Sunday, February 01, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Não se consegue matar idéias


Pedro J. Bondaczuk


O povo húngaro fez girar, ontem, a roda da história, retornando, através da memória, em 31 anos, para fazer uma reparação a um homem idealista, a um patriota, que foi preso, humilhado, julgado sumariamente sem chances de defesa e executado como se fosse um bandido. Depois, seus restos mortais foram sepultados como se fossem os de um indigente, sem pompa, sem cerimônia ou homenagens.

Os que agiram dessa forma o fizeram por oportunismo e subserviência. Para ganhar e conservar as simpatias de seus tutores, os “sátrapas” de Moscou. Ontem, finalmente, passadas mais de três décadas, a verdade sobre o ex-primeiro-ministro Imre Nagy veio inteira à tona. E seu povo reverenciou-o devidamente, com emoção e com lágrimas, recuperando, com a cerimônia, um pouco da dignidade nacional, perdida sob as pesadas lagartas dos tanques soviéticos.

Nesta semana, ao discursar numa cerimônia em Londres, referindo-se aos recentes acontecimentos na China, o ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan, disse uma grande verdade. A de que “ninguém pode matar uma idéia”.

É possível tentar sufoca-la. Consegue-se, inclusive, decepar a cabeça de onde ela nasceu. Mas se essa centelha for criadora e construtiva, se for algo positivo, ela irá contaminar dezenas, centenas, milhares, milhões de outros cérebros. Quiçá todos os existentes no mundo. E vai sobreviver. E se multiplicar. E vir teimosamente à tona. E acabar por prevalecer.

Isto, certamente, não passou pela mente dos fanáticos (ou pusilânimes?) que, para agradar os senhores de Moscou, deram fim à vida de Nagy, achando que com isso estavam sepultando também o ideal que ele acalentou e buscou passar para o seu povo.

O tempo passou. Seus restos mortais misturaram-se à terra generosa de sua pátria, que ele sonhava ver livre. Outras invasões, como a feita na Hungria, ocorreram em outras plagas, sepultando o sonho de liberdade de tantas outras pessoas.

Na Checoslováquia, por exemplo. Na Polônia, mais uma vez, já que esse país foi agredido inúmeras vezes em sua longa história, em algumas oportunidades de maneira tão contundente que parecia que jamais voltaria a ter uma identidade nacional e sempre teimou em ressurgir das cinzas. É isto que os húngaros, nestes tempos extraordinários de “glasnost” e “Perestroika” estão buscando fazer.

O escrito Jack London escreveu em certa ocasião: “Prefiro ser cinza a ser pó. Prefiro que minha centelha se consuma em um clarão a ser sufocado na podridão”. Foi assim que a de Nagy se consumiu. Mas ela estava repleta de convicção suficiente para se reproduzir e renascer no coração e nos cérebros do seu povo.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 17 de junho de 1989).

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