Índia ameaçada
Pedro J. Bondaczuk
A morte da primeira-ministra indiana, Indira Gandhi, traz um sério risco de “implosão” na heterogênea federação de Estados que é a Índia. Caso o povo daquele país tivesse condições de resolver seus problemas estruturais sem interferência alheia, tudo seria muito mais fácil. Mas, certamente, não conseguirá essa façanha, em virtude dos interesses de diversas espécies que a China, os EUA e a União Soviética têm na área.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, norte-americanos e soviéticos praticamente transformaram o mundo num tabuleiro de xadrez estratégico, onde cada peça tem a sua devida importância. Quando Jawaharlal Nehru, pai de Indira e premier do país na época, assustado com o expansionismo chinês, a partir do início da década de 50, buscou uma aliança disfarçada com Moscou, imediatamente Washington passou a apoiar o Paquistão.
Esse país foi desmembrado da antiga colônia britânica da Índia, após imensa luta armada, com um número incalculável (cujas cifras jamais foram reveladas no Ocidente) de mortos e mutilados, principalmente no período de 1946 a meados de 1948.
Em 1951, os chineses invadiram o reino teocrático do Tibete, governado pelo líder supremo do lamanismo, o Dalai Lama, impondo àquele milenar povo do “teto do mundo” a sua recém adquirida ideologia marxista. A Índia, quase que de imediato, deu acolhida (e até ajuda material) aos guerrilheiros tibetanos, contrários, é claro, à ocupação chinesa da sua pátria.
Em represália, Pequim estimulou os anseios separatistas da população de Cachemira, Estado há décadas disputado por indianos e paquistaneses.
Mas o fator que levou o primeiro-ministro Jawaharlal Nehru a buscar a proteção soviética foi a inexplicável (e impune) agressão da China contra a Índia, ocorrida em 20 de outubro de 1962, quando suas tropas, inclusive, chegaram a invadir parte do território indiano e só de lá se afastaram após duas ameaças partidas de Moscou.
Morta Indira, que nos seus quinze anos de governo foi uma autêntica equilibrista, conseguindo manter o país a salvo de interferências maiores, quer de Moscou quer de Washington, além de estabelecer um relativo estado de coexistência com Pequim, o regime de Nova Delhi cai subitamente nas mãos de um jovem de 40 anos, sem grande experiência política (e que, até mesmo, tem aversão a ela) e nenhuma administrativa.
E isso num momento em que, pelo menos em quatro Estados, movimentos separatistas conquistam terreno, ou seja, no Punjab, em Tripura, em Cachemira e em Uttar Pradesh, por sinal o mais populoso dessa tão populosa sociedade nacional.
Os indianos, por esse motivo, podem esperar dias de muita tensão e uma infinidade de distúrbios nos próximos tempos. Não faltarão, certamente, oportunistas querendo explorar o estado de confusão gerado pelo desaparecimento de uma grande líder. Contestada, é verdade, em muitas das suas atitudes, algumas até excessivamente arbitrárias. Vista por certas correntes como corrupta (teve contra si dois processos dessa natureza) e demagoga (sabia controlar seu povo com atitudes populistas e discursos inflamados).
Mas a sua ausência, a falta de seu pulso forte nesse momento de tantas dificuldades para a Índia, pode ser simplesmente trágica para uma federação com menos de quatro décadas de independência, mas com mais de dez milênios de acúmulo de problemas sociais, econômicos e militares.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 2 de novembro de 1984).
Pedro J. Bondaczuk
A morte da primeira-ministra indiana, Indira Gandhi, traz um sério risco de “implosão” na heterogênea federação de Estados que é a Índia. Caso o povo daquele país tivesse condições de resolver seus problemas estruturais sem interferência alheia, tudo seria muito mais fácil. Mas, certamente, não conseguirá essa façanha, em virtude dos interesses de diversas espécies que a China, os EUA e a União Soviética têm na área.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, norte-americanos e soviéticos praticamente transformaram o mundo num tabuleiro de xadrez estratégico, onde cada peça tem a sua devida importância. Quando Jawaharlal Nehru, pai de Indira e premier do país na época, assustado com o expansionismo chinês, a partir do início da década de 50, buscou uma aliança disfarçada com Moscou, imediatamente Washington passou a apoiar o Paquistão.
Esse país foi desmembrado da antiga colônia britânica da Índia, após imensa luta armada, com um número incalculável (cujas cifras jamais foram reveladas no Ocidente) de mortos e mutilados, principalmente no período de 1946 a meados de 1948.
Em 1951, os chineses invadiram o reino teocrático do Tibete, governado pelo líder supremo do lamanismo, o Dalai Lama, impondo àquele milenar povo do “teto do mundo” a sua recém adquirida ideologia marxista. A Índia, quase que de imediato, deu acolhida (e até ajuda material) aos guerrilheiros tibetanos, contrários, é claro, à ocupação chinesa da sua pátria.
Em represália, Pequim estimulou os anseios separatistas da população de Cachemira, Estado há décadas disputado por indianos e paquistaneses.
Mas o fator que levou o primeiro-ministro Jawaharlal Nehru a buscar a proteção soviética foi a inexplicável (e impune) agressão da China contra a Índia, ocorrida em 20 de outubro de 1962, quando suas tropas, inclusive, chegaram a invadir parte do território indiano e só de lá se afastaram após duas ameaças partidas de Moscou.
Morta Indira, que nos seus quinze anos de governo foi uma autêntica equilibrista, conseguindo manter o país a salvo de interferências maiores, quer de Moscou quer de Washington, além de estabelecer um relativo estado de coexistência com Pequim, o regime de Nova Delhi cai subitamente nas mãos de um jovem de 40 anos, sem grande experiência política (e que, até mesmo, tem aversão a ela) e nenhuma administrativa.
E isso num momento em que, pelo menos em quatro Estados, movimentos separatistas conquistam terreno, ou seja, no Punjab, em Tripura, em Cachemira e em Uttar Pradesh, por sinal o mais populoso dessa tão populosa sociedade nacional.
Os indianos, por esse motivo, podem esperar dias de muita tensão e uma infinidade de distúrbios nos próximos tempos. Não faltarão, certamente, oportunistas querendo explorar o estado de confusão gerado pelo desaparecimento de uma grande líder. Contestada, é verdade, em muitas das suas atitudes, algumas até excessivamente arbitrárias. Vista por certas correntes como corrupta (teve contra si dois processos dessa natureza) e demagoga (sabia controlar seu povo com atitudes populistas e discursos inflamados).
Mas a sua ausência, a falta de seu pulso forte nesse momento de tantas dificuldades para a Índia, pode ser simplesmente trágica para uma federação com menos de quatro décadas de independência, mas com mais de dez milênios de acúmulo de problemas sociais, econômicos e militares.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 2 de novembro de 1984).
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