Sunday, November 14, 2010




Povo agora quer os dedos

Pedro J. Bondaczuk

O regime socialista de partido único da Birmânia está, virtualmente, em seus estertores. Há cerca de duas semanas, quando uma sangrenta onda de protestos nacional (que redundaram na morte de cerca de 1.500 pessoas) levou o general Sein Lwin, conhecido como o "carniceiro de Rangum", a renunciar, afirmamos, neste mesmo espaço, que a agremiação no poder estava "sacrificando os anéis para não perder os dedos".

O povo, todavia, agora que percebeu a sua força, não quer uma mera substituição de nomes. Tem em mente um projeto muito mais ambicioso e arrojado. Pretende um regime democrático autêntico, pluripartidário e moderno, que leve a Birmânia ao caminho do desenvolvimento.

As manifestações que estão se verificando por todo este país do Sudeste Asiático nada têm a ver, portanto, com o novo presidente, Maung Maung, um civil, advogado, que ocupava as funções de procurador-geral da República. Não, pelo menos, especificamente. Mas o que a população pleiteia é o direito de eleger seus governantes, através de voto livre e soberano, com a participação não apenas dos socialistas, mas de vários partidos, que reflitam as contradições e anseios da sua sociedade.

Pouca gente, no entanto, acredita que isso possa vir a ser alcançado pacificamente. Os militares, encastelados no poder há 26 anos, desde 1962, não parecem dispostos a largar tudo com tamanha facilidade. O que é mais provável de acontecer é Maung Maung ser levado de roldão, a exemplo do que ocorreu com Lwin, assim que aparecer um outro líder carismático, dentro das Forças Armadas, como foi o veteraníssimo general Ne Win, que se afastou recentemente da política, argumentando razões de asúde, já que ele está com 76 anos de idade.

O que está ocorrendo agora na Birmânia, portanto, já era previsível. Afinal, o "culto à personalidade, estabelecido pelo velho dirigente, inibiu o surgimento de novas lideranças. Teme-se que, em desespero de causa, vendo o descontentamento crescer, o atual regime volte a apelar para o expediente da força. Torne a encarcerar dezenas e mais dezenas de oposicionistas e a massacrar estudantes e monges budistas nas ruas das principais cidades, como já fez em pelo menos três ocasiões nestes últimos 26 anos: em 1962, em março deste ano e no início do corrente mês.

Há, não restam dúvidas, uma pálida réstia de esperança de que o bom senso possa prevalecer. De que a pesquisa, encomendada por Maung Maung, para auscultar os desejos dos birmaneses, não se torne apenas um simples material para ser engavetado. Que a vontade da população seja, finalmente, respeitada. Mas agora que os socialistas já se desfizeram dos "anéis", dificilmente concordarão, também, em ceder os "dedos". Vai daí...

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 24 de agosto de 1988)


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