Mídia busca ir além da notícia
Pedro J. Bondaczuk
"A União Soviética está caindo aos pedaços", foi a manchete de ontem do jornal italiano "Il Messagero". O "Le Monde", de Paris, seguiu por uma trilha parecida. Estampou na sua primeira página: "A União Soviética está se esfacelando". Vários outros jornais enveredaram por idêntico caminho. Ou seja, os editores extrapolaram de sua função, que é a de noticiar, e não emitir juízo sobre as notícias – esse papel cabe ao editorialista – passando a impressão para o leitor de que a informação dada é tendenciosa.
É possível, e até provável, que a antiga superpotência marxista esteja, de fato, se decompondo. Mas qual a certeza da irredutibilidade disso? Manchetes desse tipo não passam, dada a incerteza, de um exercício de futurologia. Há muitos fatores envolvidos em qualquer acontecimento.
A crise soviética é ainda um fato inconcluso e o seu desenrolar pode tomar rumos inesperados, diferentes dos previstos. A informação, passada dessa forma, tende a fazer cabeças e a transformar muitas vezes a realidade.
O escritor Umberto Eco classifica esse estilo contemporâneo de fazer jornalismo de "sistema de celebridades". Os meios de comunicação não se limitam mais a simplesmente reportar o que acontece, mas proposital ou acidentalmente, deliberada ou fortuitamente, acabam ou sendo notícia ou a induzindo a acontecer.
O romancista italiano cita um caso em que isto ocorreu: "A contestação estudantil de 1968 foi influenciada pela intervenção da mídia, que favorece a sua reprodução quase instantânea em países diferentes com padrões similares. Mas se no tocante a 1968 se pode falar de um fenômeno que explodiria de qualquer maneira por uma necessidade histórica, diferentes são as reflexões a fazer pelas muitas reproduções de 1968 em menor escala. Freqüentemente elas brotaram porque grupos estudantis tendiam a copiar a imagem do estudante criada pela mídia".
A imprensa, muitas vezes de forma até involuntária, é criadora por excelência de estereótipos. Com o passar do tempo, de tanto o modelo estereotipado ser imitado, finda por se tornar concreto. Da mesma forma que os órgãos de comunicação podem ser utilizados para opor resistência a tiranos e tiranias – o Leste europeu criou seus órgãos "underground", mimeografados, para expor a verdade ao povo, alguns dos quais com circulação até maior do que os oficiais – se prestam a perpetuar ditaduras.
Não é por acaso que quando se dá um golpe de Estado, os primeiros pontos a serem tomados pelos golpistas são as emissoras de rádio e televisão e as redações de jornais.
O mesmo meio com o qual se pode despertar a consciência das pessoas, se mal empregado, tende a alienar os cidadãos. A televisão, pela sua instantaneidade, é um veículo virtualmente imbatível em termos de ser o primeiro a dar a notícia. Em 17 de janeiro passado, por exemplo, a humanidade teve a oportunidade de, pela primeira vez na história, assistir ao início de uma guerra sem dela participar, como o aterrorizante bombardeio a Bagdá. Esse poder fantástico implica também uma responsabilidade imensa, que quase nunca fica clara a quem compete o assunto.
O jornalista francês François Henri de Virieu, num ensaio publicado pelo "Caderno de Sábado", do "Jornal da Tarde", constatou: "...O sistema midiático, isto é, a televisão e todas as redes por cabo, fibras ópticas, feixes hertzianos ou satélites que fazem circular a informação, pesa cada vez mais em nossa vida política e social. Ninguém comanda verdadeiramente este conjunto. Não há mais cidadão Kane, pois as responsabilidades estão muito diluídas. Mas todas as nossas instituições são afetadas por ela". E como são...
Hoje em dia, mais notadamente nos Estados Unidos, um político não ganha eleições pela mensagem que transmite, pelo programa de governo que propõe, mas pela imagem que transmite em suas aparições na TV. Isto ocorreu, por exemplo, com John Kennedy em relação a Richard Nixon. E repetiu-se com Ronald Reagan em seu confronto com Jimmy Carter, no último debate televisionado entre ambos.
