Wednesday, November 17, 2010




Vantagens do escritor

Pedro J. Bondaczuk

O escritor leva nítida vantagem sobre o jornalista, se (e quando) ambos exploram o mesmo fato. É verdade que uma mesma pessoa pode exercer as duas funções, posto que não simultaneamente. Contudo, se o fizer, terá que respeitar as características e peculiaridades de cada uma. E, claro, o veículo em que expõe seu trabalho.
O jornalista tem, hoje, ao seu dispor, todo um sofisticado aparato tecnológico, que lhe facilita, sobremaneira, o trabalho. Divulga o que faz em jornais, revistas, rádio, televisão e agora, na internet.
No quesito atualidade (que, em alguns casos, beira a instantaneidade), pontos, portanto, para ele. Mas, se ganha em velocidade de informação, perde, e feio, no que diz respeito à durabilidade da notícia. Por melhor que seja uma reportagem, ela “envelhece” no dia seguinte (não raro, até, horas depois de veiculada), sucedida por novos acontecimentos.
O escritor, todavia, cujo veículo, o livro, lhe garante, pelo menos potencialmente, certa permanência, não corre esse risco. Se o fato for interessante, a ponto de merecer abordagem mais ampla (um volume inteiro, no caso, ou mais, se necessário), o que o escritor escreveu pode sobreviver não somente ao dia seguinte do acontecimento abordado, mas por décadas, séculos, milênios ou, sabe-se lá quanto.
As linguagens de ambos são muito diferentes. Do jornalista são requeridos objetividade, isenção, rigor, veracidade e sobriedade. Tem que se ater exclusivamente aos fatos (no caso de uma reportagem), sem o direito de emitir opiniões e nem de fazer juízo de valor. Deve reportar o acontecimento rigorosamente como ocorreu, seguindo padrões narrativos pré-estabelecidos de redação. A matéria tem que ter, necessariamente, lead, antecedentes e conseqüentes.
No primeiro caso, deve resumir a notícia toda, respondendo às clássicas perguntas: o que, quem, quando, onde e como. Se faltar qualquer desses elementos, o editor terá que refazer o texto. É do lead que deve emergir, espontâneo (ou quase) o título da reportagem. Se escrito com correção e rigor, este emerge de imediato, sem a menor dificuldade para o titulador (que na maioria dos jornais e revistas é o próprio editor, ou o seu sub).
Os antecedentes explicam a origem do fato ocorrido. Neles o repórter expõe, como a própria palavra indica, o que antecedeu o acontecimento e culminou nele. Já os conseqüentes são único espaço para o repórter projetar o que pode vir a resultar do episódio narrado. Em geral, essa “resultante” é exposta “na boca” de algum dos personagens da notícia e, por isso, via de regra, vem entre aspas.
Os repórteres, ademais, não têm praticamente nenhuma oportunidade para mostrarem seus estilos. Estão presos à verdadeira camisa-de-força, que são os tais manuais de redação. Se saírem um milímetro fora das regras contidas neles, o editor tem total autonomia para modificar os textos e “enquadrá-los” nessas normas internas.
Outra grande desvantagem do jornalista é a agilidade que dele se exige. Tem que ser lépido em todos os sentidos. Quanto antes chegar, por exemplo, ao local dos acontecimentos, maior será sua vantagem. Se for repórter de rádio e televisão, provavelmente será o primeiro a pôr a notícia no ar. Se for de jornal, precisará escrever o mais rápido possível a matéria, para dar tempo ao editor de checar cada dado para que nenhum saia com incorreção e de editar as respectivas fotos. Por isso, quanto antes chegar ao local dos acontecimentos, mais depressa cumprirá sua missão.
O escritor, por seu turno, não tem nada disso. Não são requeridos dele nem a isenção, nem o rigor, nem a veracidade e muito menos a sobriedade. É livre para abordar o fato como quiser. A única norma a que se sente preso é a da correção da linguagem em todos os seus aspectos formais. Afinal, mesmo que não se dê conta, é o lídimo guardião do idioma de que se utiliza. Nada o impede, contudo, de emitir opiniões e mais opiniões a respeito do acontecimento que aborda, principalmente se seu livro for de ensaio, digamos.
Caso se trate de ficção, fica mais livre ainda (desde que informe, de alguma maneira que, hábil como é, saberá qual é a melhor, que sua abordagem, embora se baseie em fatos reais, é ficcional). Pode (e até deve) criar uma infinidade de personagens fictícios e enredos paralelos, todos imaginados por ele.
Ademais, como não trabalha sob controle de relógios, tem tempo à beça para colher todas as informações possíveis (o máximo delas), notadamente as contidas nas matérias dos vários repórteres que cobriram o tal acontecimento. Tem condições de redigir seu texto com toda a calma do mundo, sem sofrer nenhuma pressão de quem quer que seja, principalmente de editores estressados (não raro, chatíssimos) de olho no cumprimento dos tais deadlines das redações.
Tudo o que expus, posto que resumidamente (há inúmeras outras coisas a dizer a respeito), faço questão de frisar, é fruto de observação pessoal de experiência adquirida em anos e anos de profissão. Afinal, exerço ambas as funções e tenho consciência de não misturar, em momento algum, as duas. Caso o fizesse, seria, simultaneamente, mau jornalista e péssimo escritor. Respeito os grandes repórteres que, mesmo enfrentando as tantas dificuldades inerentes à sua função, me abastecem de ricas e instigantes “pautas” para meus livros de ensaios, romances, contos e novelas.
É verdade que sem eles eu cumpriria, igualmente, minha função, já que conto com esse fator irresistível e sem limites, chamado de “imaginação”. E eles, repórteres, são forçados, até por definição daquilo que fazem (“reportar” significa reproduzir fielmente algum acontecimento) a abrirem mão desse poderosíssimo recurso. Por isso, entre uma função e outra, optarei, quando um dia uma delas vier eventualmente a atrapalhar o exercício da outra, obviamente, pela de escritor. Afinal, traz-me muito mais vantagens com mínimo de esforço.

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