Sunday, February 08, 2009

DIRETO DO ARQUIVO


Contradições capitalistas


Pedro J. Bondaczuk


O fracasso do comunismo, pelo menos na forma como foi colocado em prática na União Soviética e Leste europeu, e como vem sendo exercido na China, em Cuba, no Vietnã e Coréia do Norte, alguns de seus derradeiros redutos; e as gritantes distorções do capitalismo, como a manipulação dos consumidores, a existência de cartéis, monopólios e oligopólios e sua inaptidão para o atendimento de necessidades sociais mínimas, remetem o homem ao ponto zero na sua busca por um sistema ideal de Estado.

Os que foram testados até aqui se revelaram inadequados, com conseqüências dramáticas para milhões de pessoas. Foram os responsáveis pela perversa divisão entre grupos mínimos, que compõem minúsculas ilhas de prosperidade, e vastíssimos continentes de miséria. Causaram tensões que redundaram por excelência das explosões demográficas e desembocaram nas guerras.

Por isso, não se deve encarar como mera brincadeira a afirmação do escritor John Le Carré, conhecidíssimo por seus livros sobre espionagem, best-sellers mundiais, quando concluiu, recentemente, numa entrevista: "Agora que derrotamos o comunismo, vamos ter que nos voltar para a derrota do capitalismo".

É evidente que o sistema que aí está é aberrativo e, caso não venha a se reciclar, tende a provocar convulsões sociais potencialmente incontroláveis. Cabe, mais uma vez, rediscutir a essência do conceito de Estado para redimensionar seu papel.

Parece que as noções básicas a esse respeito se perderam no tempo. Foram ofuscadas pelas distorções e contradições dos que assumiram o papel de estadistas, mas sem muito talento para isso. Convém refletir sobre sua definição e uma das melhores é a do filósofo Thomas Hobbes: "Estado é uma multidão de homens unidos como uma pessoa por um poder comum, para a paz, defesa e vantagens comuns dos mesmos".

Ou seja, conceitualmente, não se trata de um senhor, mas de servo de uma vontade consensual. Existe para servir, nunca para ser servido. Qual o Estado contemporâneo, todavia, que cumpre esse objetivo?

O tema é extremamente vasto e merece verdadeiros tratados, não somente um artigo. O que fica claro, todavia, é que, conforme constatação do filósofo grego, naturalizado francês, Cornelius Castoriadis, um dos mais ácidos críticos do comunismo, "o capitalismo não resolveu os problemas mais básicos da humanidade".

É possível, até, que os tenha complicado, colocado num beco sem saída. Teoricamente, o sistema é regido pelo mercado livre e por sua lei natural de oferta e procura. O "Anuário Demográfico" das Nações Unidas, em sua edição de 1989, constatou que um terço da população mundial atual é constituído por jovens de até 15 anos. Portanto, há uma necessidade premente de se arranjar ocupação para vários milhões desses indivíduos que anualmente atingem a idade de trabalhar.

Há um desequilíbrio nesse mercado, com mais oferta de mão de obra do que procura; do que a capacidade de absorção dela. Claro que, nestas circunstâncias, os salários baixam. Como eles constituem a renda da maior parte da humanidade, o poder aquisitivo despenca, reduzindo o consumo. Em conseqüência, para que os preços não se aviltem, a produção é igualmente diminuída. Com isso, o que cresce é apenas a miséria e a concentração de riquezas em poucas mãos e nada mais.

Esta é apenas uma das tantas distorções do sistema que se quer vitorioso. Castoriadis propõe, em seu lugar, uma sociedade autônoma e soberana, que determine tanto o nível de consumo, quanto o de produção. Em entrevista recente que concedeu ao jornal "Folha de S. Paulo", destacou: "O mercado capitalista não é nem transparente, nem racional. Uma sociedade autônoma e soberana exige um mercado e uma moeda que não assumam a função de instrumentos de acumulação como ocorre hoje. O mercado, no entanto, também tem seus limites. Os gastos públicos e os investimentos do Estado não podem ser determinados pelo mercado, ao contrário do que prega a mistificação neoliberal dos 'Chicago Boys'".

(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 13 de setembro de 1991).

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