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 28 de agosto de 1991).
Pedro J. Bondaczuk
"A União Soviética está caindo aos pedaços", foi a manchete de ontem do jornal italiano "Il Messagero". O "Le Monde", de Paris, seguiu por uma trilha parecida. Estampou na sua primeira página: "A União Soviética está se esfacelando". Vários outros jornais enveredaram por idêntico caminho. Ou seja, os editores extrapolaram de sua função, que é a de noticiar, e não emitir juízo sobre as notícias – esse papel cabe ao editorialista – passando a impressão para o leitor de que a informação dada é tendenciosa.
É possível, e até provável, que a antiga superpotência marxista esteja, de fato, se decompondo. Mas qual a certeza da irredutibilidade disso? Manchetes desse tipo não passam, dada a incerteza, de um exercício de futurologia. Há muitos fatores envolvidos em qualquer acontecimento.
A crise soviética é ainda um fato inconcluso e o seu desenrolar pode tomar rumos inesperados, diferentes dos previstos. A informação, passada dessa forma, tende a fazer cabeças e a transformar muitas vezes a realidade.
O escritor Umberto Eco classifica esse estilo contemporâneo de fazer jornalismo de "sistema de celebridades". Os meios de comunicação não se limitam mais a simplesmente reportar o que acontece, mas proposital ou acidentalmente, deliberada ou fortuitamente, acabam ou sendo notícia ou a induzindo a acontecer.
O romancista italiano cita um caso em que isto ocorreu: "A contestação estudantil de 1968 foi influenciada pela intervenção da mídia, que favorece a sua reprodução quase instantânea em países diferentes com padrões similares. Mas se no tocante a 1968 se pode falar de um fenômeno que explodiria de qualquer maneira por uma necessidade histórica, diferentes são as reflexões a fazer pelas muitas reproduções de 1968 em menor escala. Freqüentemente elas brotaram porque grupos estudantis tendiam a copiar a imagem do estudante criada pela mídia".
A imprensa, muitas vezes de forma até involuntária, é criadora por excelência de estereótipos. Com o passar do tempo, de tanto o modelo estereotipado ser imitado, finda por se tornar concreto. Da mesma forma que os órgãos de comunicação podem ser utilizados para opor resistência a tiranos e tiranias – o Leste europeu criou seus órgãos "underground", mimeografados, para expor a verdade ao povo, alguns dos quais com circulação até maior do que os oficiais – se prestam a perpetuar ditaduras.
Não é por acaso que quando se dá um golpe de Estado, os primeiros pontos a serem tomados pelos golpistas são as emissoras de rádio e televisão e as redações de jornais.
O mesmo meio com o qual se pode despertar a consciência das pessoas, se mal empregado, tende a alienar os cidadãos. A televisão, pela sua instantaneidade, é um veículo virtualmente imbatível em termos de ser o primeiro a dar a notícia. Em 17 de janeiro passado, por exemplo, a humanidade teve a oportunidade de, pela primeira vez na história, assistir ao início de uma guerra sem dela participar, como o aterrorizante bombardeio a Bagdá. Esse poder fantástico implica também uma responsabilidade imensa, que quase nunca fica clara a quem compete o assunto.
O jornalista francês François Henri de Virieu, num ensaio publicado pelo "Caderno de Sábado", do "Jornal da Tarde", constatou: "...O sistema midiático, isto é, a televisão e todas as redes por cabo, fibras ópticas, feixes hertzianos ou satélites que fazem circular a informação, pesa cada vez mais em nossa vida política e social. Ninguém comanda verdadeiramente este conjunto. Não há mais cidadão Kane, pois as responsabilidades estão muito diluídas. Mas todas as nossas instituições são afetadas por ela". E como são...
Hoje em dia, mais notadamente nos Estados Unidos, um político não ganha eleições pela mensagem que transmite, pelo programa de governo que propõe, mas pela imagem que transmite em suas aparições na TV. Isto ocorreu, por exemplo, com John Kennedy em relação a Richard Nixon. E repetiu-se com Ronald Reagan em seu confronto com Jimmy Carter, no último debate televisionado entre ambos.
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 28 de agosto de 1991).
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