Fragilidade da civilização
Pedro J. Bondaczuk
A passagem do furacão Hugo por Saint Croix, integrante do arquipélago das Ilhas Virgens norte-americanas, no domingo e na segunda-feira passados, certamente foi das mais traumatizantes. O homem, afinal, nunca se revela tão impotente, tão frágil e indefeso, quanto diante da fúria incontrolável dos elementos naturais.
O leitor já deve ter imaginado o que significa enfrentar ventos de até 200 quilômetros por hora. Somente o ruído que a tormenta produz já é algo sumamente aterrador, capaz de deixar traumas para sempre nos que possuam nervos mais fracos, quando não provocar neles fatais ataques cardíacos.
Uma das lições que a passagem do vendaval pelas Ilhas Virgens deixou foi acerca de algo que vem sendo estudado há tempos por pesquisadores do comportamento humano. Ou seja, de que os grandes choques produzidos pelo medo tendem a apagar o “verniz” civilizatório de determinadas comunidades.
Ontem, por exemplo, Saint Croix estava tomada pela desordem, pelo caos, ao arrepio das leis. Multidões saqueavam estabelecimentos comerciais não à procura somente de gêneros de primeira necessidade, mas de coisas até supérfluas para circunstâncias como essa, como jóias e adornos pessoais.
Testemunhas disseram que até mesmo os encarregados pela manutenção da ordem pública participavam de tais atos criminosos. Isso vem confirmar as projeções feitas por estudiosos que traçaram um quadro, um painel do que ocorreria com a nossa civilização caso ocorresse uma guerra nuclear posto que limitada.
Dependendo da quantidade de mísseis disparados (dificilmente haveria sobreviventes para disparar a totalidade dos arsenais existentes), pelo menos dois terços da humanidade morreriam sob o impacto direto das bombas. Cidades como Nova York, Moscou, Paris, Londres, Roma, Washington e Los Angeles, por exemplo (entre outras tantas) certamente seriam varridas imediatamente do mapa.
Dos cidadãos que eventualmente escapassem dessa carnificina, muitos seriam mortos por vendavais de potência absurdamente alta. A bomba de Hiroshima, por exemplo, produziu um de 800 quilômetros por hora. Portanto, quatro vezes mais destrutivo do que o furacão Hugo. E esse artefato, hoje em dia, é absolutamente obsoleto. Os usados para simples testes são muito mais poderosos do que ele.
Se fosse possível alguém escapar do holocausto nuclear, das pestes produzidas por quase quatro bilhões de cadáveres humanos (além de todos os animais, aves, peixes, insetos e vegetais), da radiação e do “inverno” que se seguiria, dificilmente esses seres que restassem (se restassem) teriam muitos resquícios de humanidade.
O trauma seria tamanho, que tudo o que lembrasse civilização seria destruído. E todo o lento processo que conduziu o homem das cavernas às viagens espaciais teria que recomeçar do ponto zero. Da redescoberta do fogo, da roda, etc. Vale a pena apostar tanto numa arma tão terrível e sobretudo inútil?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 21 de setembro de 1989).
Acompanhe-me no twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A passagem do furacão Hugo por Saint Croix, integrante do arquipélago das Ilhas Virgens norte-americanas, no domingo e na segunda-feira passados, certamente foi das mais traumatizantes. O homem, afinal, nunca se revela tão impotente, tão frágil e indefeso, quanto diante da fúria incontrolável dos elementos naturais.
O leitor já deve ter imaginado o que significa enfrentar ventos de até 200 quilômetros por hora. Somente o ruído que a tormenta produz já é algo sumamente aterrador, capaz de deixar traumas para sempre nos que possuam nervos mais fracos, quando não provocar neles fatais ataques cardíacos.
Uma das lições que a passagem do vendaval pelas Ilhas Virgens deixou foi acerca de algo que vem sendo estudado há tempos por pesquisadores do comportamento humano. Ou seja, de que os grandes choques produzidos pelo medo tendem a apagar o “verniz” civilizatório de determinadas comunidades.
Ontem, por exemplo, Saint Croix estava tomada pela desordem, pelo caos, ao arrepio das leis. Multidões saqueavam estabelecimentos comerciais não à procura somente de gêneros de primeira necessidade, mas de coisas até supérfluas para circunstâncias como essa, como jóias e adornos pessoais.
Testemunhas disseram que até mesmo os encarregados pela manutenção da ordem pública participavam de tais atos criminosos. Isso vem confirmar as projeções feitas por estudiosos que traçaram um quadro, um painel do que ocorreria com a nossa civilização caso ocorresse uma guerra nuclear posto que limitada.
Dependendo da quantidade de mísseis disparados (dificilmente haveria sobreviventes para disparar a totalidade dos arsenais existentes), pelo menos dois terços da humanidade morreriam sob o impacto direto das bombas. Cidades como Nova York, Moscou, Paris, Londres, Roma, Washington e Los Angeles, por exemplo (entre outras tantas) certamente seriam varridas imediatamente do mapa.
Dos cidadãos que eventualmente escapassem dessa carnificina, muitos seriam mortos por vendavais de potência absurdamente alta. A bomba de Hiroshima, por exemplo, produziu um de 800 quilômetros por hora. Portanto, quatro vezes mais destrutivo do que o furacão Hugo. E esse artefato, hoje em dia, é absolutamente obsoleto. Os usados para simples testes são muito mais poderosos do que ele.
Se fosse possível alguém escapar do holocausto nuclear, das pestes produzidas por quase quatro bilhões de cadáveres humanos (além de todos os animais, aves, peixes, insetos e vegetais), da radiação e do “inverno” que se seguiria, dificilmente esses seres que restassem (se restassem) teriam muitos resquícios de humanidade.
O trauma seria tamanho, que tudo o que lembrasse civilização seria destruído. E todo o lento processo que conduziu o homem das cavernas às viagens espaciais teria que recomeçar do ponto zero. Da redescoberta do fogo, da roda, etc. Vale a pena apostar tanto numa arma tão terrível e sobretudo inútil?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 21 de setembro de 1989).
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