Tuesday, November 16, 2010




O besouro e a vidraça

Pedro J. Bondaczuk

Virou moda, em tempos recentes, prever o fim do mundo e, por conseqüência, da vida na Terra. Há quem, baseado em suposições, “profecias”, ou pseudociência, até tenha determinado, com exatidão absurda, a data em que isso iria acontecer: 21 de dezembro de 2012. Uns argumentam que se baseiam no calendário da civilização maia, tido e havido como infalível, que preveria uma hecatombe como nunca vista e, exatamente, nesse dia, mês e ano, para fazer suas apocalípticas previsões. Faltam, apenas, determinar a hora exata disso, com os respectivos minutos e segundos. Grandes charlatães, é o que são..
Outros tomam por base as tais profecias de Nostradamus, que podem ser interpretadas de mil maneiras diferentes, ao gosto do freguês. Há quem veja num fenômeno astronômico, que se repete, apenas, a cada 26 mil anos, a fonte da nossa destruição. Trata-se do alinhamento do sol e de todos os planetas do nosso sistema com o centro da nossa galáxia, a Via Láctea. E ele está previsto para ocorrer quando? Isso mesmo, em 21 de dezembro de 2012.
Outra corrente avisa que as piores tempestades solares de que se tem notícia vão ocorrer nessa ocasião. E que, súbita e mortífera rajada de ventos solares atingirá a Terra, evaporando, em segundos, os mares, derretendo as rochas, e fazendo 6,7 bilhões de churrasquinhos humanos.
É possível tudo isso acontecer, isolada ou simultaneamente? Sim! É provável, porém que ocorra? Creio que não! Porém... nunca se sabe. O que nós, humanos, sabemos de fato sobre o universo e suas leis? Ouso dizer que nada. Temos um conjunto de teorias, passivas de mudanças face novas descobertas, que tolamente elegemos por dogmas.
Um fato, ocorrido há pouco, em meu gabinete de trabalho, ilustra a caráter minha postura acerca dos nossos supostos conhecimentos. Como estivesse ventando e para evitar que o vento espalhasse meus papéis na escrivaninha, fechei a vidraça do recinto. O vidro foi meticulosamente limpo pela empregada, há minutos, e ficou tão transparente, que é como se nem existisse. Pontos para ela.
Subitamente, um besouro voador (que o vulgo chama de “joaninha”), que havia entrado pela janela minutos antes, resolveu sair. Investiu contra a vidraça e o resultado foi o esperado. Bateu contra ela e foi ao chão. Tomou fôlego e tornou a tentar sair. Em vão! O resultado foi o mesmíssimo. Na quarta tentativa do bichinho, resolvi dar-lhe uma ajudazinha. Abri a vidraça e ele, finalmente, pôde voar livre para o exterior (certamente um tanto contundido pelos sucessivos choques contra o vidro).
Somos, no que diz respeito à compreensão do que nos cerca, como esse frágil besourinho. Para nós, não há vidro algum barrando nosso vôo em busca de conhecimento. Ele, porém, existe, é concreto e sucessivamente nos roja ao solo da realidade. O bichinho não compreendia o que dificultava sua saída, tanto que tentou, e tentou e tentou investir contra o obstáculo diversas vezes, em vão. Nós, também, não compreendemos a vastidão do universo. E o que fazemos? Fantasiamos, a pretexto de fazer “ciência”.
Um dos livros mais impressionantes que já li, sobre os perigos que ameaçam a Terra e, por conseqüência, a vida, tem o sugestivo título de “Escolha a catástrofe”. Foi escrito pelo cientista e escritor de ficção científica Isaac Asimov. No Brasil, a obra teve várias edições, de editoras diferentes, embora não tenha se constituído em nenhum best-seller. A que li é a da Editora Melhoramentos, com tradução de Amarílis Miazzi Pereira Lima. O livro tem 334 páginas e pode fornecer uma infinidade de argumentos aos catastrofistas de carteirinha (embora estes até os dispensem para suas neuróticas elucubrações).
Apesar do título sombrio do livro, Isaac Asimov mostra otimismo quanto à sobrevivência, não somente a humana, mas da vida, como a conhecemos. E não só isso, como até derruba alguns mitos a propósito. Por se tratar de um cientista, sua análise, meticulosa, é baseada, rigorosamente, em dados científicos, o que não comporta sequer contestações.
Isaac Asimov, em seu livro, divide em cinco graus os eventos catastróficos que ameaçam a vida na Terra. Nas de primeira, analisa a hipótese do fim do universo, tal como o conhecemos hoje. Trata-se de possibilidade remota, posto que não impossível. Se (ou quando) ocorrer, terão passado bilhões, quiçá trilhões de gerações, caso os homens não se destruam antes.
Nesta parte do livro, Asimov aborda algumas das mudanças no universo que, se ocorrerem, tornarão inviável qualquer possibilidade de existir algum tipo de vida. Por conseqüência, esta se extinguiria, lógico, também aqui na Terra.
A catástrofe de 2º grau é mais particular, restrita às nossas proximidades. Também não afetaria milhões de gerações do nosso Planeta. São os desastres localizados, aqueles em que o universo permaneceria intacto, tal como é hoje, mas o Sol seria destruído, ou mudaria suas características, de sorte a tornar inviável a existência de vida na Terra.
As catástrofes de 3º grau são mais plausíveis e, portanto, possíveis de ocorrer a qualquer momento, até mesmo sem aviso. São as que afetam, somente, o nosso Planeta, com o Sistema Solar, a Via Láctea e o universo permanecendo intactos no seu curso.
Na catástrofe de 4º grau, somente algumas espécies que vivem na Terra e, principalmente, a humana, seriam extintas. As demais talvez até sofram mutações, mas permaneceriam quase intactas (quando não intactas). São inúmeras as possibilidades que podem levar a humanidade à extinção, quer por sua própria ação, quer por conseqüência de agentes (ou de condições) externas.
Finalmente, nas catástrofes de 5º grau, Asimov levanta a hipótese de que nenhum tipo de vida, nem mesmo a humana, se extinga, mas ocorra o colapso da civilização, tal como a conhecemos. Ou seja, que por alguma razão qualquer, a humanidade sofra um imenso retrocesso e retorne à condição de fera bronca, com o império da lei da selva, do “cada um por si”.
Embora improvável, essa hipótese não é descartável. Pode vir a ocorrer, dependendo das circunstâncias. Se você, caro leitor, é pessimista empedernido, se não acredita na grandeza do espírito humano e entende que o melhor é que tudo acabe mesmo, para que não haja mais tanto sofrimento e angústia, escolha a catástrofe da sua preferência.
Mas o que nos ameaça, de fato, e com iminência, não é nada disso. É um buraco-negro. Não o que, supostamente, existe no centro da Via Láctea e que, se de fato existir, no espaço de alguns bilhões de anos, haverá de sugar, inexoravelmente, todos os bilhões de estrelas da galáxia (entre elas o sol e seu sistema de planetas, a Terra no meio), enfim, toda a matéria para o seu interior, não deixando de fora sequer a luz.
Outro vórtice, muito mais próximo de nós e, portanto, mais iminente, paira por sobre nossas cabeças, como a mítica Espada de Damócles. É o que o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa alertou que nos ameaça, de forma crescente, ao escrever, num dos seus tantos e lúcidos textos: “Nós estamos caminhando para um buraco-negro: não sabemos amar, não nos ouvimos e estamos de cabeça para baixo em nossos valores”. Esse sim é o perigo com o qual devemos nos preocupar. Os demais...

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