Friday, November 19, 2010




Estímulo ao instinto

Pedro J. Bondaczuk

Fico pasmo com a naturalidade com que as pessoas falam da morte. Dos outros, claro. Sempre que o assunto vem à baila e levanto a possibilidade dos meus interlocutores morrerem, eles desconversam, disfarçam, e passam a falar de trivialidades, como o jogo de futebol da véspera, as tramóias e artimanhas da política e outros quetais.
Sinto que a vida e, principalmente, o seu oposto, foram banalizados ao extremo, como se os seres humanos se tratassem, apenas, de números estatísticos, de cifras manipuláveis e descartáveis, e não de gente como a gente, com nossas mesmas dúvidas, problemas, fraquezas, aspirações, vulnerabilidades e temores.
E olhem que sequer estou me referindo à matança indiscriminada de espécies, vegetais e animais, que se pratica a todo o momento, com uma velocidade estonteante e com uma indiferença olímpica sobre as conseqüências que isso pode e tende a causar.
Nós, escritores, autores de peças de teatro, roteiristas de novelas de TV e de filmes, temos grande parte da culpa disso acontecer. Não que, se não incluíssemos em nossos textos essa infinidade de assassinatos e assassinos de que tratamos, ninguém mais iria matar ninguém. Uma afirmação dessas seria não apenas falsa, mas pueril e de uma burrice monumental.
Mas a forma com que tratamos essa manifestação extrema de violência tem lá sua influência, notadamente em mentes mais fracas (e são tantas!). Via de regra, nossos enredos passam a impressão (mesmo à nossa revelia) de que matar, dependendo de quem seja a vítima e de quais forem as circunstâncias, é a coisa mais natural do mundo. Claro que nunca foi, não é e jamais deveria ser. É um ato grave, gravíssimo, injustificável, injustificabilíssimo, um delito absurdo, por maiores que sejam as tentativas de tornar minimamente aceitável um horror desses.
E o que fazer? Banir os assassinatos dos nossos textos? Claro que não! Nossa atividade implica em tratar, sempre e sempre, da vida exatamente como ela é. Ou seja, sem omitir coisa alguma, quer façamos ficção, quer não. E infelizmente, esse grave (gravíssimo) evento existe.
Compete-nos, com habilidade (é nessas ocasiões que temos a chance de exibir nosso verdadeiro talento), deixar pelo menos implícito (se não for possível explicitar), que por mais justificável que esse ato extremo pareça, é errado, é grave, é assassinato e não deve ser praticado, e muito menos repetido como ocorre no cotidiano.
Não chegarei ao desplante de afirmar que romances, novelas e filmes violentos promovam a violência ou mesmo remotamente sejam causas da sua escalada. Esse é um tema por demais complexo, tem inúmeras origens e não comporta explicações simplistas.
Mas que, essa banalização da morte desperta, ou pelo menos estimula, o instinto tânico, o de destruição, em mentes fracas e em indivíduos com graves taras, deficiências mentais e/ou comportamentais de toda a sorte e instinto inato de matar, disso não tenho a mínima dúvida.
Até por formação, sou avesso a qualquer tipo de censura. Recomendo, porém, a quem escreva para o público, que reflita bastante antes de tratar de morte em seus escritos. Pense na possibilidade de você ser não o que a descreve, mas a vítima. Ainda assim, ostentando essa condição, você consideraria o ato de matar justificável em qualquer circunstância? Duvido! Pimenta só não arde quando é esfregada nos olhos dos outros. Quando é nos nossos....ai, ai, ai.
Tenha em mente que você jamais saberá em que mãos seu texto irá cair. Tanto pode ir parar nas de uma pessoa “normal” (embora sejam sumamente vagos os critérios de normalidade), sensata e com senso crítico, quanto nas de um desequilibrado, de um homicida potencial, de um paranóico insensível que não dê o mínimo valor à vida alheia (e provavelmente nem à própria) e que apenas busque qualquer justificativa para praticar este ato terrível e sem volta.
Outra coisa que jamais entendi, desde menino (e olhem que isso já faz muuuito tempo), é a guerra. É o fato de dois governantes, de países diferentes, se desentenderem por algum motivo (via de regra banal e sem importância) e, por causa disso, levarem seus respectivos povos a se trucidarem, mesmo tendo em conta que os soldados que se digladiam nos campos de batalha sequer se conhecem, quanto mais têm motivos de se odiar e de matarem uns aos outros.
Mesmo sem se conhecer, porém, estimulados por aparatos irresponsáveis de propaganda, vêem, uns aos outros, como inconciliáveis inimigos, que precisem ser eliminados como ervas daninhas. E ainda dizem que nossa espécie é a do Homo Sapiens!
Isso contraria profundamente minha educação rigorosamente cartesiana. Não vejo a mínima lógica nesse procedimento. E, no entanto... As páginas da história, salvo uma ou outra exceção, foram escritas, quase todas, com sangue, muito sangue e há multidões que acham isso “normal”. Como pode?!!!!




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