Tuesday, February 17, 2009

Sob o peso da beleza


Pedro J. Bondaczuk

A poesia, para mim, é sinônimo perfeito de beleza, transcendência, grandeza e sublimidade. Espanta-me, portanto, e, acima de tudo, me inquieta quando leio poemas que, praticamente, exaltam a maldade, a violência, a traição, a morte, a podridão e tudo o quanto o homem e, principalmente, o mundo têm de feio, dramático, perverso e ruim. E nem podem me chamar de alienado por ter essa aversão, face à profissão que exerço: jornalista.
Creio que o poeta que recorre a esses temas o faz como uma espécie de vingança, de represália ou, quem sabe, de auto-agressão (o que é mais verossímil). Trata-se de confissão tácita da sua inabilidade, da sua frustração, da sua impotência para descrever a excelência do lado belo, nobre e desejável da vida, tão magnífico este é. Além do que, o instrumento de que dispõe – a palavra – é muito pobre, indigente, paupérrimo para expressar determinados sentimentos, notadamente o de deslumbramento que a beleza causa nas mentes sensíveis.
Pesquisei, recentemente, três antologias poéticas, uma das quais de autores internacionais, em busca de poemas de exaltação ao amor, à amizade, à ternura e a tudo o que entendo que deva ser objeto da atuação do poeta. Para minha surpresa, todavia, apurei que em torno de 80% dos textos consultados tratavam da morte. Deus que me livre!!
Sou amante apaixonado (e inveterado) da vida. Quanto à cruel e sorrateira niveladora dos homens, prefiro nunca pensar nela. Quando chegar meu momento de ter esse encontro fatal (e certamente chegará, eu sei) que ele aconteça naturalmente, sem dramas e nem ansiedades.
Não vejo a mínima beleza na extinção de qualquer ser vivo. Pelo contrário... Não quero, portanto, focalizar a morte em meus versos. E, por conseqüência, detesto ler a respeito. Que os poetas deixem esse assunto para quem é perito no seu trato: jornalistas, médicos, biólogos, legistas, dramaturgos, romancistas, contistas, novelistas etc.etc.etc.
Outra pesquisa mostrou-me as conseqüências que as pessoas hiper-sensíveis sofrem, literalmente esmagadas sob o peso da beleza, que encontram a toda hora e em todo o lugar e que se sentem impotentes para descrever da forma exata que a enxergam. Esta eu fiz objetivando escrever um novo livro (que se vier a ser escrito, terá o título de “Eros & Thanatos”), em que pretendo abordar a vida de alguns escritores que cometeram suicídio, tentando entender a razão que os levou a tão tresloucado ato.
Para a minha surpresa, a maioria dessa lista pesquisada é composta por poetas, como Antero de Quental, Florbela Espanca, Ingeborg Bachmann, Mário Sá Carneiro, Serguei Iessienin, Sylvia Plath, Torquato Neto e Vladimir Maiakowski, entre tantos outros. Estes levaram sua hiper-sensibilidade ao extremo. Produziram versos belíssimos de amor e de deslumbramento com a vida que, no entanto, não os satisfizeram. Não resistiram à frustração e foram, literalmente, esmagados “sob o peso da beleza”.
Há poesia por toda a parte, até nos lugares mais lúgubres e horríveis, como favelas, bordéis, presídios etc.etc.etc. à espera de quem a colha e transmita com a maior fidelidade. Há casos, até, em que ela prescinde de palavras, nos exigindo, apenas, atenção e sensibilidade. Creio que a maioria (se não a totalidade) prescinde.
Você quer quadro mais poético e belo do que o do casal de velhinhos que mora em minha rua, que soube envelhecer com dignidade e serenidade, multiplicando afetos à medida que os anos passavam, manifestando, sem cessar, comovente desvelo mútuo?!
Há, por acaso, poema mais belo e vivo do que a menininha de quatro anos, que contemplo da minha janela brincando na rua, com os cabelos esvoaçando ao vento, cabecinha cheia de sonhos, um brilho inusitado no olhar, em sua inocência primaveril?! Se houver, desconheço. Este é o desafio para o poeta: reproduzir, em palavras (a despeito da precariedade delas) tamanha beleza, da maneira mais fiel, sensível e empática.
A morte? A traição? O abandono? O ciúme? A maldade? A miséria? A violência? Sai dessa, amigão! Deixe esses temas para os noticiários jornalísticos que, várias vezes ao dia, lançam, bem no meio da nossa sala de jantar, toda essa podridão que há, mundo afora. Sua missão é diferente. É mais nobre. É mais sublime. É um pacto com o belo, mesmo sob o risco de vir a ser, literalmente, esmagado “sob o peso da beleza”.

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