube levar em conta em 2010). E os convocados de então foram os que mantinham melhores performances em seus respectivos clubes na ocasião.
Luís Felipe Scolari teve o grande mérito de perceber isso. Não se deixou influenciar pelos lobies, pela imprensa e nem pelos palpiteiros de plantão. O treinador gaúcho, que havia surpreendido o País quando ainda treinava o modesto Criciuma de Santa Catarina, time que levou à disputa de uma Libertadores da América, após conquistar a Copa do Brasil (e que teve trajetória vitoriosa no Grêmio e no Palmeiras), era e é, sobretudo, emérito motivador.
Sabe extrair, de cada comandado, seu melhor, incutindo-lhe confiança. Isso é um dom. Felipão, convenhamos, não é grande estrategista. Há, por aí, dezenas de treinadores melhores do que ele nesse aspecto. Mas sabe conquistar e conservar a confiança e a lealdade de seus comandados, fator, aliás, que caracteriza os verdadeiros líderes. Tem personalidade. Sabe se impor, sem ser ditatorial. E foi o que fez.
Criou, em “sua” seleção, um ambiente familiar, de cooperação e confiança mútuos. Não por acaso, o grupo que constituiu e comandou ficou conhecido como “A Família Scolari”. Foi isso o que, de fato, foi. Esse, no meu entender, foi o principal e decisivo fator do seu sucesso.
Luís Felipe, ou “Felipão” como sempre foi chamado carinhosamente, contou também com uma equipe bastante homogênea, como o coordenador técnico Antonio Lopes, experientíssimo e bem-sucedido em diversos clubes país afora; como sua “alma gêmea”, seu braço direito, Flávio Murtosa; como o preparador físico Paulo Paixão; como o fisioterapeuta Luís Rosan ou como o treinador de goleiros Carlos Pracidelli. Equipe. Seu trabalho sempre foi de equipe.
A convocação dos 23 jogadores que iriam para a Copa de 2002 foi cercada de polêmicas, críticas, contestações e pressões, tremendas pressões. “Todas são assim”, dirá, certamente, o leitor. Daquela vez, todavia, houve exagero nesse aspecto.
Havia, por exemplo, quase que unanimidade nacional em torno da convocação de Romário. Felipão, porém, teve peito de remar contra a maré. Não convocou o Baixinho, deixando-o de fora. Outra controvérsia envolvia o atacante Ronaldo. Um número considerável de pessoas achava uma temeridade levá-lo para a Copa, por causa da sua sucessão de lesões, principalmente a que teve em um dos joelhos, que quase o alijou prematuramente do futebol. Não havia certeza se ele estava plenamente recuperado. Ademais, muitos desconfiavam dele por causa do que havia acontecido, quatro anos antes, na França, justo no dia da decisão do título, que a rigor, até hoje, não está totalmente esclarecido.
Felipão nem deu bola para todo esse diz-que-diz-que. Convocou quem achava que deveria convocar e estava disposto a apostar no seu taco, para ver no que iria dar. Quem disser que confiava que o Brasil conquistaria o penta com aquele grupo, provavelmente estará mentindo. Havia um que de desalento no ar. As fichas vinham sendo todas apostadas, basicamente, em duas seleções: Argentina e França. E ambas, no final das contas, foram monumentais fiascos.
Felipão convocou os seguintes atletas para a Copa de 2002:
Goleiros: Marcos, Dida e Rogério Ceni.
Laterais: Cafu, Belletti, Roberto Carlos e Junior.
Zagueiros: Anderson Polga, Lúcio, Roque Junior e Edmilson.
Volantes: Emerson (cortado), Ricardinho, Gilberto Silva, Kleberson e Edmilson.
Meias: Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Juninho Paulista.
Atacantes: Luisão, Ronaldo, Denilson e Edilson.
Felipão confiou nesses jogadores. Para o que pretendia, eles eram os melhores, pelo menos na sua cabeça. Havia outros com maior talento e mais qualidades técnicas? Entendo que sim. Pelo menos, em várias das posições, mesmo que não em todas.
Mas o ousado treinador decidiu apostar nesse grupo, e em nenhum outro. Se desse errado, não seria a primeira vez que isso aconteceria. Se desse certo... Passou confiança aos seus escolhidos. Mas só isso não bastava. Por isso, treinou-os exaustivamente. Entrosou-os. Uniu-os. E, mais uma vez, surpreendeu o País e o mundo (como já havia feito à frente do Criciuma). Conquistou um título que raríssimos acreditavam que seria possível, com uma campanha irrepreensível, invicta, de aproveitamento de 100%, ou seja, de sete vitórias em sete jogos.

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