Miséria em dose extrema
Pedro J. Bondaczuk
A oposição de Bangladesh tentou, ontem, algo que no país ainda é inédito, embora já tenha acontecido tantas vezes em outras partes, com resultados até catastróficos: a derrubada do governo do presidente Mohammad Ershad, através de uma marcha popular sobre a capital. Evidentemente, não teve sucesso.
O resultado dos distúrbios foi o de sempre: dura repressão policial, que resultou na morte de 12 manifestantes e em ferimentos em pelo menos 50. Embora possa parecer humor negro, pode-se dizer que, em se tratando desse país, o prejuízo até que foi pequeno.
A desgraça, ali, quando ocorre, é sempre em grau superlativo. Houve, por exemplo, na década passada, um tufão, que passou pelas terras bengalis, e que matou mais de um milhão de pessoas de uma só vez. Em 1984, outro, dizimou 400 mil.
Bangladesh é um país que nasceu de um parto doloroso, sangrento, arrasador, como fruto de uma guerra civil, deflagrada em 1971. É o resultado da desavença entre a Índia e o Paquistão. Pode-se afirmar que conseguiu a independência somente porque os indianos queriam tirar uma forra dos paquistanês por eles terem se desvinculado do seu território, ocasião em que ambos se tornaram independentes da Grã-Bretanha, em 1947.
A terra dos bengalis estava deslocada, como mera província. Até o início da década passada, constituía o chamado Paquistão Oriental. Para se chegar ali, procedente da capital paquistanesa, era preciso pedir licença à Índia, já que se constituía em território descontínuo.
Mas Bangladesh é o que os economistas classificam de Estado inviável. Ou seja, depende da benevolência alheia para sobreviver. Está espremido numa área de 143.998 quilômetros quadrados, onde se acotovela a oitava maior aglomeração humana do Planeta. São 103 milhões de habitantes, com uma renda per capita de indigência, que mal alcança a US$ 121 anuais.
O Produto Nacional Bruto bengali, de US$ 11,8 bilhões, está comprometido em mais de 50%, pois o país tem uma dívida externa de US$ 6 bilhões. Em somente 16 anos de existência, Bangladesh já teve seis governos, numa média de 2,6 anos de mandato para cada um. Nesse mesmo período, dois de seus presidentes (o xeque Mujibur Rahman, em 1975 e Ziaur Rahman, em 1981) saíram direto do palácio presidencial para o cemitério: foram assassinados.
É verdade que três eleições foram realizadas no país. Todas, entretanto, contestadas pelos perdedores. Não devem ter sido, portanto, nenhum primor de lisura. A lei marcial é uma rotina nesse Estado, onde a palavra democracia é mais força de expressão do que realidade palpável.
Por isso, não seria de se admirar se o presidente Ershad (que até vem realizando um governo razoável) viesse a ter um destino semelhante aos dos antecessores, nenhum dos quais completou qualquer mandato.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 11 de novembro de 1987)
Pedro J. Bondaczuk
A oposição de Bangladesh tentou, ontem, algo que no país ainda é inédito, embora já tenha acontecido tantas vezes em outras partes, com resultados até catastróficos: a derrubada do governo do presidente Mohammad Ershad, através de uma marcha popular sobre a capital. Evidentemente, não teve sucesso.
O resultado dos distúrbios foi o de sempre: dura repressão policial, que resultou na morte de 12 manifestantes e em ferimentos em pelo menos 50. Embora possa parecer humor negro, pode-se dizer que, em se tratando desse país, o prejuízo até que foi pequeno.
A desgraça, ali, quando ocorre, é sempre em grau superlativo. Houve, por exemplo, na década passada, um tufão, que passou pelas terras bengalis, e que matou mais de um milhão de pessoas de uma só vez. Em 1984, outro, dizimou 400 mil.
Bangladesh é um país que nasceu de um parto doloroso, sangrento, arrasador, como fruto de uma guerra civil, deflagrada em 1971. É o resultado da desavença entre a Índia e o Paquistão. Pode-se afirmar que conseguiu a independência somente porque os indianos queriam tirar uma forra dos paquistanês por eles terem se desvinculado do seu território, ocasião em que ambos se tornaram independentes da Grã-Bretanha, em 1947.
A terra dos bengalis estava deslocada, como mera província. Até o início da década passada, constituía o chamado Paquistão Oriental. Para se chegar ali, procedente da capital paquistanesa, era preciso pedir licença à Índia, já que se constituía em território descontínuo.
Mas Bangladesh é o que os economistas classificam de Estado inviável. Ou seja, depende da benevolência alheia para sobreviver. Está espremido numa área de 143.998 quilômetros quadrados, onde se acotovela a oitava maior aglomeração humana do Planeta. São 103 milhões de habitantes, com uma renda per capita de indigência, que mal alcança a US$ 121 anuais.
O Produto Nacional Bruto bengali, de US$ 11,8 bilhões, está comprometido em mais de 50%, pois o país tem uma dívida externa de US$ 6 bilhões. Em somente 16 anos de existência, Bangladesh já teve seis governos, numa média de 2,6 anos de mandato para cada um. Nesse mesmo período, dois de seus presidentes (o xeque Mujibur Rahman, em 1975 e Ziaur Rahman, em 1981) saíram direto do palácio presidencial para o cemitério: foram assassinados.
É verdade que três eleições foram realizadas no país. Todas, entretanto, contestadas pelos perdedores. Não devem ter sido, portanto, nenhum primor de lisura. A lei marcial é uma rotina nesse Estado, onde a palavra democracia é mais força de expressão do que realidade palpável.
Por isso, não seria de se admirar se o presidente Ershad (que até vem realizando um governo razoável) viesse a ter um destino semelhante aos dos antecessores, nenhum dos quais completou qualquer mandato.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 11 de novembro de 1987)
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